As questionáveis vedações fazendárias às adoções das figuras da suspensão e do diferimento do ICMS em determinados tipos de industrializações sob encomendas

Criado em 22/03/2021

Publicado em 22/03/2021

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Em recente reunião virtual, por meio da ferramenta zoom, com os integrantes de conceituado escritório de advocacia empresarial do qual sou consultor tributário externo, o seu principal sócio inseriu na pauta de discussões a seguinte questão tributária:

No texto de algumas respostas às consultas formuladas por contribuintes do ICMS, o Fisco paulista vem expressando que somente se pode adotar a figura da suspensão desse imposto, por ocasião da remessa de matérias-primas e produtos intermediários para industrialização em estabelecimento de outra empresa, bem como a figura do diferimento desse gravame fiscal que, por sua vez, incide sobre o valor da mão de obra utilizada nessa industrialização por encomenda e que, por sua vez, é aplicável na saída intraestadual do produto industrializado com destino ao estabelecimento encomendante, na situação em que o estabelecimento autor da encomenda fornecer todas — ou, senão, ao menos, as principaismatériasprimas e produtos intermediários nela (industrialização) empregados, enquanto que ao estabelecimento industrializador cabe o fornecimento essencialmente da mão de obra e apenas a um eventual acréscimo de alguma matéria-prima secundária

  

Assim, o Fisco paulista entende que nos casos de industrialização por encomenda, em que o estabelecimento industrializador adquire por conta própria as matérias-primas e/ou produtos intermediários substanciais que devem ser aplicadas nessa industrialização, o estabelecimento encomendante deverá destacar, na respectiva Nota Fiscal, o ICMS sobre o valor das matériasprimas e produtos intermediários remetidos para industrialização, assim como o estabelecimento industrializador deverá destacar, na Nota Fiscal referente ao retorno de industrialização, o ICMS sobre o valor da mão de obra nela aplicada!

Ao se referir a essa conflituosa questão tributária, o principal sócio desse escritório de advocacia empresarial mencionou que em criteriosa pesquisa realizada não encontrou texto ou artigo comentando sobre as referidas pretensões impositivas por parte do Fisco paulista. 

Após fazer referência a essa sua constatação, solicitou que, no decorrer dessa reunião, eu manifestasse a minha convicção jurídica sobre a legitimidade ou ilegitimidade dos aludidos procedimentos tributários exigidos, pelo Fisco paulista, nas remessas para industrializações por encomendas, bem como nas saídas dos produtos resultantes dessas industrializações com destino ao estabelecimento encomendante, na situação em que as principais matérias-primas e produtos intermediários, nelas empregados, são adquiridos pelo estabelecimento industrializador.

Destarte, expressei, na sequência dessa reunião, os meus pertinentes comentários e considerações que estão concisamente formalizados a seguir:

I – A questionável vedação fazendária a aplicabilidade da suspensão do ICMS na remessa de matérias-primas e produtos intermediários, ambos secundários, para industrialização em estabelecimento de outra empresa, na situação em que o industrializador adquire as principais matérias-primas e os essenciais produtos intermediários a serem empregados no ato de industrializar sob encomenda

Na minha plena convicção jurídico-tributária nãolegitimidade na exigência, preceituada pelo Fisco paulista, do estabelecimento encomendante proceder ao destaque do ICMS na Nota Fiscal que abriga a remessa de matériasprimas e produtos intermediários, ambos secundários, com destino a industrialização em estabelecimento de outra empresa, em face das razões a seguir aduzidas:

O atual texto regulamentar do ICMS vigente no Estado de São Paulo determina no enunciado linguístico contido no seu Art. 402 que: “O lançamento do imposto incidente na saída de mercadoria com destino a outro estabelecimento ou a trabalhador autônomo ou avulso que prestar serviço pessoal, num e noutro caso, para industrialização, observado o disposto nos artigos 409 e 410, fica suspenso, devendo ser efetivado no momento em que, após o retorno dos produtos industrializados ao estabelecimento de origem, autor da encomenda, por este for promovida a subsequente saída dos mesmos produtos.” Por relevante, cabe observar que os grifos e negritos não constam na redação oficial.

