LEI Nº 14.430, DE 3 DE AGOSTO DE 2022
Dispõe sobre a emissão de Letra de Risco de Seguro (LRS) por Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE), sobre as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de Certificados de Recebíveis e sobre a flexibilização do requisito de instituição financeira para a prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários; altera as Leis nºs 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 6.385, de 7 de dezembro de 1976, 9.718, de 27 de novembro de 1998, 4.594, de 29 de dezembro de 1964, e o Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; e revoga dispositivos das Leis nºs 9.514, de 20 de novembro de 1997, 10.931, de 2 de agosto de 2004, 11.076, de 30 de dezembro de 2004, 12.810, de 15 de maio de 2013, 13.331, de 1º de setembro de 2016, e 13.986, de 7 de abril de 2020.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DO OBJETO
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre:
I - a emissão de Letra de Risco de Seguro (LRS) por Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE);
II - as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de Certificados de Recebíveis; e
III - a flexibilização do requisito de instituição financeira para a prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários.
CAPÍTULO II
DA EMISSÃO DE LETRA DE RISCO DE SEGURO POR SOCIEDADE
SEGURADORA DE PROPÓSITO ESPECÍFICO
Seção I
Disposições Gerais
Art. 2º A Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE) é a sociedade seguradora que tem como finalidade exclusiva realizar uma ou mais operações, independentes patrimonialmente, de aceitação de riscos de seguros, previdência complementar, saúde suplementar, resseguro ou retrocessão de uma ou mais contrapartes e seu financiamento por meio de emissão de Letra de Risco de Seguro (LRS), instrumento de dívida vinculada a riscos de seguros e resseguros.
§ 1º A SSPE captará para cada operação, por meio de emissão de LRS, recursos necessários como garantias a riscos de seguros, previdência complementar, saúde suplementar, resseguro ou retrocessão, denominados, para fins do disposto nesta Lei, riscos de seguros e resseguros.
§ 2º As garantias de que trata o § 1º deste artigo, em conjunto com o prêmio recebido, deverão corresponder, no mínimo, ao valor nominal total da perda máxima possível decorrente dos riscos de seguros e resseguros aceitos, acrescido de despesas que possam ser incorridas pela SSPE, e serão utilizadas exclusivamente para a cobertura dos riscos e o cumprimento das obrigações representadas na LRS emitida.
§ 3º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se contraparte a sociedade seguradora, o ressegurador, a entidade de previdência complementar, a operadora de saúde suplementar, ou a pessoa jurídica, de natureza pública ou privada, sediada ou não no País, que cede riscos de seguros e resseguros à SSPE, conforme critérios estabelecidos em regulamentação específica.
Art. 3º A SSPE somente poderá ceder riscos em resseguro ou em retrocessão nas hipóteses e nas condições estabelecidas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP).
Art. 4º Os contratos de cessão de riscos de seguros e resseguros à SSPE poderão utilizar, entre outros, critérios matemáticos objetivos baseados em índices ou parâmetros para a definição de valores garantidos e o acionamento de cobertura contratual.
Art. 5º A SSPE não responderá diretamente perante o segurado, o participante, o beneficiário ou o assistido pelo montante assumido quando a contraparte for sociedade seguradora, ressegurador, entidade de previdência complementar ou operadora de saúde suplementar, hipótese em que a contraparte ficará integralmente responsável pela indenização.
Parágrafo único. Na hipótese de insolvência, de decretação de liquidação ou de falência da contraparte de que trata ocaputdeste artigo, será permitido o pagamento direto ao segurado, ao participante, ao beneficiário ou ao assistido da parcela de indenização ou benefício correspondente à cessão do risco à SSPE, desde que o pagamento da parcela não tenha sido realizado pela contraparte ao segurado nem à própria contraparte.
Art. 6º Os investidores titulares da LRS não poderão requerer a falência ou a liquidação da SSPE.
Art. 7º Compete ao CNSP, além das demais competências previstas na legislação:
I - estabelecer as diretrizes e as normas referentes aos contratos e à aceitação, pela SSPE, dos riscos de seguros e resseguros, do seu financiamento por meio de emissão de LRS e das condições da emissão;
II - regulamentar limites e restrições, quando aplicáveis, nas operações de que trata esta Lei;
III - regulamentar os critérios previstos no § 3º do art. 2º desta Lei;
IV - estabelecer a forma e as condições para o registro e o depósito da LRS;
V - determinar as demonstrações financeiras a serem elaboradas pela SSPE, a sua periodicidade e a necessidade de auditoria efetuada por auditores independentes; e
VI - regulamentar os demais aspectos necessários à operacionalização do disposto nesta Lei.
