Resolução Gecex nº 420, de 24 de novembro de 2022
Prorroga direito antidumping definitivo, por um prazo de até cinco anos, aplicado às importações brasileiras de barras chatas de aço ligado, originárias da China.
O COMITÊ-EXECUTIVO DE GESTÃO DA CÂMARA DE COMÉRCIO EXTERIOR, no uso das atribuições que lhe confere o art. 7º, inciso VI, do Decreto nº 10.044, de 4 de outubro de 2019, e considerando as informações, as razões e os fundamentos presentes no Anexo Único da presente resolução, tendo em vista o deliberado em sua 200ª reunião ordinária, ocorrida no dia 23 de novembro de 2022, resolve:
Art. 1º Prorrogar a aplicação do direito antidumping definitivo, por um prazo de até cinco anos, aplicado às importações brasileiras de barras chatas de aço ligado, simplesmente laminadas, estiradas ou extrudadas, a quente, que não sejam de corte rápido nem de aços silício-manganês, de espessura igual ou superior a 4,5 mm, mas não superior a 60 mm, de largura igual ou superior a 50 mm, mas não superior a 150 mm, independentemente do tipo de canto (redondo, mola, quadrado etc.), comumente classificadas no subitem 7228.30.00 da Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM, originárias da China, a ser recolhido sob a forma de alíquota específica fixada em dólares estadunidenses por tonelada, no montante abaixo especificado:
Origem | Produtor/Exportador | Direito antidumping definitivo (em US$/t) |
China | Todos os produtores/exportadores chineses | 437,09 |
Art. 2º O disposto no art. 1º não se aplica às barras, ainda que de formato chato, formadas a partir de ligas referentes às normas abaixo mencionadas:
I - Normas SAE: 1000 a 1099, 1000A a 1099A; 1000X a 1099X, 1000HX a 1099HX, 1000L a 1099L, 10B00 a 10B99, 10L00 a 10L99; 1100 a 1199, 1100NB a 1199NB, 1200 a 1299, 12L00 a 12L99, 1300 a 1399; 1500 a 1599, 4100 a 4199, 41L00 a 41L99; 4300 a 4399, 8600 a 8699; 8600H a 8699H; 9200 a 9299;
II - Normas ABNT: 1000 a 1099, 1000A a 1099A; 1000X a 1099X, 1000HX a 1099HX, 1000L a 1099L, 10B00 a 10B99, 10L00 a 10L99; 1100 a 1199, 1100NB a 1199NB, 1200 a 1299, 12L00 a 12L99, 1300 a 1399; 1500 a 1599, 4100 a 4199, 41L00 a 41L99; 4300 a 4399, 8600 a 8699; 8600H a 8699H; 9200 a 9299;
III - Normas DIN: C00E a C99E; C00S a C99S; Ck00 a Ck99; Cq00 a Cq99; C00W a C99W; C00K a C99K; CF00 a CF99; 11SMnPb00 a 11SMnPb99; 15Cr00 a 15Cr99; 16MnCr00 a 16MnCr99; 16MnCrS00 a 16MnCrS99; 9SMn00 a 9SMn99; 11SMn00 a 11SMn99; 30MnVS00 a 30MnVS99; 34Cr00 a 34Cr99; 37Cr00 a 37Cr99; 92Mn00 a 92Mn99; 9200 a 9299; 100Cr6;
IV - Normas JIS: S00 a S99; S00C a S99C; S00CR a S99CR; S00B a S99B;
V - Normas BS: 00A00 a 99A99;
VI - Normas AFNOR: C00 a C99; X00 a X99; XC00 a XC99;
VII - Normas ACCIAIO: 100 a 199; ou
VIII - Normas COPANT: 10B00 a 10B99.
Art. 3º Tornar públicos os fatos que justificaram as decisões contidas nesta resolução, conforme consta do Anexo Único.
Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
MARCELO PACHECO DOS GUARANYS
Presidente do Comitê Substituto
ANEXO ÚNICO
O processo de revisão do direito antidumping aplicado às importações brasileiras de barras chatas de aço ligado, comumente classificadas no subitem 7228.30.00 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), originárias da China, foi conduzido em conformidade com o disposto no Decreto nº 8.058, de 26 de julho de 2013. Seguem informações detalhadas acerca das conclusões sobre as matérias de fato e de direito a respeito da decisão tomada. Os documentos relativos ao procedimento administrativo foram acostados nos autos eletrônicos dos Processos SEI/ME nº 19972.101584/2021-11 (restrito) e nº 19972.101585/2021-58 (confidencial).
1 DOS ANTECEDENTES
1.1 Da investigação original - China (2015/2016)
1. Em 21 de dezembro de 2015, ocorreu o início da investigação que deu origem à aplicação do direito antidumping às importações brasileiras de barras chatas de aço ligado, simplesmente laminadas, estiradas ou extrudadas, a quente, que não sejam de corte rápido e nem de aços silício-manganês, de espessura igual ou superior a 4,5 mm, mas não superior a 60 mm, de largura igual ou superior a 50 mm, mas não superior a 150 mm, independentemente do tipo de canto (redondo, mola, quadrado, etc.), doravante denominadas "barras chatas", originárias da China, por meio da publicação da Circular Secex nº 82, de 18 de dezembro de 2015, no Diário Oficial da União (DOU). Ainda, de acordo com a Circular Secex nº 35, de 8 de junho de 2016, não foram estabelecidos direitos provisórios, considerando a impossibilidade de se concluir, preliminarmente, pela existência de dano causado à indústria doméstica pelas importações investigadas.
2. Após a conclusão da investigação, o Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), consoante o disposto na Resolução Gecex nº 120, de 23 de novembro de 2016, aplicou direito antidumping definitivo sob a forma de alíquota específica fixada em US$ 495,73/t (quatrocentos e noventa e cinco dólares estadunidenses e setenta e três centavos por tonelada) sobre as importações brasileiras originárias da China, tendo por vigência o prazo de cinco anos.
Direito antidumping definitivo - Original | ||
País | Produtor/Exportador | Direito Antidumping (US$/tonelada) |
China | Tianjin Qiangbang Industrial Colt | 495,73 |
Jiangyin Xingcheng Special Steel Works Co. Ltd | ||
Daye Special Steel Co., Ltd. | ||
Circle Four Metal Materials Company Limited | ||
Shanghai East Steel Im. & Ex. Co., Ltd. | ||
Demais Produtores/Exportadores | ||
Fonte: Resolução Gecex nº 120, de 23 de novembro de 2016. Elaboração: SDCOM. |
2 DA PRESENTE PRIMEIRA REVISÃO - China (2021/2022)
2.1 Dos procedimentos prévios
3. Em 4 de dezembro de 2020, foi publicada a Circular Secex nº 80, de 3 de dezembro de 2020, dando conhecimento público de que o prazo de vigência do direito antidumping aplicado às importações brasileiras de barras chatas, comumente classificadas no subitem 7228.30.00 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), originárias da China, encerrar-se-ia no dia 28 de novembro de 2021.
4. Adicionalmente, foi informado que as partes interessadas em iniciar uma revisão deveriam protocolar petição de revisão de final de período até, no mínimo, quatro meses antes da data de término do período de vigência do direito antidumping, conforme previsto no art. 111 do Decreto nº 8.058, de 26 de julho de 2013, doravante também denominado Regulamento Brasileiro.
2.2 Da presente petição
5. Em 27 de julho de 2021, a Gerdau S/A protocolou, no Sistema DECOM Digital (SDD), petição de início de revisão de final de período com o fim de prorrogar o direito antidumping aplicado às importações brasileiras de barras chatas, originárias da China, consoante o disposto no art. 110 do Regulamento Brasileiro.
6. Por meio do Ofício nº 00.684/2021/CGSA/SDCOM/SECEX, enviado em 24 de agosto de 2021, a peticionária foi informada a respeito da publicação da Portaria SECEX nº 103, de 27 de julho de 2021, que regulamenta o processo administrativo eletrônico relativo aos processos de defesa comercial e às avaliações de interesse público. A partir de 1º de setembro de 2021, passou-se a utilizar o Sistema Eletrônico de Informações do Ministério da Economia - SEI/ME para tramitação dos processos citados. Assim, a Gerdau foi comunicada que os autos restrito e confidencial do Processo SECEX/SDD nº 52272.007175/2021-84 foram transferidos respectivamente para o Processo SEI/ME Restrito nº 19972.101584/2021-11 e para o Processo SEI/ME Confidencial nº 19972.101585/2021-58.
7. Em 27 de setembro de 2021, por meio dos Ofícios SEI nº 256971/2021/ME (versão restrita) e nº 256934/2021/ME (versão confidencial), solicitou-se à empresa Gerdau o fornecimento de informações complementares àquelas constantes da petição, com base no § 2º do art. 41 do Regulamento Brasileiro. A peticionária apresentou tempestivamente as informações complementares requeridas, no prazo prorrogado para resposta.
2.3 Do início da revisão
8. Tendo sido apresentados elementos suficientes que indicavam que a extinção do direito antidumping aplicado às importações mencionadas levaria muito provavelmente à continuação do dumping e a retomada do dano dele decorrente, foi elaborado o Parecer SEI nº 18485, de 24 de novembro de 2021, propondo o início da revisão do direito antidumping em vigor.
9. Com base no parecer supramencionado, por meio da Circular SECEX nº 79, de 25 de novembro de 2021, publicada no DOU de 26 de novembro de 2021, foi iniciada a revisão em tela. De acordo com o contido no § 2º do art. 112 do Decreto nº 8.058, de 2013, enquanto perdurar a revisão, o direito antidumping de que trata a Resolução CAMEX nº 120, de 23 de novembro de 2016, publicada no DOU de 28 de novembro de 2016, permanece em vigor.
2.4 Das notificações de início da revisão e da solicitação de informações às partes interessadas
10. De acordo com o § 2º do art. 45 do Decreto nº 8.058, de 2013, foram identificadas como partes interessadas, além da peticionária, os produtores/exportadores estrangeiros, os importadores brasileiros do produto objeto do direito antidumping e o governo da China.
11. Em atendimento ao estabelecido no art. 43 do Decreto nº 8.058, de 2013, foram identificados, por meio dos dados detalhados das importações brasileiras, fornecidos pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil - RFB, do Ministério da Economia, as empresas produtoras/exportadoras e importadoras do produto objeto do direito antidumping durante o período de revisão de continuação/retomada de dano.
12. Em atendimento ao disposto no art. 96 do Decreto nº 8.058, de 2013, todas as partes interessadas identificadas foram notificadas do início da revisão em 26 de novembro de 2021. Constou, das referidas notificações, o endereço eletrônico em que poderia ser obtida cópia da Circular SECEX nº 79, de 2021, que deu início à revisão.
