ICMS – O imposto “Esquisito”

Por Nadja Carvalho Barreto

Gerente de Conteúdo da Systax.

Publicado em 13/05/2019

Acompanhe o Boletim:

1. Introdução

 

A premissa para aqueles que operam nas áreas fiscal ou tributária é que a Constituição Federal estabelece competência aos Estados e ao do Distrito Federal para a instituição do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS), desde que obedecidos os preceitos determinados na Lei Complementar nº 87/96.

Mas, essa competência “vigiada” abre espaço para que cada um dos 27 entes tributantes adotem comportamentos conflitantes ou no mínimo “esquisitos”.

Alguns instituem benefícios fiscais sem que haja concordância dos demais por meio de Convênio conforme determina a Lei Complementar nº 24/75. Isso leva outras unidades da Federação a instituir outros benefícios fiscais no mesmo sentido, instaurando assim a chamada guerra fiscal, guerra essa que se tentou barrar por meio de outra Lei Complementar de nº 160/2017, cujos procedimentos foram regulados pelo Convênio ICMS nº 190/2017.

Mas o que mais chama a atenção são os procedimentos esquisitos que podemos verificar na legislação do ICMS, e que muitas vezes levam a entendimentos e comportamentos inadequados pelos contribuintes.

2. Esquisitices

A adoção de procedimentos ou condutas estranhas dos Estados e do Distrito Federal tem por base a tentativa de controle da arrecadação que pode variar entre aumento ou diminuição de carga tributária. E isso não teria problema se não fosse a falta de critérios lógicos e consequentemente legais.

A aplicação da norma não se resume apenas ao texto legal, mas muitas vezes ao conceito do tratamento tributário, ou seja, a intenção do tratamento tributário desde que dentro dos parâmetros legais.

É o caso, por exemplo, do regime de substituição tributária para frente, a legislação não precisa dizer que não se aplica a substituição tributária quando o responsável tributário der a saída diretamente a consumidor ou usuário final. Isso por uma razão muito simples: a substituição tributária consiste na retenção e recolhimento do imposto devido pelas operações subsequentes com a mesma mercadoria até a sua chegada ao consumidor final, portanto, sua aplicação consiste na presunção de que o adquirente efetuará uma saída subsequente da mercadoria adquirida, e isso não é o caso daquela mercadoria adquirida para uso final.

A aplicação da norma também depende da interpretação que se dá ao seu texto, e isso também gera conflito ou enganos até por aqueles que operam constantemente com o imposto. Não é difícil encontrarmos empresas com problemas nas fiscalizações de fronteira por divergência de entendimento na tributação da operação, e não é rara a interpretação equivocada dos próprios fiscais.

A seguir veremos alguns exemplos do que podemos chamar de “esquisito” na legislação do ICMS.

2.1. Seletividade do imposto

O ICMS é um imposto que, pode ser seletivo e deve ser não cumulativo. Até aqui é tudo muito simples, ele pode ser seletivo em razão da essencialidade do produto e é não cumulativo na medida em que é permitida a compensação do imposto pago na operação anterior com o devido por ocasião da saída. Tudo certo? Não, na verdade tem algo esquisito aqui.

Vamos analisar a seletividade do ICMS. Por meio desse princípio temos que quanto mais essencial o produto ou serviço, menor deve ser a sua alíquota. Por essa linha de raciocínio, como explicar a tributação da energia elétrica e do serviço de comunicação pela alíquota média de 25%? Não vivemos sem energia elétrica e muito menos sem o serviço de comunicação, nada funciona sem eles, são tão essenciais quanto a água que bebemos. Muito esquisito!

2.2. Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza

O Fundo de Combate a Erradicação da Pobreza foi instituído por meio da Emenda Constitucional nº 31/2000.

A ideia inicial era a instituição de um fundo cuja arrecadação seria destinada ao combate à pobreza e sua cobrança se daria pelo adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do ICMS sobre os produtos e serviços supérfluos, cuja relação seria definida por lei federal.

Pois é, mas nunca houve a publicação de lei federal definindo quais produtos e serviços seriam considerados supérfluos e isso abriu oportunidade para que os estados criassem a cobrança do fundo sobre produtos essenciais e ainda com percentual maior do que 2%, Rio de Janeiro foi um deles.

Até que surgiu a Emenda Constitucional nº 42/2003 que retirou a obrigatoriedade de definição dos produtos supérfluos por lei federal, e tratou também de convalidar os procedimentos adotados pelos estados que estivessem divergentes.

Então vamos pensar! Alguém consegue se imaginar sem comunicação? Mas, existe estado cobrando o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza sobre serviço de comunicação, serviço este que jamais foi ou será considerado supérfluo, dá para entender?