Art. 8º A distribuição e a oferta pública da LRS observarão o disposto em regulamentação editada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Art. 9º Ato conjunto do CNSP e do Conselho Monetário Nacional (CMN) disciplinará a atuação, os requisitos, as atribuições e as responsabilidades do agente fiduciário nas operações de que trata esta Lei.
Art. 10. A SSPE será regulada também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras.
Art. 11. Para as SSPEs, as faixas de enquadramento e os respectivos valores constantes de tabela que determina o valor devido de taxa de fiscalização serão iguais aos aplicados às sociedades seguradoras que operam, exclusivamente, com seguros de danos, nos termos da legislação específica.
Parágrafo único. Para enquadramento nas faixas indicadas na legislação específica com valores de taxas de fiscalização constantes da legislação específica, serão considerados, somente, os valores totais de prêmios da SSPE.
Seção II
Da Letra de Risco de Seguro
Art. 12. A Letra de Risco de Seguro (LRS) é um título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro, vinculado a riscos de seguros e resseguros.
§ 1º A LRS é de emissão exclusiva da SSPE de que trata esta Lei.
§ 2º A LRS deve possuir relação paritária com os riscos aceitos pela SSPE, que devem ser, integralmente e no mesmo montante, cobertos pela LRS emitida.
§ 3º Os contratos de transferência de risco da contraparte para a SSPE, bem como a LRS, devem garantir que a transferência de risco seja efetiva em todas as circunstâncias e que a extensão dessa transferência esteja claramente definida e seja incontroversa.
§ 4º O CNSP poderá definir requisitos para que os contratos de transferência de risco da contraparte para a SSPE prevejam uma data-limite para que os riscos sejam considerados cobertos.
§ 5º Os direitos dos investidores titulares das LRS estão, em todos os momentos, subordinados às obrigações decorrentes do contrato de cessão de riscos à SSPE.
§ 6º A obrigação representada pela LRS extingue-se pela inexistência de riscos a decorrer, de sinistros a pagar e de recursos a serem devolvidos aos seus titulares.
Art. 13. A LRS deve conter, no mínimo, as seguintes informações:
I - nome e número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da SSPE emitente;
II - nome e número de inscrição no CNPJ da contraparte que cede os riscos de seguros e resseguros à SSPE emitente;
III - número de ordem, local, data de emissão e data do início da cobertura dos riscos de seguros e resseguros;
IV - data de vencimento e data de expiração da cobertura dos riscos de seguros e resseguros;
V - denominação "Letra de Risco de Seguro";
VI - tipo de cobertura e ramo;
VII - descrição dos riscos cedidos pela contraparte, inclusive quanto aos locais em que eles se encontram;
VIII - valor nominal emitido e valor da perda máxima;
IX - moeda do valor nominal emitido;
X - nome do titular;
XI - taxa de juros e datas de sua exigibilidade, admitida a capitalização;
XII - remuneração da operação a ser paga à SSPE;
XIII - descrição dos ativos que lastreiam a LRS;
XIV - identificação do contrato ou da escritura de emissão da LRS; e
XV - identificação do agente fiduciário, se houver.
Art. 14. A LRS será emitida exclusivamente sob a forma escritural, por meio de lançamento em sistema eletrônico da SSPE emissora.
§ 1º A SSPE emissora emitirá, mediante solicitação, certidão de inteiro teor do título.
§ 2º A certidão de que trata o § 1º deste artigo poderá ser emitida na forma eletrônica, observados os requisitos de segurança que garantam a autenticidade e a integridade do documento.
Art. 15. A LRS é título executivo extrajudicial e pode:
I - ser executada com base em certidão de inteiro teor emitida pela SSPE emissora; e
II - gerar valor de resgate inferior ao valor de sua emissão, em função da eventual ocorrência de eventos cobertos decorrentes dos riscos de seguros e resseguros aceitos ou por seus critérios de remuneração.
Seção III
Da Independência Patrimonial das Operações
Art. 16. Cada operação de aceitação de riscos de seguros e resseguros e consequente financiamento por meio da emissão de LRS terá independência patrimonial em relação:
I - às demais operações de que trata ocaputdeste artigo efetuadas pela mesma SSPE; e
II - à própria SSPE.
§ 1º A independência patrimonial de que trata ocaputdeste artigo abrange a identidade própria e individualizada nos aspectos regulamentares, cadastrais, atuariais, contábeis, de investimentos e obrigações e será operacionalizada por meio da inscrição de cada operação no CNPJ.
