Trilogia: créditos de PIS e Cofins sobre fretes – Parte 1 (compras)

Por Fabio Rodrigues de Oliveira
Co-Founder da Busca.Legal

 Publicado em 26/03/2019

Introdução

Neste primeiro artigo, que compõe uma trilogia sobre o aproveitamento de créditos de PIS e COFINS em relação a fretes, analisaremos os gastos com serviços de transporte ligados a operações de compras. O próximo texto abordará os fretes nas vendas e o último enfrentará os demais casos polêmicos, como as transferências de mercadorias e insumos.

 

 

1. O que diz a Lei?

Antes, no entanto, de entrar no mérito da Lei, é importante destacar que há duas grandes correntes de interpretação da não cumulatividade do PIS e da COFINS. A primeira, chamada corrente constitucionalista, defende que todas as despesas necessárias à geração das receitas deveriam permitir o aproveitamento de créditos. Já a segunda corrente, denominada legalista, entende que é possível aproveitar créditos somente daquilo que está previsto na legislação.

A solução deste problema terá que ser resolvida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que inclusive já reconheceu Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo nº 790.928. E enquanto não temos a conclusão deste julgamento, os tribunais vêm adotando uma postura mais legalista, uma vez que as decisões sempre se baseiam em uma das hipóteses de crédito previstas nas Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003.

Vamos iniciar nossa análise, portanto, verificando as possibilidades de créditos contidas na legislação. Neste sentido, em relação aos fretes, o que temos de previsão específica é a possibilidade de desconto de crédito em relação ao “frete na operação de venda”. Não há um item específico sobre créditos nas compras.

Todavia, é preciso lembrar que o custo de aquisição de um produto não é somente o seu próprio valor, mas a soma deste com todos os demais gastos para tê-lo. É o que prevê, inclusive, o Pronunciamento Técnico CPC nº 16 (R1), quando menciona que “o valor de custo do estoque deve incluir todos os custos de aquisição e de transformação, bem como outros custos incorridos para trazer os estoques à sua condição e localização atuais”.

Dessa forma, é possível aproveitar créditos sobre os fretes na aquisição de mercadorias para revenda ou de insumos para produção com base nos próprios dispositivos que preveem esses créditos (art. 3º, I e II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003).

 

2. E a Receita Federal?

Ela segue esse mesmo raciocínio! A Solução de Consulta Cosit nº 390/2017, por exemplo, destaca que não há previsão legal específica para esse crédito, mas que, em regra, esses gastos integram o custo do bem. Mas é preciso observar suas condições:

a) quando permitido o creditamento em relação ao bem adquirido, o custo de seu transporte, incluído no seu valor de aquisição, servirá, indiretamente, de base de apuração do valor do crédito; b) quando vedado o creditamento em relação ao bem adquirido, também não haverá, sequer indiretamente, tal direito em relação aos dispêndios com seu transporte”.

Portanto, para a Receita Federal, o aproveitamento de créditos na aquisição de bens depende da avaliação da possibilidade de aproveitamento de crédito da mercadoria. E essa dependência do crédito sobre frete ao bem não se aplica apenas à aquisição para revenda. A Solução de Consulta Cosit nº 99001/2017 destaca que:

não há possibilidade de creditamento, na modalidade aquisição de insumos, em relação aos dispêndios com serviços de transporte suportados pelo adquirente na aquisição de matéria-prima. Tais dispêndios, em regra, devem ser apropriados ao custo de aquisição dos bens e a possibilidade de creditamento deve ser analisada em relação aos bens adquiridos, e não em relação ao serviço de transporte isoladamente considerado.

2.1 Produtos sujeitos à incidência monofásica ou contemplados por benefícios fiscais

Considerando o que já foi exposto, a Solução de Consulta Cosit nº 327/2017, estabelece que são vedados o aproveitamento e a utilização de créditos em relação a gastos com frete na aquisição para revenda de produtos sujeitos à incidência monofásica, uma vez que neste caso não há possibilidade de aproveitamento de crédito em relação ao bem.

O mesmo diz a Solução de Consulta Cosit nº 292/2017, ao vedar o crédito de frete na aquisição de bem beneficiado com suspensão das contribuições. Ou seja, o crédito sobre frete na aquisição não teria vida própria. Ele é um acessório que depende da possibilidade de aproveitamento de crédito do principal (mercadoria ou insumo).

 

2.2 Restrições na aquisição de bebidas frias

E esse entendimento geral do fisco ainda tem restrições em relação às chamadas bebidas frias, que contemplam, dentre outros, cervejas e refrigerantes. Por entender que esses produtos estão sujeitos a regras especiais que prevalecem às Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, a Solução de Consulta Cosit nº 252/2018 determina que neste caso o frete da aquisição somente permitirá a apuração de créditos “se estiver incluído na base de cálculo da mencionada contribuição apurada pela pessoa jurídica vendedora e destacado na nota fiscal respectiva”.