Outra observação é em relação aos diferentes nomes dados pelas unidades da Federação ao referido fundo, como exemplo temos:

a. São Paulo: Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza – FECOEP;
b. Sergipe: Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza – FUNPOBREZA;
c. Rio Grande do Sul: Fundo de Proteção e Amparo Social do Estado do Rio Grande do Sul – Ampara/RS;
d. Pernambuco: Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza – FECEP;
e. Goiás: Adicional de Alíquotas do Fundo de Proteção Social do Estado de Goiás (PROTEGE Goiás).

2.3 – Cesta básica no Estado de Pernambuco

O Estado de Pernambuco, por exemplo, imagina que seus contribuintes sejam “adivinhões”. Interpretar o Decreto nº 26.145/03 que consolida a legislação que dispõe sobre o sistema especial de tributação relativo a produtos considerados componentes da cesta básica de fato é algo que conta muito com a intuição de quem o interpreta.

Vejamos uma das situações definidas pelo referido decreto, cuja “explicação” consta em roteiro fornecido pela própria SEFAZ disponível em seu site:

“O estabelecimento industrial ou produtor, quando realizar saída de produto integrante da cesta básica para estabelecimento comercial, dentro do Estado, deverá recolher, além do ICMS de responsabilidade direta, relativo à saída que promover, o imposto antecipado, de responsabilidade indireta, devido nas subsequentes saídas internas, a ser retido do comerciante”.

Como imposto de responsabilidade direta entenda-se o relativo à operação própria do remetente e como imposto de responsabilidade indireta o devido pelas operações subsequentes realizadas pelos demais comerciantes.

Mas a “esquisitice” ainda não é essa. Ocorre que a base de cálculo da operação própria (de responsabilidade direta) é reduzida de forma que a carga tributária resulte no percentual de 7%. Já o imposto de responsabilidade indireta terá a base de cálculo reduzida de forma que a carga tributária resulte no percentual de 2,5%. Todavia em ambos os casos o percentual deverá ser aplicado sobre o maior valor entre o valor da operação e o definido em pauta fiscal.

Mais esquisito ainda é tentar entender o disposto no art. 8º do mesmo Decreto que trata do crédito presumido:

“Art. 8º Relativamente aos produtos referidos no Anexo Único, industrializados ou não, sempre que, na saída interna do estabelecimento adquirente, o imposto deva ser calculado de forma diversa daquela prevista nos artigos anteriores, será observado o seguinte”.

Mas o que significa “sempre que, na saída interna do estabelecimento adquirente, o imposto deva ser calculado de forma diversa daquela prevista nos artigos anteriores”?

Tentei imaginar o que isso queria dizer e só encontrei algo que pudesse esclarecer o seu significado no item 6.1 do roteiro elaborado pela própria SEFAZ. Nele pude entender que o que o legislador queria dizer é que se o contribuinte comprar produto da cesta básica para utilizar em processo de industrialização que resulte em produto diverso daqueles definidos como de cesta básica terá que tributar normalmente a operação, porém terá direito a um crédito presumido. O mesmo acontece com um restaurante que adquirir produtos da cesta básica para o preparo de refeições, visto a saída subsequente ser de produto diverso, ou seja, de refeição e não de produto da cesta básica.

Agora vejam só: é fácil chegar a essa conclusão somente com a leitura do art. 8º?

2.4. Regime de Estimativa Simplificado no Estado do Mato Grosso

Outro tratamento tributário “esquisito” é o Regime de Estimativa Simplificado adotado pelo Estado do Mato Grosso. Esse regime estabelece o recolhimento do ICMS por uma carga tributária média que está vinculada ao CNAE do estabelecimento obrigando inclusive os contribuintes de outras unidades da Federação a calcular o imposto devido por substituição tributária de acordo com suas normas internas, desprezando os percentuais de MVA estabelecidos em acordos interestaduais (Convênios ou Protocolos).

3. Conclusão

A legislação do ICMS é demasiadamente complexa levando o contribuinte a adoção de procedimentos inadequados gerando encargos em razão de multas por auto de infração.

O legislador tem total parcela de culpa na medida em que cria normas cujo texto é de difícil interpretação até para os profissionais do direito.

Não bastasse isso, a norma muitas vezes não respeita o que determina a Lei Complementar 87/96, muito menos a nº 24/75 e cria procedimentos e condutas estranhas à legislação tributária.

Esquisito é termos em um único imposto, tratamentos inexplicavelmente sem sentido.

ICMS – O imposto “Esquisito”