13. Aos produtores/exportadores identificados e ao governo da China foi encaminhado o endereço eletrônico no qual pôde ser obtido o texto completo não confidencial da petição que deu origem à revisão, bem como suas informações complementares, mediante acesso por senha específica fornecida na própria notificação.
14. Ademais, conforme disposto no art. 50 do Decreto nº 8.058, de 2013, foram encaminhados aos produtores/exportadores e aos importadores, nas mesmas notificações, os endereços eletrônicos nos quais poderiam ser obtidos os respectivos questionários, com prazo de restituição de trinta dias, contado a partir da data de ciência, em conformidade com a nota de rodapé 15 do Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 constante da Ata Final que incorporou os resultados da Rodada Uruguai de Negociação Comerciais Multilaterais do GATT, promulgada pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Nos termos do § 3º do art. 45 do Regulamento Brasileiro, foi concedido o prazo de vinte dias, contado da data da publicação de início da revisão, para a apresentação de pedidos de habilitação de outras partes que se considerassem interessadas.
15. [RESTRITO]
2.5 Do recebimento das informações solicitadas
2.5.1 Da peticionária
16. A Gerdau apresentou as informações na petição de início da presente revisão, bem como na resposta ao pedido de informações complementares.
2.5.2 Do produtor nacional
17. Somente a empresa Arcelor Mittal Brasil S/A apresentou resposta ao questionário do produtor nacional, bem como ao respectivo pedido de informações complementares.
2.5.3 Dos importadores
18. O importador AESA Automolas Equipamentos Ltda. solicitou tempestivamente a prorrogação do prazo para resposta ao questionário do importador, porém não apresentou resposta no prazo estipulado. Não houve resposta dos demais importadores.
2.5.4 Dos produtores/exportadores
19. Não houve respostas de empresas da China ao questionário do produtor/exportador.
2.6 Da decisão final a respeito do terceiro país de economia de mercado
20. Por meio da Circular SECEX nº 19, de 13 de maio de 2022, publicada no DOU em 16 de maio de 2022, tornou-se pública a decisão final de considerar os Estados Unidos da América (EUA) como terceiro país de economia de mercado.
2.7 Das verificações in loco
2.7.1 Da verificação in loco na indústria doméstica
21. Tendo em vista as medidas de proteção contra o coronavírus (Covid-19) constantes da Instrução Normativa do Ministério da Economia nº 19, de 12 de março de 2020, publicada no DOU em 13 de março de 2020, não foi possível viabilizar a verificação in loco previamente ao início da presente revisão.
22. Não obstante, foi enviado o Ofício SEI nº 17683/2022/ME, de 21 de janeiro de 2022, solicitando anuência da Gerdau para realização dos procedimentos de verificação in loco.
23. Após recebimento da anuência da referida empresa, realizou-se verificação in loco nas instalações da Gerdau em São Paulo (SP), no período de 28 de março a 1º de abril de 2022, com objetivo de confirmar e obter mais detalhamento das informações prestadas pela empresa no curso da presente revisão.
24. Cumpriram-se os procedimentos previstos no roteiro de verificação, que fora encaminhado previamente à empresa, tendo sido verificados os dados apresentados na petição e na resposta ao pedido de informações complementares.
25. Foram consideradas válidas as informações fornecidas pela empresa, depois de realizadas as correções pertinentes. Os indicadores da indústria doméstica incorporam os resultados da verificação in loco. A versão restrita do relatório de verificação in loco consta dos autos restritos do processo e os documentos comprobatórios foram recebidos em bases confidenciais.
2.7.2 Da verificação in loco no outro produtor nacional
26. A empresa ArcelorMittal Brasil S/A (AMB) apresentou resposta ao questionário de outro produtor nacional. Assim, enviou-se o Ofício SEI nº 118607/2022/ME, de 25 de abril de 2022, solicitando anuência da referida empresa para a realização dos procedimentos de verificação in loco.
27. Após recebimento da anuência da referida empresa, em 2 de maio de 2022, realizou-se verificação in loco nas instalações da AMB em Belo Horizonte (MG), no período de 6 a 10 de junho de 2022, com objetivo de confirmar e obter mais detalhamento das informações prestadas pela empresa no questionário de outro produtor nacional e na reposta ao pedido de informações complementares encaminhado à AMB. A versão restrita do relatório de verificação in loco consta dos autos restritos do processo e os documentos comprobatórios foram recebidos em bases confidenciais.
28. Em 3 de agosto de 2022, enviou-se à AMB o Ofício SEI Nº 215655/2022/ME informando que diante das inconsistências constatadas no procedimento de verificação in loco, conforme detalhado no relatório de verificação in loco acostado aos autos em 7 de julho de 2022, especialmente no que tange ao universo de CODPRODs e CODIPs, bem como ao conjunto de faturas de venda, concluiu-se pela falta de acurácia e pela inadequação dos dados fornecidos pela empresa.
29. O referido ofício ainda destacou que, pela falta de confiabilidade suficiente para se alcançar uma determinação final de dano à indústria doméstica considerando os dados da AMB no âmbito do presente processo, uma vez que, conforme o disposto no art. 180 do Decreto nº 8.058, de 2013, a autoridade investigadora levará em conta, quando da elaboração de sua determinação, as informações verificáveis que tenham sido apresentadas tempestivamente e de forma adequada e, portanto, passíveis de utilização na revisão, os dados da AMB não seriam utilizados do conjunto de indicadores da análise de continuação/retomada do dano à indústria doméstica.
30. A SDCOM concedeu o prazo improrrogável até 08 de agosto de 2022 para que a AMB apresentasse novas explicações e comentários acerca do teor do ofício, contudo a empresa não apresentou manifestações.
2.8 Da transição dos procedimentos de Defesa Comercial do Sistema Decom Digital (SDD) para o Sistema Eletrônico de Informações do Ministério da Economia (SEI/ME)
31. Em 24 de maio de 2021, foi publicada a Circular SECEX nº 36, de 21 de maio de 2021, contendo consulta pública sobre o estudo de viabilidade que embasava a proposta de transição da condução dos processos de defesa comercial do Sistema Decom Digital (SDD) para o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e a minuta de Portaria SECEX para regulamentar a matéria. As contribuições da sociedade foram recebidas até 23 de junho de 2021.
32. Após análise das contribuições da sociedade advindas da consulta pública, em 28 de julho de 2021 foi publicada a Portaria SECEX nº 103, de 27 de julho de 2021, que regulamentou a matéria.
33. A Circular SECEX nº 52, de 02 de agosto de 2021, publicada no Diário Oficial da União de 03 de agosto de 2021, divulgou a primeira versão do Guia Interno e Externo do Processo Eletrônico no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) em processos administrativos de defesa comercial e interesse público, elaborado com o objetivo de orientar os usuários internos e externos sobre a transição para o Sistema Eletrônico de Informações dos processos que são conduzidos no Sistema Decom Digital, referentes a investigações de defesa comercial (dumping, subsídios e salvaguardas), bem como da unificação da condução processual do que já é conduzido no próprio SEI/ME, referente às investigações de interesse público.
34. Em 24 de agosto de 2021, quando ainda o processo estava em fase de petição, foi expedido o Ofício nº 00.684/2021/CGSA/SDCOM/SECEX notificando à peticionária acerca da transição e da legislação pertinente. A notificação também continha orientações procedimentais sobre a migração.
2.9 Da prorrogação da investigação e da divulgação dos prazos da revisão
35. Tendo em vista os prazos da revisão, houve a necessidade de prorrogar o processo em tela, por meio da Circular SECEX nº 19, de 13 de maio de 2022, publicada no DOU em 16 de maio de 2022.
36. Na ocasião, a SECEX também tornou públicos os prazos que serviriam de parâmetro para o restante da revisão, conforme arts. 59 a 63 do Decreto nº 8.058, de 2013, detalhados a seguir:
Disposição legal Decreto nº 8.058, de 2013 | Prazos | Datas previstas |
Art. 59 | Encerramento da fase probatória revisão | 18 de julho de 2022 |
art. 60 | Encerramento da fase de manifestação sobre os dados e as informações constantes dos autos | 8 de agosto de 2022 |
art. 61 | Divulgação da nota técnica contendo os fatos essenciais que se encontram em análise e que serão considerados na determinação final | 8 de setembro de 2022 |
art. 62 | Encerramento do prazo para apresentação das manifestações finais pelas partes interessadas e encerramento da fase de instrução do processo | 28 de setembro de 2022 |
art. 63 | Expedição, pela SDCOM, do parecer de determinação final | 18 de outubro de 2022 |
37. Também foi dada publicidade à decisão de não iniciar avaliação de interesse público em relação à referida medida antidumping definitiva aplicada, considerando que não foram identificados elementos de interesse público suficientes, nos termos do art. 6º, caput e §§ 1º e 2º, da Portaria SECEX nº 13, de 29 janeiro de 2020.
38. Em 17 de maio de 2022, as partes interessadas foram notificadas da referida publicação mediante o Ofício Circular SEI nº 2053/2022/ME e Ofício SEI nº 145305/2022/ME.
2.10 Do encerramento da fase instrução
2.10.1 Do encerramento da fase probatória
39. Em conformidade com o disposto no caput do art. 59 do Decreto nº 8.058, de 2013, a fase probatória da investigação foi encerrada em 18 de julho de 2022.
2.10.2 Das manifestações sobre o processo
40. Em conformidade com o disposto no caput do art. 60 do Decreto nº 8.058, de 2013, a fase de manifestação sobre os dados e as informações constantes dos autos foi encerrada em 8 de agosto de 2022.
2.10.3 Da divulgação dos fatos essenciais sobre o julgamento
41. Com base no disposto no caput do art. 61 do Decreto nº 8.058, de 2013, foi disponibilizada às partes interessadas a Nota Técnica SDCOM SEI nº 40683/2022/ME, de 8 de setembro de 2022, contendo os fatos essenciais sob julgamento que embasariam esta determinação final, conforme o art. 63 do mesmo Decreto.
2.10.4 Das manifestações finais
42. De acordo com o estabelecido no parágrafo único do art. 62 do Decreto nº 8.058, de 2013, encerrou-se o prazo para manifestações finais no dia 28 de setembro de 2022, portanto, 20 dias após a expedição da Nota Técnica de fatos essenciais.
3 DO PRODUTO E DA SIMILARIDADE
3.1 Do produto objeto do direito antidumping
43. O produto objeto da revisão são as barras chatas de aço ligado, simplesmente laminadas, estiradas ou extrudadas, a quente, que não sejam de corte rápido nem de aços silício-manganês, de espessura igual ou superior a 4,5mm, mas não superior a 60 mm, de largura igual ou superior a 50 mm, mas não superior a 150 mm, independentemente do tipo de canto (redondo, mola, quadrado etc.), exportadas da China para o Brasil.
