Como Spock aproveitaria créditos de PIS e Cofins?

Por Fabio Rodrigues de Oliveira
Co-Founder da Busca.Legal

  Publicado em 03/04/2019

Em minhas aulas, quando começo a tratar das peculiaridades da não cumulatividade do PIS e da Cofins e vejo as interrogações que vão se formando no rosto dos alunos, penso em como seria explicar esse assunto ao capitão Spock, o lendário personagem de Star Trek.

O mais famoso dos vulcanos, apesar de ser também meio terráqueo, segue a filosofia vulcana, criada por Surak e baseada no uso da lógica para guiar a vida, reprimindo o uso das emoções. Mas guiar-se pela lógica, como veremos, não é um caminho viável para apurar créditos de PIS e Cofins.

A não cumulatividade, em linhas gerais, tem por objetivo permitir que a cada operação sejam aproveitados créditos das operações anteriores, de forma que seja efetivamente tributado, a cada operação, apenas o valor que foi acrescido. Ou seja, se um produto for comprado por $ 10 e vendido por $ 11, o tributo incidiria de fato apenas sobre $ 1. A lógica é simples, mas a prática…

Tendo em vista que as contribuições no regime não cumulativo incidem sobre o total das receitas, os créditos deveriam ser calculados sobre todas as despesas. As Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, no entanto, não seguem essa lógica, preferindo listar, em seu artigo 3º, quais gastos permitem o aproveitamento de créditos. Há quem defenda que essa listagem seria exemplificativa e o assunto já chegou ao Supremo Tribunal Federal (Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo nº 790.928), mas tanto a RFB como o próprio Judiciário têm seguido o que chamamos de corrente legalista, no qual apenas os casos previstos na legislação permitem o aproveitamento de créditos. Este seria o primeiro desafio para o capitão Spock!

E partindo para os casos específicos, temos visto, inúmeros erros no aproveitando de créditos. Um caso recorrente é a energia elétrica, que muitas empresas aproveitam apenas da área produtiva, mas a legislação garante para todas as áreas da empresa, inclusive administrativa. E se formos seguir essa lógica, o mesmo deveria ocorrer com os gastos com água. Mas como a lógica não é o forte desta não cumulatividade, não é o que ocorre. Apenas os gastos com água da área produtiva permitem o aproveitamento de crédito. Paciência Spock!

Isso ocorre pois, em relação à energia elétrica, temos um item específico para este crédito (inciso III), que não o limita à área produtiva. Quanto à água, não temos um crédito específico, mas é possível seu aproveitamento a enquadrando como insumo (inciso II), o qual é limitado à área produtiva.

Aliás, a própria questão de insumos gera inúmeras dúvidas, pois eles acabam sendo usados como “coringa”. Quando a empresa não consegue enquadrar seu gasto em nenhuma das demais hipóteses da lei, tenta a sorte neste item. A Receita Federal, no entanto, tem uma visão muito limitada sobre o que seriam insumos. Essa briga também foi levada ao Judiciário e em 2018 tivemos o julgamento do aguardado Recurso Especial nº 1.221.170 – PR.

Como foi julgado sob efeito repetitivo, o entendimento nele expressado deveria orientar as decisões dos demais órgãos julgadores, mas como em relação às contribuições sociais nada é tão simples, ficamos em um impasse: ao lermos a ementa da decisão, é possível concluir que insumos alcançariam todos os gastos essenciais ou relevantes “para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.

Mas quando vamos analisar os detalhes da decisão, verificamos que seriam apenas os gastos ligados à área produtiva ou à prestação de serviços. Uma empresa puramente comercial, portanto, não teria o que falar em insumos, como já se manifestou a Receita Federal (Solução de Consulta DISIT/SRRF04 nº 4006/2019). Como Spock reagiria a isso?

NOTA: Para mais detalhes, acesse: O STJ e a nova definição de insumos: você leu a íntegra da decisão?

E essa necessidade de conhecer o centro de custo do gasto também se aplica às aquisições de máquinas e equipamentos (inciso VI), cujos créditos estão restritos à locação, produção ou prestação de serviços. A depreciação de um caminhão, por uma transportadora, habilita o aproveitamento de créditos, mas se esse caminhão for usado para entregas por uma empresa comercial não. E argumentar que eles são essenciais não emocionam o Fisco (será que eles são vulcanos?).

E outro caso também emocionante é o dos fretes. É possível apurar créditos tanto nas operações de compras, como de vendas de mercadorias. Com isso, é possível o aproveitamento de créditos sobre o frete na venda de farinha de trigo, mesmo este produto estando beneficiado com alíquota zero das contribuições (inciso IX).

Mas o frete da compra da farinha de trigo já não será possível, pois, ao contrário do frete na venda, ele não tem um inciso específico. É preciso aproveitar este crédito como acessório ao produto (incisos I ou II) e, logo, somente quando este permite o aproveitamento de créditos (Solução de Consulta Cosit nº 390/2017).

NOTA: Sobre fretes na compra, acesse: Trilogia: créditos de PIS e Cofins sobre fretes – Parte 1 (compras)

E se voltarmos às regras gerais da não cumulatividade, novamente vamos nos deparar com situações ilógicas. Como disse no início, o objetivo da não cumulatividade seria que a cada operação tributássemos apenas o valor acrescido. Para isso, a cada operação são aproveitados créditos para reduzir a operação posterior. Consequentemente, se fizermos uma compra de uma empresa que tributa PIS e Cofins às alíquotas de 0,65% e 3%, seria lógico esperar que os créditos fossem neste valor. Mas não é o que ocorre, pois foi adotado para as contribuições o chamado Método Indireto Subtrativo, no qual os créditos nascem internamente na empresa às alíquotas básicas de 1,65% e 7,6%. Eles não vêm por transferência, como ocorre com o IPI e ICMS, que possuem mais compromisso com a razão.

NOTA: Consulte Irregularidades no documento fiscal e aproveitamento de créditos do PIS e da COFINS

Seria possível escrever um livro com todas as situações ilógicas de PIS e Cofins, mas meu objetivo aqui era apenas apresentar o quanto essa forma de pensar, tão preciosa para os vulcanos, pode ser prejudicial às contribuições.

Os amantes de Star Trek vão se lembrar que diariamente os vulcanos passam por um ritual de meditação, para não sofrerem da síndrome Bendii, que colocaria em risco a sua lógica. Para enfrentar a não cumulatividade das contribuições, no entanto, Spock deveria passar por um ritual inverso. Precisaria ser mais humano e deixar de lado seu grande dilema de evitar as emoções. E haja emoções, nesta “vida longa e próspera” que desejo a vocês!

Como Spock aproveitaria créditos de PIS e Cofins?