Primeiramente, deve-se advertir que na sobredita norma regulamentar contém uma erronia inaceitável ao determinar que o ICMS incide na saída de mercadorias para industrialização em outro estabelecimento e que o seu respectivo lançamento fica suspenso para ser efetivado em operação subsequente a ser realizada pelo estabelecimento encomendante

É possível evidenciar o desacerto jurídico contido no enunciado do Art. 402 do atual Regulamento do ICMS vigente no Estado de São Paulo, mediante um processo comparativo do referido fato econômico (remessa de matérias-primas e produtos intermediários para industrializações em estabelecimento de outra empresa) com as normatividades contidas na Constituição Federal e na Lei Complementar87/1996 que determinam hipoteticamente os negócios a serem gravados pelo ICMS.

Em verdade, por meio desse processo comparativo é possível depreender que nele (fato econômico) a realização de uma operação (ou seja, do avençado negócio qualificado como uma industrialização por encomenda) que, por sua vez, patenteia a concretização do núcleo (operações) da materialidade da incidência desse imposto

Adicionalmente, cabe referir que o objeto desse fato econômico se qualifica como mercadorias (ou seja, matérias-primas e produtos intermediários) e, por conseguinte, se evidencia a concretização do segundo elemento adjetivo que qualifica o núcleo (operações) da materialidade da incidência desse imposto.

Mas, deve-se enfatizar que nesse fato econômico não se constata o primeiro elemento adjetivo (circulação) que qualifica o núcleo da materialidade da incidência desse imposto, pois, nele, não se viabiliza a transferência dos direitos de propriedade ou de posse das mencionadas matérias-primas e produtos intermediários para o estabelecimento executor da encomenda

Na realidade, essas matérias-primas e produtos intermediários ao entrarem no estabelecimento executor da encomenda continuarão na propriedade do estabelecimento encomendante

Por outro prisma, cabe esclarecer que o estabelecimento executor da encomenda não obterá os direitos específicos à posse dessas matérias-primas e produtos intermediários, pois ele (estabelecimento executor da encomenda) não poderá usálos em vantagem própria, não poderá usufruir deles (matérias-primas e produtos intermediários) nem poderá deles (matérias-primas e produtos intermediários) dispor, como, por exemplo, aplicá-los na industrialização de produtos destinados a posteriores vendas própria, ato que seria possível na situação em que detivesse as suas respectivas titularidades, como ocorre, por exemplo, com o estabelecimento consignatário quando, numa consignação industrial, recebe tais matérias-primas e produtos intermediários do estabelecimento consignante.

Em face do exposto deve-se concluir que nesse fato econômico (remessa de matérias-primas e produtos intermediários para industrializações em estabelecimento de outra empresa) não há a circulação jurídica (transferência dos direitos de propriedade ou de posse) das mercadorias que dele (fato econômico) são objeto, e, consequentemente, não se concretiza a completude da materialidade da principal hipótese legal de incidência do ICMS, pois, ele (fato econômico) não realiza o primeiro elemento adjetivo (circulação jurídica) que qualifica o seu correspondente núcleo.

Em decorrência dessas incontestáveis observações, cumpre-me ressaltar que a suspensão do ICMS estatuída, no Art. 402 do Regulamento desse imposto, para a remessa de matérias-primas e produtos intermediários destinados a industrialização em estabelecimento de outra empresa, não se qualifica, no meu magistério, como um favor fiscal que se caracteriza como uma dilação do lançamento do pertinente imposto (ICMS) incidente, mas, sim, como uma inocorrência condicionada da hipótese legal de incidência desse gravame fiscal, em face de que, nela, se enfatize, não se concretiza o primeiro elemento adjetivo (circulação jurídica) que qualifica o núcleo (operações) da materialidade da hipótese legal de incidência desse imposto.