44. As ligas de aço do produto objeto da revisão usualmente seguem as normas especificadas abaixo:
- normas SAE de 5140 a 5170; de 51B40 a 51B70; 5140H a 5170H; 6140 a 6170; 61B40 a 61B70; 6140H a 6170H; e 6140+Nb a 6170+Nb;
- normas DIN 41Cr4, 50CrV4, 50CrMoV4, 52CrMoV4, 52CrV4, 54CrV4, 58CrV4, 58CrMoV4; 51CrV4; 55Cr3; ST62;
- normas JIS SCr4, SUP9, SUP9A, SUP10, SUP11;
- normas AFINOR 42C4, 50CV4, 55C3;
- normas BS 530M00 a 530M99; 527A00 a 527A99; e 735A00 a 735A99.
45. A definição dos limites mínimos e máximos de espessura e de largura do produto objeto da revisão baseou-se nas características requeridas para sua utilização, tendo em vista que barras chatas de dimensões superiores àquelas do produto objeto da revisão apresentam aplicações distintas.
46. As barras chatas de aço ligado apresentam-se em forma de barras laminadas nas formas conhecidas como chatas ou retangulares, cujas formas dos cantos poderiam ser quadradas (forma de retas simples), circulares com raio uniforme (chamados de cantos redondos), circular com raios variáveis (chamados cantos mola), e com combinações dos cantos anteriores (chamados de cantos especiais).
47. Conforme informações constantes da petição, as barras simplesmente laminadas são aquelas obtidas por processo de laminação, em que passam por equipamentos constituídos por cilindros de laminação (laminador) para tomar sua forma final. Já as barras estiradas ou extrudadas são produtos que, partindo da forma de tarugos, tomariam sua forma final quando da passagem por um molde ou matriz, constituindo a principal diferença entre elas a forma de introdução nesses moldes: as barras estiradas são puxadas através desses moldes, ao passo que as barras extrudadas são empurradas através deles.
48. As barras chatas de aço ligado investigadas são utilizadas na produção de molas e feixes de molas para caminhões, ônibus, tratores, implementos rodoviários, veículos comerciais leves e utilitários, e similares do segmento automotivo. O produto pode estar sujeito a diversas normas técnicas relativas às ligas que o compõem, no entanto, a utilização destas normas não é de caráter obrigatório. Cumpre destacar, contudo, que, segundo informado pela peticionária, o padrão na comercialização do produto é a conformação às normas e especificações técnicas, de acordo com as exigências dos consumidores e que deverão ser seguidas pelos fornecedores. Adicionalmente, quando se trata da comercialização do produto para as montadoras do setor automotivo, os fornecedores estão sujeitos à homologação dos seus produtos.
49. As barras chatas de aço ligado não são produtos homogêneos, variando em termos de composição de ligas e de suas dimensões. Nesse sentido, estão excluídas do escopo da definição do produto objeto da revisão as barras de formato não chato, como, por exemplo, as barras circulares, sextavadas e quadradas.
50. Por fim, ainda conforme informações da peticionária, também não estão contidas no escopo da presente revisão, as barras, ainda que de formato chato, formadas a partir de ligas referentes às normas abaixo mencionadas:
- Normas SAE: 1000 a 1099, 1000A a 1099A; 1000X a 1099X, 1000HX a 1099HX, 1000L a 1099L, 10B00 a 10B99, 10L00 a 10L99; 1100 a 1199, 1100NB a 1199NB, 1200 a 1299, 12L00 a 12L99, 1300 a 1399; 1500 a 1599, 4100 a 4199, 41L00 a 41L99; 4300 a 4399, 8600 a 8699; 8600H a 8699H; 9200 a 9299;
- Normas ABNT: 1000 a 1099, 1000A a 1099A; 1000X a 1099X, 1000HX a 1099HX, 1000L a 1099L, 10B00 a 10B99, 10L00 a 10L99; 1100 a 1199, 1100NB a 1199NB, 1200 a 1299, 12L00 a 12L99, 1300 a 1399; 1500 a 1599, 4100 a 4199, 41L00 a 41L99; 4300 a 4399, 8600 a 8699; 8600H a 8699H; 9200 a 9299;
- Normas DIN: C00E a C99E; C00S a C99S; Ck00 a Ck99; Cq00 a Cq99; C00W a C99W; C00K a C99K; CF00 a CF99; 11SMnPb00 a 11SMnPb99; 15Cr00 a 15Cr99; 16MnCr00 a 16MnCr99; 16MnCrS00 a 16MnCrS99; 9SMn00 a 9SMn99; 11SMn00 a 11SMn99; 30MnVS00 a 30MnVS99; 34Cr00 a 34Cr99; 37Cr00 a 37Cr99; 92Mn00 a 92Mn99; 9200 a 9299; 100Cr6;
- Normas JIS: S00 a S99; S00C a S99C; S00CR a S99CR; S00B a S99B;
- Normas BS: 00A00 a 99A99;
- Normas AFNOR: C00 a C99; X00 a X99; XC00 a XC99;
- Normas ACCIAIO: 100 a 199;
- Normas COPANT: 10B00 a 10B99.
51. O produto objeto da revisão tem como matéria-prima principal a sucata metálica fundida em fornos elétricos ou de indução, além dos elementos de liga, como carbono, cromo, manganês, fósforo, enxofre, silício, cromo e, em alguns casos, boro ou molibdênio.
52. O processo produtivo do produto objeto da revisão, similar ao utilizado pelos demais produtores mundiais de barras chatas, começa com a produção do aço em forma líquida em aciaria por forno elétrico. Nesse processo são consumidos energia elétrica, gases inertes (por exemplo, o argônio), ferro gusa e minério de ferro como fundentes complementares, eletrodos de ferro para fundição do aço, termopares para medição de temperatura e materiais refratários para revestimento do forno elétrico.
53. Em seguida, o aço liquefeito é processado em lingotador contínuo, no qual o aço passa da forma líquida para a forma de lingotes sólidos - ou tarugos. Posteriormente, os lingotes são reaquecidos em fornos a gás e passam pelo processo de laminação, em que adquirem a forma de barras com espessuras e larguras próprias que definem o produto como barra chata, além das suas características mecânicas como dureza, limite de escoamento, resistência à torção e alongamento.
54. Após a laminação, os produtos passam, então, por inspeção de qualidade para averiguação da existência de possíveis defeitos superficiais e dimensionais. Findo o controle de qualidade, os produtos são expedidos para os clientes.
3.2 Do produto fabricado no Brasil
55. O produto fabricado no Brasil são as barras chatas de aço ligado, com características semelhantes às descritas no item 2.1. Segundo informações da petição, o produto similar e o produto objeto da revisão são substituíveis, pois são fabricados com as mesmas matérias-primas e por meio do mesmo processo produtivo, possuem características físicas e mecânicas similares, são comercializados nas mesmas faixas de dimensão e estão sujeitos às mesmas normas.
3.3 Da classificação e do tratamento tarifário
56. O produto objeto do direito antidumping é comumente classificado no subitem 7228.30.00 da NCM: outras barras, simplesmente laminadas, estiradas ou extrudadas, a quente. Nesse subitem, classificam-se também as barras laminadas de outras formas que não as chatas, tais como redondas, sextavadas e quadradas, além de barras fabricadas de outras ligas ou ainda com outras dimensões que não aquelas indicadas na descrição do produto objeto da revisão.
57. A alíquota do Imposto de Importação desse subitem tarifário manteve-se em 14% durante todo o período de análise de continuação ou retomada do dano.
58. Acrescenta-se que o Brasil possui os acordos de preferências tarifárias, exibidos na tabela a seguir, relativos ao supracitado código da NCM, que vigoraram durante o período de análise de continuação ou retomada de dano.
País beneficiado | Acordo | Preferência |
Argentina | ACE18 - Mercosul | 100% |
Bolívia | ACE36- Mercosul-Bolívia | 100% |
Chile | ACE35- Mercosul-Chile | 100% |
Colômbia | ACE72 - Mercosul - Colômbia | 100% |
Cuba | ACE62 - Cuba - Brasil | 100% |
Egito | Mercosul - Egito (em 01/09/2020) | 100% |
Equador | ACE59 - Mercosul - Equador | 100% |
México | APTR04 - México - Brasil | 20% |
Paraguai | ACE18 - Mercosul | 100% |
Peru | ACE58 - Mercosul - Peru | 100% |
Uruguai | ACE18 - Mercosul | 100% |
Venezuela | ACE69 - Mercosul - Venezuela | 100% |
Panamá | APTR04 - Panamá - Brasil | 28% |
Fonte: Siscomex Elaboração: SDCOM |
59. Em 29 de novembro de 2021, o Comitê-Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex) publicou a Resolução Gecex nº 272, de 19 de novembro de 2021, concedendo redução temporária das alíquotas do imposto de importação, para atenuar os efeitos dos choques de oferta causados pela pandemia e pela crise internacional na economia brasileira. No caso do código tarifário de barras chatas, houve redução de 14% para 12,6%.
60. A Resolução Gecex nº 353, de 23 de maio de 2022, prorrogou os efeitos da Resolução Gecex nº 272, de 2021, até 31 de dezembro de 2023 e estabeleceu redução adicional da alíquota do referido imposto. Para o código 7228.30.00 da NCM a alíquota foi reduzida de 12,6% para 11,2%.
61. Em sua 197ª reunião, em 17 de agosto de 2022, o Gecex aprovou a resolução para internalizar no ordenamento jurídico brasileiro a redução de 10% das alíquotas do Imposto de Importação da Tarifa Externa Comum (TEC), conforme a Decisão nº 08/22 do Conselho do Mercado Comum do Mercosul (CMC) de 20 de julho de 2022. Nesse sentido, para o código tarifário em questão, passou a vigorar a alíquota de 12,6% a título de imposto de importação de forma definitiva.
3.4 Da similaridade
62. O § 1º do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, estabelece lista dos critérios objetivos com base nos quais a similaridade deve ser avaliada. O § 2º do mesmo artigo estabelece que tais critérios não constituem lista exaustiva e que nenhum deles, isoladamente ou em conjunto, será necessariamente capaz de fornecer indicação decisiva.