§ 2º O disposto neste artigo não confere personalidade jurídica às operações feitas pela SSPE.
§ 3º A eventual insolvência da SSPE não afetará em nenhuma hipótese os patrimônios independentes constituídos para cada operação, que continuarão afetados e vinculados às LRS.
§ 4º Os patrimônios independentes constituídos para cada operação não serão alcançados pelos efeitos da decretação de intervenção, de liquidação extrajudicial ou de falência da SSPE emissora e não integrarão a massa concursal.
§ 5º Os dispositivos desta Lei que estabelecem a afetação ou a separação, a qualquer título, de patrimônio da SSPE à emissão específica de LRS produzem efeitos em relação a quaisquer outros débitos da SSPE, inclusive de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista, em especial quanto às garantias e aos privilégios que lhes são atribuídos.
Art. 17. O patrimônio de cada operação de que trata ocaputdo art. 16 desta Lei incluirá a parcela do prêmio repassado pela contraparte não destinado à remuneração da SSPE e:
I - não poderá ser utilizado para o pagamento de obrigações relativas a outras operações da SSPE;
II - será destinado exclusivamente à liquidação das LRS a que estiver afetado e ao pagamento de sinistros, de custos de administração e de obrigações fiscais;
III - não responderá perante os credores da SSPE por qualquer obrigação;
IV - não será passível de constituição de garantias por quaisquer dos credores da SSPE, por mais privilegiados que sejam; e
V - somente responderá pelas obrigações inerentes às LRS a ele afetadas.
§ 1º A totalidade do patrimônio da SSPE responderá pelos prejuízos que esta causar por descumprimento de disposição legal ou regulamentar, por negligência ou por administração temerária ou, ainda, por desvio da finalidade do patrimônio separado.
§ 2º A realização dos direitos dos investidores titulares das LRS deverá limitar-se às garantias integrantes do patrimônio separado de cada operação.
§ 3º A realização dos direitos da contraparte de cada operação não ficará limitada às garantias integrantes do patrimônio separado da referida operação, hipótese em que o patrimônio da própria SSPE responderá de forma subsidiária.
CAPÍTULO III
DAS REGRAS GERAIS APLICÁVEIS À SECURITIZAÇÃO DE DIREITOS CREDITÓRIOS
E À EMISSÃO DE CERTIFICADOS DE RECEBÍVEIS
Seção I
Disposições Gerais
Art. 18. As companhias securitizadoras são instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações que têm por finalidade realizar operações de securitização.
Parágrafo único. É considerada operação de securitização a aquisição de direitos creditórios para lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários perante investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios e dos demais bens, direitos e garantias que o lastreiam.
Art. 19. Compete à CVM editar as normas sobre a emissão pública de Certificados de Recebíveis e outros valores mobiliários representativos de operações de securitização de tais direitos, incluídos:
I - o registro, a estrutura, o funcionamento e as atividades das companhias securitizadoras de direitos creditórios emissoras de valores mobiliários ofertados publicamente;
II - as características e o regime de prestação de informações associados aos Certificados de Recebíveis e aos demais valores mobiliários ofertados publicamente; e
III - as hipóteses de destituição e de substituição das companhias securitizadoras.
Parágrafo único. A CVM poderá dispensar as companhias securitizadoras registradas de aplicar disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, desde que a dispensa não represente prejuízo ao interesse público, à proteção do público investidor e à informação adequada ao mercado de valores mobiliários.
Seção II
Dos Certificados de Recebíveis
Art. 20. Os Certificados de Recebíveis são títulos de crédito nominativos, emitidos de forma escritural, de emissão exclusiva de companhia securitizadora, de livre negociação, constituem promessa de pagamento em dinheiro, preservada a possibilidade de dação em pagamento, e são títulos executivos extrajudiciais.
§ 1º Quando ofertados publicamente ou admitidos à negociação em mercado regulamentado de valores mobiliários, os Certificados de Recebíveis são considerados valores mobiliários.
§ 2º Os direitos creditórios que lastrearão os Certificados de Recebíveis serão previamente identificados, atenderão aos critérios de elegibilidade previstos no termo de securitização e deverão ser adquiridos até a data de integralização dos Certificados de Recebíveis.
Art. 21. Aos Certificados de Recebíveis aplica-se, no que couber, o disposto na legislação cambial.
§ 1º O Certificado de Recebíveis pode ser garantido por aval, hipótese em que é vedado o seu cancelamento ou a sua concessão parcial.