A aludida condição para a adoção dessa figura suspensiva do ICMS é a de que os respectivos produtos industrializados sob encomendas retornem ao estabelecimento encomendante no prazo previsto na pertinente legislação. O Regulamento do ICMS vigente no estado de São Paulo estabelece expressamente um prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data da saída das mercadorias do estabelecimento encomendante, para a concretização do mencionado retorno. O referido prazo poderá ser prorrogado mediante autorização expressa do Fisco Estadual.

Por conseguinte, destinando-se essa remessa de matérias-primas e produtos intermediários para fins de emprego em um negócio qualificado como industrialização por encomenda, a ser realizada em estabelecimento de outra empresa, e que, portanto, se enfatize, não possibilitará a transmissão de sua respectiva propriedade ou de sua correspondente posse, deve-se concluir que ela (remessa) é irrelevante para fins de concretização da hipótese legal de incidência do ICMS

Assim, com respaldo nessa linha de raciocínio, deve-se refutar integralmente essa vedação fazendária a aplicabilidade da suspensão do ICMS na remessa de matérias-primas e produtos intermediários, ambos secundários, para industrialização em estabelecimento de outra empresa, na situação em que o industrializador adquire as principais matériasprimas e os essenciais produtos intermediários a serem empregados no ato de industrializar por encomenda.   

II – A questionável vedação fazendária a aplicabilidade do diferimento do ICMS sobre o valor da mão de obra empregada na industrialização sob encomenda, na situação em que o estabelecimento industrializador adquire as principais matérias-primas e os essenciais produtos intermediários dessa operacionalidade 

No meu integral convencimento jurídico-tributário, nãolegitimidade na compreensão do Fisco paulista de que não se aplica o diferimento do ICMS incidente sobre o valor da mão de obra empregada na industrialização sob encomenda, na situação em que o respectivo estabelecimento encomendante não remete, no mínimo, as suas principais matériasprimas e os seus essenciais produtos intermediários, em face das razões a seguir aduzidas:

O Art. 1º da Portaria CAT Nº 22, de 8-3-2007 estabelece que na saída de produto industrializado sob encomenda, na situação em que os estabelecimentos industrializador e encomendante estão situados no Estado de São Paulo, o lançamento do ICMS incidente sobre a parcela relativa aos serviços prestados fica diferido para o momento em que, após o retorno dos produtos industrializados ao estabelecimento de origem, por este for promovida sua subsequente saída.

No parágrafo único do referido artigo estão mencionadas, em numerus clausus, as hipóteses nas quais o sobredito diferimento do ICMS não se aplica e que são a seguir mencionadas:

1.Encomenda feita por não-contribuinte do imposto, por estabelecimento rural de produtor e por estabelecimento enquadrado como beneficiário do regime simplificado atribuído à microempresa ou empresa de pequeno porte;

2. Industrialização de sucata de metais.

No artigo 2º dessa Portaria consta como condição para a adoção do mencionado diferimento do ICMS, o retorno dos produtos industrializados ao estabelecimento de origem, dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da saída da mercadoria do estabelecimento autor da encomenda, prorrogável, a critério do Fisco, por igual período, e admitida, ainda, excepcionalmente, uma segunda prorrogação, por mais 180 (cento e oitenta) dias.

Assim, depreende-se que a situação em que um estabelecimento remete apenas matérias-primas e produtos intermediários, ambos secundários, para emprego numa industrialização a ser realizada por estabelecimento de outra empresa, não constitui fato impeditivo para que o estabelecimento industrializador, por ocasião da saída intraestadual do produto industrializado com destino ao estabelecimento encomendante, venha a adotar o diferimento do ICMS sobre o valor da mão de obra empregada nessa industrialização sob encomenda.