63. Dessa forma, conforme informações obtidas na petição, o produto objeto da investigação e o produto similar produzido no Brasil:
- são produzidos a partir da mesma matéria-prima principal, qual seja, a sucata metálica fundida em fornos elétricos ou de indução, além dos mesmos elementos de liga, como carbono, cromo, manganês, fósforo, enxofre, silício, cromo e, em alguns casos, boro ou molibdênio, que variam conforme as propriedades químicas e mecânicas finais desejadas;
- apresentam composição química similar, as quais dependeriam da liga ou norma especificada pelo cliente. Dessa forma, os produtos apresentariam a composição química com as variações limites estabelecidas nas normas técnicas relacionadas ao produto, conforme indicação na petição;
- possuem as mesmas características físicas, uma vez que se apresentam em forma de barras laminadas, nas formas conhecidas como chatas ou retangulares;
- apresentam características mecânicas similares, como dureza, limite de escoamento, resistência à torção e alongamento;
- estão sujeitas a diversas normas técnicas relativas às ligas que compõem as barras chatas de aço ligado, no entanto, a utilização dessas normas não é de caráter obrigatório;
- apresentam o mesmo processo produtivo, seguindo a mesma rota tecnológica, isto é, a produção do aço em forma líquida em aciaria por forno elétrico, sendo em seguida, processado em lingotador contínuo, no qual o aço passaria da forma líquida para a forma de lingotes sólidos, sendo estes, posteriormente, reaquecidos em fornos a gás e, depois, laminados para formatação em barras com espessuras e larguras próprias;
- têm os mesmos usos e aplicações, apresentando como principal finalidade a produção de feixes de molas de sistemas de suspensão de veículos automotores de passeio e comerciais leves, caminhões, ônibus, tratores e implementos rodoviários;
- o produto objeto da investigação e o produto similar de fabricação nacional foram considerados concorrentes entre si, visto que são substituíveis por se destinarem aos mesmos segmentos comerciais, sendo, inclusive, adquiridos pelos mesmos clientes, conforme as informações da peticionária e as obtidas nos dados oficiais de importação fornecidos pela RFB; e
- são comercializados, predominantemente, pelos mesmos canais de distribuição, uma vez constatado que, segundo informações da peticionária e aquelas constantes nos dados oficiais de importação fornecidos pela RFB, as vendas são realizadas diretamente para o usuário produtor de feixes de molas de sistemas de suspensão de veículos automotores ou são realizadas para distribuidores que, posteriormente, revendem o produto para terceiros produtores de feixes de molas de sistemas de suspensão de veículos automotores.
64. Desta sorte, as informações apresentadas corroboram inicialmente as conclusões sobre similaridade alcançadas na investigação original. Assim, considerou-se que o produto fabricado no Brasil é similar ao importado da China, nos termos do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013.
4 DA INDÚSTRIA DOMÉSTICA
65. A indústria doméstica é definida no art. 34 do Decreto nº 8.058, de 2013, como sendo a totalidade dos produtores do produto similar doméstico. Nos casos em que não seja possível reunir a totalidade desses produtores, o termo indústria doméstica será definido como o conjunto de produtores cuja produção conjunta constitua proporção significativa da produção nacional total do produto similar doméstico.
66. A totalidade dos produtores nacionais do produto similar doméstico engloba, além da peticionária Gerdau, a empresa ArcelorMittal Brasil, conforme informação prestada pela peticionária e ratificada pelo Instituto Aço Brasil (IAB), por meio de correspondência datada de 21 de setembro de 2021, em resposta ao Ofício SEI nº 245072/2021/ME, de 15 de setembro de 2021. Além disso, o IAB ressaltou que as empresas Villares Metals e Simec, esta última não associada ao IAB, estariam aptas a produzir o produto similar doméstico.
67. Conforme detalhado no item 2.7.2 deste documento, os dados apresentados pela ArcelorMittal em resposta ao questionário do produtor nacional não puderam ser validados como evidenciado pelo Relatório de verificação in loco acostado aos autos em 7 de julho de 2022. Ademais, a Simec não atendeu às solicitações de informações da SDCOM. Nesse sentido, para fins de definição da totalidade da produção nacional do produto similar, recorreu-se à melhor informação disponível nos autos, qual seja, a apresentada pela peticionária a partir da "inteligência de mercado utilizada internamente pela" empresa.
68. Dessa forma, definiu-se, para fins de determinação final, como indústria doméstica a linha de produção de barras chatas de aço ligado da empresa Gerdau, que representou [RESTRITO] % da produção nacional do produto similar, em P5, considerando a estimativa apresentada pela própria peticionária. Ressalte-se que os dados de produção da Gerdau foram objeto de verificação in loco pela autoridade investigadora, pela qual se pôde atestar, para P5, a quantidade apresentada inicialmente em sede de petição de início.
5 DA CONTINUAÇÃO OU RETOMADA DO DUMPING
5.1 Da existência de dumping durante a vigência do direito
69. De acordo com o art. 7º do Decreto nº 8.058, de 2013, considera-se prática de dumping a introdução de um bem no mercado brasileiro, inclusive sob as modalidades de drawback, a um preço de exportação inferior ao valor normal.
70. De acordo com o art. 107 c/c o art. 103 do Decreto nº 8.058, de 2013, a determinação de que a extinção do direito levaria muito provavelmente à continuação ou à retomada do dumping deverá basear-se no exame objetivo de todos os fatores relevantes, incluindo a existência de dumping durante a vigência da medida (item 5.1); o desempenho do produtor ou exportador (item 5.2); alterações nas condições de mercado, tanto no país exportador quanto em outros países (item 5.3) e a aplicação de medidas de defesa comercial sobre o produto similar por outros países e a consequente possibilidade de desvio de comércio para o Brasil (item 5.4).
71. Utilizou-se o período de abril de 2020 a março de 2021 a fim de se verificar a probabilidade de continuação ou retomada da prática de dumping nas exportações para o Brasil de barras chatas de aço originárias da China.
72. Ressalte-se que não houve importações originárias da China entre abril de 2020 e março de 2021. Assim, verificou-se a probabilidade de retomada da prática de dumping com base, dentre outros fatores, na comparação entre o valor normal médio internado no mercado brasileiro e o preço médio de venda do produto similar doméstico no mesmo mercado, no período de análise de continuação/retomada de dumping, em atenção ao art. 107, §3º, I, do Decreto nº 8.058, de 2013.
5.1.1 Da comparação entre o valor normal internado no mercado brasileiro e o preço de venda do produto similar doméstico para fins de início
5.1.1.1 Do tratamento da China para apuração do valor normal para fins de início
5.1.1.1.1 Das manifestações da peticionária sobre o tratamento da China para apuração do valor normal na determinação de dumping para fins de início
73. A peticionária argumentou, em sede da petição, que a partir do estudo "China como Não-Economia de Mercado e a Indústria do Aço", de junho de 2018 (doravante denominado Relatório Final), encomendado pelo Instituto Aço Brasil, foram obtidas informações que comprovariam o entendimento de que não prevaleceriam condições de economia de mercado no segmento produtivo de aço na China.
74. Inicialmente, a peticionária ressaltou que, dentre as cinco empresas analisadas como estudos de casos apresentados no referido estudo, a empresa Baosteel, da qual faz parte a Baosteel Special Steel Co., Ltd., seria produtora de barras chatas de aço ligado objeto da presente revisão.
75. Conforme informado no documento em questão:
A siderurgia chinesa produziu 832 milhões de toneladas de aço bruto em 2017, correspondendo a 49,2% do total mundial. Ela possui um mix de produto bastante diversificado, compreendendo desde semiacabados até produtos siderúrgicos de maior valor agregado. Por exemplo, a participação desse país na fabricação global de aço inoxidável atingiu 53,6% em 2017. Nesse sentido, este relatório aborda a indústria siderúrgica chinesa na sua totalidade, cobrindo códigos alfandegários de 720610 até 730690 [...]
76. A peticionária ressaltou que se verificaria, portanto, que o citado estudo abrangeria a subposição tarifária 7228.30 do SH, na qual se classificam as barras chatas de aço ligado objeto da presente investigação.
77. Ressaltou ainda que o capítulo 3 do documento em questão apresentaria relevantes informações sobre a indústria chinesa do aço:
Um dos fatores que caracterizam se um determinado país é (ou não) uma economia de mercado diz respeito ao fato de a política industrial ser guiada por metas de desenvolvimento vinculadas à promoção de setores ou empresas específicas.
78. A Peticionária destacou ainda informações sobre a 11º Plano Quinquenal (2001-2010), tendo destacado que:
Para a indústria do aço, as principais orientações derivadas do 11º PQ podem ser resumidas em: a) crescimento moderado da produção; b) eliminação da capacidade defasada tecnologicamente; c) consolidação (maior concentração da estrutura de mercado); d) melhoria de eficiências ambiental e energética. [...].
79. Ademais, destacou que o documento abordaria ainda a "Política de Desenvolvimento da Indústria Siderúrgica da China", anunciada em julho de 2005, dentre as quais se destacariam: o estímulo para empresas fabricantes de aços ligados/especiais e o controle administrativo das licenças de produção, uma vez que "todos os investimentos em produção de aço deveriam ser aprovados pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma".
80. A peticionária apontou que, de acordo com o referido Relatório Final, a política poderia ser resumida como:
Como o objetivo de que a produção da indústria crescesse lentamente, mas com ganhos qualitativos, buscando melhorias substanciais em relação à estrutura do mercado (consolidação), estrutura produtiva (fabricação de produtos de maior valor agregado), eficiência (energética e ambiental), estrutura de comércio internacional (redução das exportações de insumos e produtos siderúrgicos de menor valor agregado), restrição ao recebimento de investimento direto estrangeiro (IDE) na siderurgia, mas com estímulo aos investimentos chineses no exterior visando ao controle dos insumos siderúrgicos.
81. Segundo a peticionária, após a deflagração da crise financeira que teria afetado fortemente o setor siderúrgico, em março de 2009, teria sido divulgado um novo plano pelo Escritório Geral do Conselho de Estado, denominado "Plano para o Ajuste e Revitalização da Indústria Siderúrgica" (PARIS).
82. O referido relatório final, destacaria, dentre outros, o excesso de capacidade instalada de produção de aço bruto, da ordem de 100 milhões de toneladas; a baixa capacitação para inovação; o insatisfatório mix de produtos; e o baixo controle sobre os insumos siderúrgicos (taxa de autossuficiência de minério de ferro inferior a 50%). Assim, teriam sido estabelecidas diversas metas: redução da produção de aço bruto; eliminação de equipamentos desatualizados; e concentração do mercado (as empresas a maiores empresas deveriam responder por 45% da produção nacional).
83. O Relatório Final, então, concluiria que o Segundo Plano constituiria uma atualização do primeiro e que ambos apresentariam, de forma explícita, o norteamento de uma "política industrial setorial que claramente influenciou as estratégias empresariais (das companhias estatais e privadas)".
84. A peticionária apontou ainda que, em março de 2011, teria sido aprovado, pelo Congresso Nacional do Povo, o 12º Plano Quinquenal (2011-2015), que teria reforçado as principais orientações do Plano anterior, apontando que a principal intenção do 12º Plano seriam fusões e aquisições em certos setores, dentre os quais o siderúrgico.