 

2.3 Frete na importação

O frete na importação, que compõe contabilmente o custo do bem, também depende de regras especiais conforme entendimento da Receita Federal expressado na Solução de Consulta Cosit nº 350/2017.

Basicamente, somente será possível o aproveitamento do crédito sobre frete quando o mesmo integrar o valor aduaneiro do bem, o que ocorre com os serviços de transporte “desde o estrangeiro até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado (transporte internacional)”. E, ainda, desde que o bem permita o aproveitamento de crédito.

Já os “dispêndios da pessoa jurídica importadora com serviços de transporte (frete) da mercadoria importada desde o local alfandegado até o local de entrega da mercadoria no território nacional (transporte nacional)”, por não estarem incluídos no valor aduaneiro da mercadoria, não compõem a base de cálculo dos créditos sobre esses bens. Na mesma linha a Solução de Consulta Cosit nº 121/2017.

 

3. E o CARF?

Já conhecemos a visão do Fisco em relação ao frete nas compras. E como o CARF tem enfrentado esta questão? Lembrando que este é um órgão administrativo de julgamento, que é acionado quando o contribuinte discorda da Receita Federal. As decisões que analisaremos a seguir não possuem efeito vinculante, ou seja, não são garantia que outro contribuinte, ainda que na mesma situação, tenham uma decisão idêntica. De qualquer forma, são precedentes e podem ser usados pela empresa para definir os riscos e as estratégias a seguir.

 

3.1 Dependência do frete ao produto

No Acórdão 3301005.016, da 3ª Câmara da 1ª Turma Ordinária, encontramos que “não há previsão legal para aproveitamento dos créditos sobre os serviços de fretes utilizados na aquisição de insumos não onerados pelas contribuições ao PIS e a Cofins”. Esta decisão, de 28/08/2018, segue o entendimento do fisco quanto à dependência do frete à possibilidade de aproveitamento de crédito do produto.

Na mesma linha restritiva podemos citar o Acórdão 3003-000.101, de 23/01/2019, da Turma Extraordinária da 3ª Turma, e o Acórdão 9303-007.781, de 11/12/2018, da 3ª Turma da CSRF, sendo este último de grande relevância, por ser da Câmara Superior.

Mas cabe observar que também encontramos decisões favoráveis ao contribuinte, a exemplo do Acórdão 3302­005.812, de 24/09/2018, da 3ª Câmara da 2ª Turma Ordinária, no qual consta que “os fretes pagos na aquisição de insumos integram o custo dos referidos insumos e são apropriáveis no regime da não cumulatividade do PIS e da COFINS, ainda que o insumo adquirido não tenha sido onerado pelas contribuições”.

Na mesma linha, o recente Acórdão nº3402-006.999, da 4ª Câmara da 2ª Turma Ordinária, de 25/09/2019, ao prever que “os custos com fretes sobre a aquisição de produtos tributados à alíquota zero, geram direito a crédito das contribuições para o PIS e a COFINS não cumulativos”.

 

3.2 Frete na importação

Quanto ao frete da importação, há precedentes desfavoráveis ao contribuinte no CARF. O Acórdão 3302-005.190, da 3ª Câmara da 2ª Turma Ordinária, prevê que “os gastos com serviços de logística e operação portuária realizados no País, vinculados à operação de importação de insumos, por falta de previsão legal, não asseguram apropriação de créditos das referidas contribuições”.

O mesmo prevê o Acórdão 3302-004.330, da 3ª Câmara da 2ª Turma Ordinária, ao decidir que:

Os gastos com frete interno relativos ao transporte de bens destinados à revenda ou utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, ainda que pagos a pessoa jurídica domiciliada no País, não geram direito a crédito da Cofins e da Contribuição para o PIS/Pasep, pois sobre tais gastos não há pagamento da Cofins-Importação e da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação, por não integrarem a base de cálculo destas contribuições, nem se enquadrarem nas demais hipóteses de dedução de crédito previstas nos incisos III a XI do art. 3º da 10.637/2002.

Conclusões

Como pudemos observar, em relação aos fretes nas compras, não há previsão específica de créditos. Todavia, como é um componente do custo de aquisição do produto, é possível seu aproveitamento com base no mesmo dispositivo legal que permite o crédito em relação a bens para revenda ou insumos (incisos I ou II do art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003).

E como o frete na compra seria um acessório do produto, seu aproveitamento depende da possibilidade de crédito do principal. Pelo menos é esse o entendimento da Receita Federal e o que tem prevalecido no CARF, apesar de encontrarmos decisões em sentido contrário.

Em resumo, portanto, sabemos qual é a posição do Fisco. A empresa, caso queira seguir caminho diferente, deverá gerenciar o risco fiscal, uma vez que ainda não temos uma jurisprudência consolidada nos tribunais sobre os fretes nas compras de produtos não onerados pelas contribuições.

 

Trilogia: créditos de PIS e Cofins sobre fretes – Parte 1 (compras)