Por conseguinte, vale enfatizar, com fulcro na constatação aludida no parágrafo anterior, que nãolegitimidade na vedação fazendária a aplicabilidade do diferimento do ICMS sobre o valor da mão de obra empregada na industrialização por encomenda, na situação em que o estabelecimento industrializador adquire as principais matérias-primas e os essenciais produtos intermediários dessa operacionalidade.

Ao cabo dessas amplas considerações, instruí os sócios e associados desse escritório de advocacia que viessem, com respaldo nesses meus argumentos jurídicotributários qualificados, ao meu sentir, como incontestáveis, a estudar a conveniência de propor as suas empresas clientes a adoção do adequado instrumento legal de defesa do contribuinte, com vistas a pleitear, em Juízo, a pertinente chancela judicial para que os seus respectivos estabelecimentos venham a adotar as figuras da suspensão e do diferimento do ICMS, nas situações operacionais supra comentadas.

*Humberto Bonavides Borges

Autor dos livros: Planejamento TributárioIPI, ICMS, ISS e IR, 14ª edição, Gerência de ImpostosIPI, ICMS, ISS e IR, edição, Manual de Procedimentos TributáriosIPI, ICMS e ISS, edição, Legislação TributáriaIPI, II, IE, IR, CSL, COFINS e PIS, edição, editados pela Atlas. Autor do livro: Auditoria de TributosIPI, ICMS e ISS, edição, editado pela GEN/Atlas. Autor da Coletânea de Estudos e Comentários sobre o IPI, ICMS, ISS e IR, editada pelo Management Center do Brasil, Filial da American Management Center. Autor de fascículos da Coleção Empresarial IOB. Autor de mais de quarenta textos sobre questões tributárias publicados em diversos periódicos fiscais, impressos e eletrônicos, Membro da Equipe de Coordenação do MBA em Gestão Tributária promovido pela USP/Esalq. Docente das disciplinas: Gestão do IPI, Gestão do ICMS, Gestão do ISS e Planejamento Tributário nas Empresas, do MBA em Gestão Tributária promovido pela USP/Esalq. Professor do Curso (presencial) de Especialização em Gestão Tributária, promovido pela Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMPSP. Professor em MBAs, cursos de pós-graduações e de extensões universitárias promovidos pela FGV – IDE – SP, FGV – Management – SP e FGV – PEC – SP. Ministrou aulas na FGV Law ProgramFGV – Direito – Rio. Ministrou as aulas das disciplinas: Tributação sobre o Faturamento e Valor Agregado e Planejamento Tributário, do Curso de Pós Graduação – MBA – em Administração Tributária, promovido pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP – FGV) e destinado aos Auditores Fiscais da Receita Federal, filiados à UNAFISCO, e aos Auditores Fiscais do Município de São Paulo, filiados ao FENAFIM. Docente das disciplinas: Gestão dos Impostos sobre a Produção e a Circulação: IPI, ICMS e ISS, Direito Tributário Aplicado na Gestão da Tributação nas Empresas e Planejamento Tributário no MBA em Gestão Tributária e Compliance promovido pela Sustentare Escola de Negócios – SC. Ex-Superintendente do Departamento de Consultoria Tributária de Arthur Young Auditores, que, posteriormente, passou a integrar a firma Ernst & Young, uma das maiores empresas de auditoria externa no País (Big-Four) e que, atualmente, se denomina EY. Nessa sua fase profissional foi responsável pelo treinamento técnico, na área de tributação empresarial, dos auditores externos e dos consultores do Departamento de Tributos dessa conceituada Firma. Foi advogado tributarista em uma das maiores empresas de telecomunicações do País. Ex-gerente de Departamentos Corporativos de Tributos de grandes complexos empresariais com atividades nas áreas industriais e mercantis. Atualmente é o sócio principal da firma HBB – Consultoria Tributária Ltda.

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