85. O documento em questão destacaria as principais conquistas da siderurgia chinesa, como, por exemplo, o crescimento da produção, a melhoria da qualidade dos produtos, o progresso em tecnologia, a melhoria do desempenho energético e ambiental, o ritmo acelerado de fusões e aquisições e novos passos para explicação da mineração de ferro. Uma das metas mais relevantes diz respeito ao aumento da concentração do mercado.
86. Em janeiro de 2013, o Ministério da Indústria e da Tecnologia de Informação, em conjunto com outras onze autoridades, publicaram a "Diretriz para a fusão e a reorganização de setores chave", com o principal objetivo de incentivar o processo de consolidação de diversos setores, dentre os quais, o siderúrgico:
No caso da siderurgia, recomendou-se a formação até 2015 de três a cinco empresas com influência internacional relativamente forte e de seis a sete empresas competitivas nos mercados regionais domésticos.
87. Essa Diretriz determinou o apoio significativo a ser concedido às siderúrgicas de grande porte para a fusão de usinas em todas as regiões. Além disso, as siderúrgicas também seriam incentivadas a aumentar o grau de integração vertical, ou seja, o controle das matérias-primas.
88. A peticionária mencionou o 13º Plano Quinquenal (2016-2020), que teria entre seus objetivos:
O 13º PQ determina que empresas de metais não ferrosos, aço e maquinaria pesada (e outras com demanda doméstica em declínio) devem encontrar mercados internacionais, o que requer um impulso de exportação no curso prazo. Embora o referido plano enfatize o risco sistemático apresentado por empresas 'zumbis' (companhias não lucrativas, que embora sejam incapazes de pagar dúvidas, continuam em operação e ajudam a perpetuar o excesso de capacidade setorial), não foram detalhados os procedimentos a serem utilizados no alívio financeiro das companhias. Na prática, como evidenciado pelos estudos de caso no Capítulo 4, essas empresas acabam sendo poupadas de falir por meio de reestruturação societária e financeira orientadas pelo governo.
89. De acordo com as principais diretrizes governamentais recentes, para a redução da capacidade instalada na siderurgia chinesa foram:
February 1, 2016: The State Council issued the Guidance for the Iron and Steel Industry to Reduce Excess Capacity and resolve Difficulties for Future Development. The Guidance set the target of cutting 100 million to 150 million tons of crude steel capacity over 2016-20, or an average of 20 million to 30 million tons per year over the next five years. It also strictly prohibits local governments and agencies from approving new projects that add capacities and demands that financial institutions not lend to firms that violate regulations. Eliminated capacities that had received subsidies and/or other forms of policy support cannot be used for replacement. (¼)
November 14, 2016: The Ministry of Industry and Information Technology (MIIT) issued the Iron and Steel Industry Adjustment and Upgrade Plan (2016-2020). The MIIT plan reviews achievements in cutting iron and steel capacity during the 12th five-year plan (2011-15) and sets targets for the 13th five-year plan (2016-20). Specifically, the plan sets the target of cutting crude steel capacity by a net of 100 million to 150 million tons over the next five years and raising the capacity utilization rate to 80 percent by 2020.
90. O Relatório Final destaca, ainda, a manutenção da meta sobre concentração de mercado siderúrgico, embora tenha perdido importância no 13º PQ:
For the share of China's 10 biggest steel producers to reach 60% of the country's total (compared to 35% in 2015), a series of mergers and acquisitions (M&As) is expected in the steel industry. For a start, Baoshan Iron & Steel has merged with Wuhan Iron & Steel, creating China's largest and the world's second-biggest steel mill in terms of combined crude steel production (61 million tonnes in 2015)'.
91. Neste caso, a peticionária apontou, nas informações complementares à petição, que a citada Baoshan figuraria na lista de produtores do produto objeto desta investigação. Ademais, os Planos Quinquenais foram seguidos de planos específicos para o setor siderúrgico, inclusive a nível provincial:
Nos 11º e 12º PQ, a questão mais importante era estimular o processo de consolidação da indústria. Na 13º PQ, a prioridade é a redução do excedente da capacidade instalada, sendo que a maior concentração de mercado passou a ser uma meta secundária. De todo modo, constata-se que as decisões quanto às F&As (fusões e aquisições) são fortemente determinadas por diretrizes governamentais ao invés de atender aos critérios estritos de decisões empresariais.
92. O Relatório Final ainda teria destacado a fusão entre a empresa TPCO e outras três empresas da cidade de Tianjin, que teria sido engendrada pelo governo chinês:
Em janeiro de 2010, a Comissão de Desenvolvimento e Reforma do governo de Tianjin aprovou a fusão das quatro maiores empresas da cidade: Tianjin Pipe Group (TPCO), Tianjin Iron and Steel Group (TianGang), Tianjin Tiantie Mettalurgical Group (TianTie) e Tianjin Mettalurgical Group. A aprovação deu início à criação do grupo Bohai Steel, indo ao encontro da diretriz para a indústria siderúrgica divulgada em março de 2009 [nota de rodapé omitida]. Não é demais enfatizar que estas são exatamente as quatro empresas que haviam sido citadas nominalmente no PARIS. O grupo formalmente iniciou as operações, em julho de 2010. Em 2014, a Bohai Steel entrou para a Fortunes 500, ocupando a 327ª posição e se tornando a 5ª maior companhia siderúrgica da China [nota de rodapé omitida].
Essa centralização da administração foi inserida no intuito de aumentar a eficiência administrativa e coordenar melhor a produção e inovação tecnológica, novamente, em total consonância com a diretriz (PARIS) emitida em 2009. O resultado, contudo, foi diferente do planejado. Em seis anos de operação, o passivo da Bohai Steel cresceu exponencialmente, sendo que a dívida total chegou a US$ 28,9 bilhões (CNY 192 bilhões), 154 em 2016. Com lucro de US$ 38 milhões e faturamento de US$ 37,9 bilhões em 2015155, o endividamento se tornou impagável.
O governo de Tianjin interveio novamente, mas dessa vez em sentido contrário e visando a administrar a dívida acumulada. Em abril de 2016, o grupo Bohai Steel foi desconstituído e as quatro empresas voltaram a ter operação independente. A dívida está sendo reestruturada, tendo sido criado um fundo especial para administração dos débitos, sendo que fundos de pensão do governo se tornaram investidores. O processo de reestruturação da dívida da Bohai Steel e de suas filiais, incluindo a TPCO, será abordado a diante.
93. O relatório indicado pela peticionária concluiu que:
Esses fatos evidenciam que a atuação da empresa está substancialmente subordinada aos interesses do governo. A interferência do Estado promoveu duas grandes mudanças societárias em seis anos, uma fusão, que foi seguida de sua cisão (o que também aconteceu com a Anshan e Benxi). Os objetivos da primeira eram claros e diretos, como explanados pela política industrial destinada à siderurgia em 2009 (PARIS). As consequências da segunda ainda são incertas, pois o passivo continua dependendo de um fundo separado, mas nenhuma das empresas foi liquidada. Percebe-se que os incentivos a essas mudanças arbitrárias na composição societária podem se distanciar do funcionamento normal do mercado, bem como funcionar como um mecanismo de evitar falências. A tomada de decisão está subordinada ao discernimento do Estado e do Partido sobre o que é benéfico, a invés de submeter às condições normais de mercado.
94. Na sequência, o Relatório Final trata da propriedade, demonstrando que o governo chinês controla ou detém a propriedade sobre meios de produção na indústria como um todo e, de forma contundente, no setor siderúrgico chinês:
De acordo com Ulrich et alii (2013), embora o processo de reforma das grandes EEs [empresas estatais] chinesas tenha sido iniciado no final da década de 1970, elas tornaram-se uma força mais proeminente na economia nos últimos anos, especialmente em importantes setores upstream, nos quais os grupos administrados pela State-owned Assets Supervision and Administration Comission of the State Council (SASAC) são dominantes.
A despeito da redução do número de EEs na economia chinesa, o fato é que segundo International Trade Administration (ITA) do Departamento de Comércio dos EUA (USDoC), a China ainda possui aproximadamente 150 mil EEs, das quais cerca de 50 mil (33%) são de propriedade do governo central e o restante é dos governos locais [nota de rodapé omitida].
O governo central controla diretamente e gerencia 102 EEs estratégicas por meio da SASAC, das quais 66 são listadas em Bolsa de Valores no país ou no exterior. As EEs, tanto centrais quanto locais, respondem por 30% a 40% do PIB e por cerca de 20% dos empregos na China.
95. Além disso, constaria do Relatório Final a indicação de que o Estado chinês deteria o controle de empresas, indicando os principais dirigentes. Como exemplo, teriam sido citados os casos da empresa Baosteel e da CITIC Pacific Special Steel, sendo que o vice-presidente desta última seria o "líder do Grupo de Inspeção e Supervisão de Disciplina do Grupo CITIC para a Comissão Central de Inspeção de Disciplina do Partido Comunista Chinês".
96. Uma diferença significativa entre o desempenho econômico-financeiro entre os dois tipos de empresa (estatais e privadas) é que as empresas estatais apresentam resultado inferior ao das empresas privadas. Além disso, as estatais:
[...] are more concentrated in highly cyclical heavy-industry sectors than private firms, so their profits are more driven by commodity-price swings. But a sector effect can't explain all the gap: SOEs [State-Owned Enterprises] did not outperform in the commodity-price upcycle, but have underperformed in the downcycle.
97. Na petição, houve ainda menção ao trecho do Relatório Final que cita estudo OCDE:
[a]o comparar o desempenho de EEs e de EPs na siderurgia mundial, o mesmo estudo conclui que: a) as EEs apresentam pior desempenho econômico e maior endividamento do que as EPs; b) as EEs auferem menores lucros por unidade de capacidade instalada do que as EPs; e c) as EEs estão investindo mais intensamente em capacidade do que as EPs, enquanto nos últimos dois anos o número de fechamento de EEs foi significativamente menor do que o das EP. Nesse sentido, são evidências convergentes com aquelas apresentadas por Batson (2017) para a comparação de desempenho entre EEs e EPs na China.
98. O Relatório Final registra, ainda, que há empresas siderúrgicas controladas pelo governo central e outras controladas por governos provinciais e municipais, sendo que as primeiras estão concentradas em produtos de maior valor agregado. Mesmo nas empresas privadas, há participação relevante do governo. De acordo com o Relatório Final, estudo de Price et alii (2010, p.8) observou que:
For example, the Shagang Group, the fifth largest steel producer in China, claims to be the country's largest privately owned steel producer. However, Chinese government ownership in the enterprise is significant. The firm was formed in 1975 as a village enterprise, and changed its name to Jiangsu Shagang Group in 1995. The firm's ownership status changed in 2001, during a period of asset-stripping management buyouts in the Chinese steel industry. Approximately 17 percent of the firm was purchased by the plant general manager and 25 percent of the firm was sold to the Jiangsu Province SASAC [Supervision and Administration Commission of the State Council]. An additional 23 percent went to the company's labor union, which is controlled by the Chinese Communist Party, and almost 35 percent went to the 'employees of Shagang.' (...) In short, even China's largest 'privately' owned producer is substantially state-owned, and appears to have received capital inflows from the state in the same year that its capacity doubled.
99. Conforme documento "Shagang_Group", não obstante em seu sítio eletrônico a Shagang afirme ser a maior empresa siderúrgica privada da China, a indicação de posições e honras do presidente indicam de forma clara sua relação com o governo chinês. Além disso, a própria empresa afirma:
In the future, Shagang Group will conscientiously implement the State policy concerning the steel industry development. With the guideline of the Scientific Concept of Development, Shagang would persistently follow the development strategy of "Doing the Steel Industry Finer and Stronger, Doing the Modern Logistics Stronger and More Excellent, Doing de Non- Steel Industry better and more sufficient". Shagang shall continuously speed up it pace of the transformation and upgrading, and constantly enhance its comprehensive competitiveness. Shagang Group will make new contributions in order to forge a 'Hundred-year Old Factory', construct a harmonious Jiangsu and build a powerful steel country.
100. Na sequência, o Relatório Final apresenta informações sobre outras siderúrgicas da província de Jiangsu, afirmando que:
A província de Jiangsu, que produziu 104,3 Mt de aço bruto em 2017, pretende fusionar mais de 50 companhias siderúrgicas em apenas oito empresas, sendo uma considerada 'supergrande' (Jingsu Shagang) (...). Além disso, 33 companhias seriam consolidadas (...). Como consequência, a participação das Top 4 na capacidade instalada provincial superaria 80% e das Top 8 alcançaria 100% (KALLANISH STEEL, 29 de maio de 2018).
101. Outro aspecto relevante que demonstra que, no setor siderúrgico na China, custos e preços não são formados com base em critérios estritamente empresariais, sendo fortemente influenciados pela ação do governo, diz respeito aos investimentos estrangeiros nesse setor. O Relatório Final indica dois casos em que o governo chinês vetou a compra de ativos siderúrgicos por parte de siderúrgicas internacionais, ressaltando que, embora haja empreendimentos nos quais siderúrgicas estrangeiras possuam participação acionária, trata-se de finishing facilities. Assim, ainda que existam joint-ventures envolvendo siderúrgicas estrangeiras, essas têm um papel muito reduzido na indústria siderúrgica chinesa, não controlando nenhuma usina de grande porte.
102. Além disso, a formação de joint ventures com empresas estatais e não de capital privado, nesse contexto, é bastante relevante, tendo em vista o elevado número de empresas estatais no setor, e demonstra que o governo chinês continua a exercer influência, mesmo nos poucos casos em que é admitido investimento estrangeiro. A propósito, o Relatório Final afirmou que:
[...] as restrições explícitas e implícitas aos investimentos estrangeiros acabaram por limitar a participação de companhias internacionais na siderurgia chinesa. Isto também distancia o setor de uma economia de mercado, pois é o regime de governo, ao invés do mercado, que direciona o fluxo de capital produtivo na economia.
103. Ademais, para investimento, as siderúrgicas têm que possuir capacidade instalada anual bastante elevada. Essa restrição foi imposta em 2005 e, em que pese em 2016 tenha sido anunciada uma certa flexibilização, o fato é que "o governo central anunciou que passaria a permitir que siderúrgicas pudessem ser totalmente controladas por empresas estrangeiras, mas ainda limitado a quatro zonas de livre comércio num projeto piloto".
104. Outro tema relevante no contexto do setor siderúrgico chinês é a concessão de subsídios, como consta no Relatório Final:
Price et alii (2007) detalham os subsídios concedidos à indústria siderúrgica chinesa em cinco tipos principais. Primeiro, a China injetou regularmente substanciais subsídios em dinheiro nos produtores de aço, em troca de ações. O governo chinês também tem empregado amplamente o uso de swaps de dívida por capital desde meados da década de 1990. Segundo, o governo chinês concedeu empréstimos subsidiados aos produtores de aço para executar as políticas de governo. As principais siderúrgicas chinesas receberam entre 60% e quase 100% de seus empréstimos de bancos públicos. Terceiro, o governo chinês forneceu contratos de arrendamento e depois transferiu os direitos de uso da terra para as empresas por pouco ou nenhum custo. Quarto, o governo chinês direcionou a consolidação da indústria siderúrgica no país ao permitir aquisições por pouco ou nenhum custo. Quinto, a siderúrgica chinesa continuou a registrar cash grants (concessões em dinheiro), inclusive para a construção de projetos siderúrgicos específicos, em seus relatórios financeiros.
105. Na sequência, o Relatório Final apresenta informações acerca de várias práticas de subsídios, tendo como fonte a US Steel Industry Coalition (2016):
State support used by the Chinese steel industry includes: cash grants; equity infusions; government-mandated mergers and acquisitons;preferential loans and directed credit; land use subsidies; subsidies for utilities, raw material price controls; tax policies and benefits; currency policies; and tax enforcement of environmental regulation (¼). The most common subsidies received by the Steel Producers have been a variety of cash grants and capital infusions. Many have also benefited from tax payment subsidies and preferential loans. We note that several of the Steel Producers have sizeable subsidiaries, some of which have directly received subsidies. It is further noted that the amount of subsidies has generally been increasing over time, with a lower amount received by the Steel Producers in 2008 compared to 2014.
106. Em seguida, o Relatório Final, tendo como fonte a Comissão Europeia, ressalta que o Plano de Ajuste e Melhoria da Indústria do Ferro e Aço (2016-2020), além de orientar as instituições financeiras a apoiarem suas metas estratégicas, com relação ao minério de ferro, reduz impostos e taxas incidentes nessa atividade, a qual conta com significativa presença de empresas estatais, concluindo que, com base em diversas medidas, os produtores de aço chineses conseguem significativas reduções do custo de produção em rubricas relevantes - insumos, matérias-primas e utilidades. O relatório da Comissão Europeia conclui, assim, que "tais medidas são de natureza estrutural e, por isso, não se vislumbra sua eliminação".
107. Ainda, constariam no Relatório Final exemplos de interferências de políticas governamentais nos grupos Baosteel e TPCO.
Embora não seja possível determinar o valor exato dos subsídios obtidos pela TPCO, tampouco sua classificação, a análise da Dagong Global Credit Rating é suficiente para assegurar que houve recebimento de subsídios em todos os anos ao longo do período 2011-2015. Além dos relatórios da Dagong, há outra fonte indireta com indicação de recebimento de benefícios. Em estudo realizado pela indústria siderúrgica nos Estados Unidos, há menção a vários recebimentos pela TPCO ao longo dos anos. Assim como evidenciado pelos relatórios financeiros das outras empresas, o trabalho indica que a TPCO também lançou subsídios em receitas operacionais, em conformidade com a informação obtida por meio dos relatórios da Dagong e com o observado em empresas estudadas anteriormente. Além deles, ainda foram encontrados empréstimos preferenciais, crédito direto e isenção de impostos (US STEEL COALITION, 2016). Conclui-se, assim, que a TPCO foi sistematicamente beneficiada com subsídios e políticas de crédito preferenciais entre, pelo menos, 2008 e 2015, da mesma forma que as demais siderúrgicas analisadas neste capítulo.
Essas constantes intervenções, desde o planejamento da forma de reestruturação da dívida até a intervenção direta no processo jurídico de liquidação, distorcem estruturalmente a interação entre oferta e demanda no mercado de fatores (no caso, de recursos financeiros). Vale enfatizar que essa distorção de mercado se distancia da característica dos subsídios convencionais, claramente dispostos nos balanços das empresas. O benefício às empresas e a influência do Estado são muito mais subjetivos, opacos e diversificados. Seus efeitos distorcivos, porém, podem ser muito maiores. Esse modus-operandi na relação Estado-empresas na China compromete a precificação no mercado de fatores, pois impossibilita acessar o risco, rompe com a distribuição normal de eventos aleatórios (risco de default), amarra os mecanismos legais de liquidação de ativos e condiciona a tomada de decisão à dinâmica política.
Como resultado, o custo do capital não reproduz a real chance de calote das operações e tende a ser reduzido em relação às taxas de captação em mercado livre, para um suposto nível de risco.3
108. A intervenção do Estado chinês no setor siderúrgico também pode ser notada na própria condição do fator trabalho e na formação de preços dos salários, conforme análise realizada no Relatório Final relativamente à Baosteel:
No website da Baosteel, em mandarim, existiria uma página que não existiria na versão em inglês. No item "Sobre Nós", constaria um subitem "Sindicato Trabalhista da Baosteel". Não é incomum encontrar sindicatos que organizam trabalhadores de uma grande empresa. Contudo, é relativamente raro constatar a existência de sindicatos organizados dentro da companhia, pelo menos em economias de mercado. Nesse caso específico, fica ainda entendido que não apenas o sindicato está dentro da empresa, como é organizado por ela. Além disso, afirma-se que a organização desse sindicato se coloca sob a liderança do Comitê do Partido no âmbito da companhia. [...]
Pela descrição das atividades do sindicato, percebem-se duas características relevantes à análise acerca do mercado de trabalho. Primeiro, há respaldo do PCC para a manutenção do sindicato no âmbito da companhia, mostrando que o Estado corrobora essa relação umbilical entre empresa e sindicato. Segundo, o sindicato se aproxima mais de uma extensão do setor de recursos humanos do que uma entidade externa independente e contraposta à companhia. Indo mais adiante, a atuação do sindicato no âmbito da empresa não apenas "organiza" os funcionários como também implementa, por meio dessa "organização", formas de reduzir custos e aumentar a produtividade, valendo-se inclusive de competição entre filiais e funcionários.
Essa funcionalidade se destoa da atuação de sindicatos convencionais, cuja função de defender os interesses dos empregados geralmente os coloca em posição antagônica às empresas, na qual a otimização de um é custo para a outra. Essa relação antagônica é invertida no caso da Baosteel, em que empresa e sindicato passam a ter objetivos comuns. Tal condição rompe a dinâmica de formação de salários a partir de livre negociação entre firmas e união trabalhista, supostamente uma atuação de forças opostas passível de equilíbrio. Por fim, ainda que o sindicato servisse como meio de discussão de benefícios trabalhistas (demandas advindas dos mecanismos de feedback), os benefícios aconteceriam sempre no limiar em que o aumento de bem-estar social (interesse político do Partido) encontra a manutenção de custos (interesse da companhia). Ou seja, o sindicado pode até conseguir implementar benefícios trabalhistas, mas em última instância, as forças atuantes por meio da organização sindical são da companhia e/ou do partido e não provenientes da força de trabalho.
109. Outra esfera de atuação do governo chinês que demonstra que no setor siderúrgico não prevalecem condições de economia de mercado é a tributária. O Relatório Final apresenta tabela em que são destacados diversos produtos/grupos de produtos siderúrgicos (semiacabado, vergalhão, fio-máquina, bobina a quente, bobina a frio, e chapa galvanizada), sendo apresentado o resultado da comparação entre o imposto de exportação e o tax rebate, em termos percentuais.
110. Constata-se, assim, que os produtos siderúrgicos de menor valor agregado são penalizados, sujeitando-se a imposto de exportação maior ou tax rebate menor, prática claramente alinhada com os objetivos estabelecidos pelo governo chinês, como destacado no Relatório Final:
Nesse sentido, essa política é uma medida cristalina para dissimular as exportações de produtos de baixo valor agregado e fomentar as exportações de produtos de alto valor agregado (IN DER HEIDEN & TAUBE, 2011).
Em resumo, não é um regime isonômico, representando forte intervenção governamental, o que lhe afasta das condições típicas de uma economia de mercado.
111. Outra característica da interferência do governo chinês no setor siderúrgico é a imposição de diversas restrições às exportações de insumos, destacadas no estudo da Comissão Europeia citado no Relatório Final:
'- Export quotas for coke, coking coal, metal waste and scrab molybdenum and tin;
- Export duties for chromium, crude steel, iron ore, coke, coking coal, manganese, molybdenum, pig iron, steel scrap, tungsten, and zinc;
- Export licensing requirements for coke, coking coal, manganese, molybdenum, tin, tungsten, and zinc;
- Export taxes and non-refundable VAT on export of ingots and other primary forms of stainless steel.'
Algumas de tais restrições à exportação de insumos siderúrgicos acabaram sendo eliminadas pela China, porque eram inconsistentes com as regras da OMC. No entanto, esse controle exercido pelo governo chinês sobre matérias-primas e insumos acaba distorcendo o mercado de aço no país. Afinal, os preços são diretamente manipulados para reduzir os custos para os produtores domésticos. Em última instância, isso faz com que os preços dos produtos de aço, que utilizam esses insumos artificiais.
112. Ratificando as análises e conclusões expostas no Relatório Final, o documento denominado "Comission Staff Working Document on Significant Distortions in the Economy of the People's Republic of China for the Purposes of Trade Defense Investigations", doravante denominado Documento de Trabalho Europeu, elaborado pela Comissão Europeia, apresenta diversas informações sobre a economia chinesa e, especificamente, sobre o setor siderúrgico, que, da mesma forma, demonstram que no setor em questão, na China, preços e custos não são formados em condições de economia de mercado.
113. Do Documento de Trabalho Europeu, destaca-se o resumo do capítulo referente ao setor siderúrgico:
The steel industry is regarded as a key/pillar industry by the Chinese government. This is confirmed in the numerous plans, directives and other documents focused on steel, which are issued at national, regional and municipal level. The government guides the development of the sector in accordance with a broad range of policy tools and directives related, inter alia: to market composition and restructuring, raw materials, investment, capacity elimination, product range, relocation, upgrading, etc. Through these and other means, the government directs and controls virtually every aspect in the development and functioning of the sector. [¼]
In the steel sector, the government seeks to promote the creation of everlarger steel producers ('national champions'). This is achieved through policies intended to shape the structure of the market, e.g. through mergers and regulation of market access (see Section 8.2).
114. O Documento de Trabalho Europeu detalha diversos aspectos da política econômica chinesa, tratando de setores específicos, dentre os quais o siderúrgico, concluindo que "the overarching control of the government prevents free market forces from prevailing in the steel sector in China".
115. Além disso, esse documento destaca alguns artigos da Constituição chinesa:
Article 7: The State-owned economy, namely, the socialist economy under ownership by the whole people, is the leading force in the national economy. The State ensures the consolidation and growth of the Stateowned economy.
116. Assim, ainda que nos últimos anos tenha sido, pela primeira vez, reconhecido o papel do setor privado na economia,
[i]n short, the Constitution makes it clear that China practices a socialist market economy, that the State-owned economy is the leading force of the economy, and that when it comes to the private economy, the State does not limit itself to encouraging and supporting it, but also guides it.
117. Merece destaque, ainda, o papel ativo do Partido Comunista Chinês nesse sistema:
The Party must carry out fundamental reform of the economic structure that hampers the development of the productive forces, and keep to and improve the socialist market economy; [¼]
118. Em síntese, a economia é dirigida e os diversos Planos Quinquenais e outros documentos refletem tal fato. Como demonstrado na sequência deste documento, o setor siderúrgico, considerado uma indústria chave, é especialmente afetado pela atuação do governo chinês, em consonância com as orientações emanadas a nível central, especialmente pelo Partido Comunista Chinês.
119. Constaria do Documento de Trabalho Europeu a seguinte conclusão:
In practice, the socialist market economy system has meant that while market forces have been mobilized to some extent, the decisive role of the State remains intact - as reconfirmed in Articles 6 and 7 of the Constitution and subsequent legislation such as Article 1 of the Law on State-Owned Assets in Enterprises. Therefore, even though today the Chinese economy is to some extent made up of non-state actors (¼), the decisive role of the State in the economy remains intact, with tight interconnections between government and enterprises (going far beyond the boundaries of SOEs) in place.
120. No item relativo a "Intervenções Industriais", o Documento de Trabalho Europeu conclui:
[¼] as discussed throughout this report, Chinese industrial policy is demonstrably interventionist and there is no sign that this will change in the foreseeable future. A broad range of policy tools is available for the State to implement governmental targets.
121. No capítulo dedicado especificamente ao setor siderúrgico, o Documento de Trabalho Europeu informa haver considerado, além do 13º Plano Quinquenal, diversos outros documentos, com destaque para o "Plan for Adjusting and Upgrading the Steel Industry". Sobre o mesmo, o Documento de Trabalho Europeu afirmou:
This Plan states that the steel industry is 'an important, fundamental sector of the Chinese economy, a national cornerstone. [nota de rodapé omitida]
Therefore, as was the case under the 12th FYP and its predecessors, steel continues to be a favoured sector in the Chinese economy. The 13th FYP for Steel also stresses the pivotal role of the enterprises as well as the support by governmental and local authorities. In particular, the 13th FYP for Steel focuses on structural changes to be made on the supply-side in order to address the problem of overcapacity. [nota de rodapé omitida]. The mains tasks and objectives set out in the 13th FYP for Steel cover virtually all aspects of the development of the industry, thus showing the high degree of intervention exerted by the government over the sector.
122. Em síntese, as SOEs (State-Owned Enterprises) exercem a autoridade do governo e seu principal objetivo é alcançar os alvos e objetivos estabelecidos pelos planos governamentais. Assim, em razão do elevado nível de interferência do governo chinês no setor siderúrgico e, ainda, como consequência do elevado grau de participação das SOEs nesse setor, mesmo as decisões empresariais das empresas privadas não têm como fundamento condições de economia de mercado. Além disso, conclusões alcançadas pela Comissão Europeia, no âmbito de investigações,
[...] clearly show that the financial sector in China is directed by the government. The Chinese financial institutions have, as their main purpose, the implementation of public policy objectives [nota de rodapé omitida], and therefore their functioning is not fundamentally guided by market principles. Several investigations have also demonstrated that Chinese steel producers benefit from State support measures from these institutions, inter alia, by access to finance at non-commercial terms (¼). [nota de rodapé omitida]
123. O Documento de Trabalho Europeu informa que o governo chinês utiliza, consistentemente, diversos mecanismos de apoio para promover o setor siderúrgico e, consequentemente, implementar objetivos previamente estabelecidos. Essas medidas geram distorções no Mercado e garantem vantagens artificiais para os recipientes em comparação com outros concorrentes que não se beneficiam de tais mecanismos. A propósito do excesso de capacidade instalada para produção de aço, na China, o referido Documento destacou:
The existence of certain levels of overcapacity in the steel sector is not uncommon and it is inherent, inter alia, to business cycles of the market [nota de rodapé omitida]. However, sustained high levels of overcapacity throughout the years, where in a competitive market adjustments would have otherwise been made, are a strong indication of government intervention in that market. [nota de rodapé omitida].
124. Adicionalmente, o excesso de capacidade afeta negativamente a rentabilidade do setor. Os efeitos negativos são "amplificados" diante da magnitude da produção chinesa e das perspectivas de fraco desempenho da economia. Outro documento que reitera as conclusões acima apresentadas seria aquele elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE/OECD Organisation for Economic Co-operation and Development), denominado "State Enterprises in the Steel Sector".
125. Tal estudo complementa, ainda, que:
[¼] steel is a base industry, often regarded as strategic for economic development. As such, the motivations for the presence of SEs in this sector might be higher than for other industrial sectors. Second, steel is a capital intensive sector, where investments in fixed assets are considerable and are to some extent irreversible thus entailing significant sunk costs. Therefore, any preferential treatment given do SEs may result in overinvestment or heighten barriers to exit. Third, steel is an intermediate input into a wide range of international supply chains. Therefore, any effects from the presence of SEs in steel may propagate across several sectors (and economies). Fourth, steel is a tradable good and market distortions easily propagate through international trade in steel [¼]."
126. Enfim, os diversos estudos citados e analisados neste documento corroboram o entendimento exposto no Relatório Final quanto à forte intervenção do governo chinês no setor siderúrgico daquele país.
127. Desta forma, o citado Relatório Final registra, em suas conclusões finais, que os países atuantes na área de defesa comercial (União Europeia, Estados Unidos, México, Canadá, Índia e Austrália) atestam que no setor siderúrgico chinês não prevalecem condições de mercado. Portanto, a metodologia adotada por esses países não se baseia nos preços e custos domésticos da China, quando do cálculo do valor normal para empresas chinesas, concluindo que:
desta forma, o presente estudo demostra, claramente, que a China deve continuar a ser tratada como um país em que cuja economia como um todo, mas no setor siderúrgico em particular, não prevalecem as condições de mercado necessárias para que se possa fazer uso, em processos antidumping, de custo e preços domésticos das empresas locais.
5.1.1.1.2 Da análise da SDCOM sobre o tratamento da China para apuração do valor normal na determinação do dumping para fins de início
128. Ressalta-se, inicialmente, que o objetivo desta análise não é apresentar um entendimento amplo a respeito do status da China como uma economia predominantemente de mercado ou não. Trata-se de decisão sobre utilização de metodologia de apuração da margem de dumping que não se baseie em uma comparação estrita com os preços ou os custos domésticos chineses, estritamente no âmbito desta revisão.
129. Cumpre destacar que a complexa análise acerca da prevalência de condições de economia de mercado no segmento produtivo chinês objeto de revisão possui lastro no próprio Protocolo de Acessão da China à OMC. Com a expiração do item 15(a)(ii) do referido Protocolo, o tratamento automático de não economia de mercado antes conferido aos produtores/exportadores chineses investigados cessou. Desde então, em cada caso concreto, é necessário que as partes interessadas apresentem elementos suficientes, nos termos do restante do item 15(a), para avaliar, na determinação de comparabilidade de preços, se i) serão utilizados os preços e os custos chineses correspondentes ao segmento produtivo objeto da investigação, ou se ii) será adotada uma metodologia alternativa que não se baseie em uma comparação estrita com os preços ou os custos domésticos chineses.
130. Para alcançar uma conclusão a respeito da prevalência ou não de condições de mercado na China no segmento produtivo de barras chatas de aço ligado no âmbito deste processo, levou-se em consideração todo o conjunto de elementos probatórios trazidos pela peticionária e avaliou-se se esse conjunto constituiria prova suficientemente esclarecedora para formar a convicção da autoridade investigadora.
131. Ressalte-se que, desde 2019, foram concluídas uma série de investigações que versaram sobre a não prevalência de condições de economia de mercado no segmento produtivo de aço na China, nos termos indicados anteriormente. Exemplos são as investigações de aço GNO, encerrada pela Portaria SECINT nº 495, de 12 de julho de 2019; tubos de aço inoxidável austenístico com costura, encerrada pela Portaria SECINT nº 506, de 24 de julho de 2019; laminados planos de aço inoxidável a frio, encerrado pela Portaria SECINT nº 4.353, de 1º de outubro de 2019; e cilindros para GNV, encerrado pela Resolução Gecex nº 225, de 23 de julho de 2021. Assim, os trechos a seguir refletem, em grande medida, o entendimento anteriormente já adotado pela Subsecretaria no âmbito dos referidos procedimentos no segmento produtivo de aço na China.
132. Com vistas a organizar melhor o posicionamento da SDCOM, os temas mencionados acima foram divididos nas seções a seguir: (5.1.1.1.2.1) Do Protocolo de Acessão da China à OMC e das suas repercussões procedimentais nas investigações de defesa comercial no Brasil; (5.1.1.1.2.2) Da situação do mercado siderúrgico mundial e da participação das empresas chinesas; (5.1.1.1.2.3) Da estrutura de mercado e da participação e do controle estatal na China, (5.1.1.1.2.4) Das metas e diretrizes do Governo e sua influência sobre empresas estatais e provadas, e (5.1.1.1.2.5) Das práticas distorcivas do mercado. Ao final (5.1.1.1.3), serão apresentadas as conclusões a respeito do tema.
5.1.1.1.2.1 Do Protocolo de Acessão da China à OMC e das suas repercussões procedimentais nas investigações de defesa comercial no Brasil.
133. Conforme estabelecido no Artigo XII do Acordo de Marraqueche, os termos da acessão de um Estado (ou território aduaneiro separado com autonomia sobre suas relações comerciais externas) aos Acordos da organização devem ser acordados entre este e a OMC por meio de processo negociador que envolve a totalidade dos Membros. A negociação é realizada no âmbito de um grupo de trabalho, cujos termos de acessão devem ser aprovados pela Conferência Ministerial com base em maioria de dois terços dos Membros da OMC. Desde a fundação da OMC, 36 países completaram o processo de acessão, e a China foi o 15º país a finalizá-lo, efetivando-se como o 143º Membro.
134. O processo de acessão da República Popular da China, doravante China ou RPC, iniciou-se em outubro de 1986, quando o país protocolou seu application ainda junto ao Secretariado do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), e durou mais de 15 anos. O Grupo de Trabalho de Acessão da China ao GATT foi instituído em março de 1987, tendo sido posteriormente transformado, em 1995, em Grupo de Trabalho de Acessão à OMC. Como resultado desse processo negociador, vários compromissos e obrigações a serem cumpridos pela China em diversas áreas foram aprovadas pelos 142 Membros da OMC. Assim, a China finalizou seu processo de acessão à OMC em 11 de dezembro de 2001, resultando no texto do Protocolo de Acessão da China à OMC, doravante Protocolo de Acessão ou Protocolo.
135. O Brasil participou das negociações relativas ao processo de acessão da China, de modo que o texto do Protocolo de Acessão foi incorporado à normativa brasileira na sua integralidade, com efeitos jurídicos concretos desde a entrada em vigor do Decreto nº 5.544, de 22 de setembro de 2005. Os artigos 1º e 2º desse decreto estabeleceram, in verbis:
Art. 1º O Protocolo de Acessão da República Popular da China à Organização Mundial de Comércio, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. (grifo nosso)
136. Especificamente para fins da análise da prevalência de condições de economia de mercado no segmento produtivo de barras chatas no âmbito desta revisão, que resulta na tomada de decisão sobre a apuração do valor normal a ser utilizado na determinação da probabilidade de continuação ou retomada de dumping, cumpre analisar as disposições do artigo 15 do referido Protocolo de Acessão.
137. O artigo 15 do Protocolo de Acessão da China consiste na base normativa para a determinação do valor normal em investigações de dumping sobre importações originárias da China, cujo texto integral será reproduzido a seguir:
15. Comparabilidade de preços para a determinação de subsídios e dumping:
Nos procedimentos relacionados a importações de origem chinesa por um Membro da OMC, aplicar-se-ão o artigo VI do GATT 1994, o Acordo relativo à Aplicação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio de 1994 ("Acordo Antidumping") e o Acordo SMC, em conformidade com o seguinte:
a) Na determinação da comparabilidade de preços, sob o artigo VI do GATT 1994 e o Acordo Antidumping, o Membro importador da OMC utilizará, seja os preços e os custos chineses correspondentes ao segmento produtivo objeto da investigação, ou uma metodologia que não se baseie em uma comparação estrita com os preços ou os custos domésticos chineses, com base nas seguintes normas:
i) se os produtores investigados puderem demonstrar claramente que, no segmento produtivo que produz o produto similar, prevalecem condições de economia de mercado no que diz respeito à manufatura, produção e à venda de tal produto, o Membro da OMC utilizará os preços ou custos prevalecentes na China do segmento produtivo objeto da investigação, para determinar a comparabilidade dos preços;
ii) o Membro da OMC importador poderá utilizar uma metodologia que não se baseie em uma comparação estrita com os preços internos ou custos prevalecentes na China se os produtores investigados não puderem demonstrar claramente que prevalecem no segmento produtivo que produz o produto similar condições de economia de mercado no que diz respeito à manufatura, a produção e à venda de tal produto.
b) Nos procedimentos regidos pelas disposições das partes II, III e V do Acordo SMC, quando se tratarem de subsídios descritos nos itens a), b), c) e d) do artigo 14 do referido Acordo, aplicar-se-ão as disposições pertinentes do mesmo; não obstante, se houver dificuldades especiais, o Membro da OMC importador poderá utilizar, para identificar e medir o benefício conferido pelo subsídio, metodologias que levem em conta a possibilidade de que os termos e condições prevalecentes na China nem sempre podem ser utilizados como bases de comparação adequadas. Para aplicar tais metodologias, sempre que factível, o Membro da OMC importador deverá proceder a ajustes desses termos e condições prevalecentes antes de considerar a utilização de termos e condições prevalecentes fora da China.
c) O Membro importador da OMC notificará as metodologias utilizadas em conformidade com o item a) ao Comitê de Práticas Antidumping e as utilizadas em conformidade com o item b) ao Comitê de Subsídios e Medidas Compensatórias.
d) Uma vez tendo a China estabelecido, em conformidade com a legislação nacional do Membro importador da OMC, que é uma economia de mercado, ficarão sem efeito as disposições do item a), desde que a legislação nacional do Membro importador preveja critérios para aferir a condição de economia de mercado, na data de acessão. Em quaisquer casos, as disposições do item a) ii) expirarão após transcorridos 15 anos da data de acessão. Ademais, nos casos em que a China estabelecer, em conformidade com a legislação nacional do Membro importador da OMC, que em um segmento produtivo particular ou indústria prevalecem condições de economia de mercado, deixar-se-ão de aplicar a esse segmento produtivo particular ou indústria as disposições do item a) referentes às economias que não são economias de mercado. (grifo nosso).
138. A acessão da China à OMC, portanto, foi condicionada a cláusulas específicas que poderiam ser aplicadas pelo país importador para fins de determinar a comparabilidade de preços em investigações de dumping e de subsídios. Dessa forma, em investigações de dumping contra exportações originárias da China, nos termos do Artigo 15(a), competiria a cada Membro importador da OMC a decisão de utilizar uma das duas seguintes metodologias disponíveis:
- ou os preços e os custos chineses daquele segmento produtivo objeto da investigação (vide Artigo 15(a)(i));
- ou uma metodologia alternativa que não se baseasse em comparação estrita com os preços ou os custos domésticos chineses (vide Artigo 15(a)(ii)).
139. Nota-se que os Artigos 15(a)(i) e 15(a)(ii) do Protocolo contêm duas regras diferentes aplicáveis à questão da comparabilidade de preços. Essas regras estão relacionadas aos efeitos do sucesso ou da falha de os produtores investigados demonstrarem claramente que condições de economia de mercado prevalecem no segmento produtivo investigado. Por um lado, o item 15(a)(i) estabelece a obrigação de a autoridade investigadora utilizar preços e custos chineses para comparação de preços caso os produtores chineses sejam capazes de demonstrar que condições de economia de mercado prevalecem naquele segmento produtivo. Por outro lado, o item 15(a)(ii) regulava a situação em que os produtores investigados não fossem capazes de demonstrar claramente que condições de economia de mercado prevaleciam no segmento produtivo investigado. Nessa situação, a autoridade investigadora podia utilizar metodologia alternativa não baseada em comparação estrita com os preços e os custos domésticos chineses.
140. Essa possibilidade de utilizar uma das duas metodologias dos Artigos 15(a)(i) e 15(a)(ii), por sua vez, foi condicionada pelo Artigo 15(d). A primeira condição do Artigo 15(d) era de que, caso o Membro importador reconhecesse, em conformidade com sua legislação, que a China era uma economia de mercado, ficariam sem efeito as disposições do Artigo 15(a) como um todo, desde que o Membro importador tenha estabelecido critérios para aferir a condição de economia de mercado quando da data de acessão da China. A segunda condição do Artigo 15(d) corresponde à derrogação do inciso 15(a)(ii) após transcorridos 15 anos da data de acessão, ou seja, a partir do dia 12 de dezembro de 2016. A terceira condição do Artigo 15(d) versa sobre a derrogação das disposições do Artigo 15(a) especificamente para um segmento produtivo particular ou indústria, quando ficar demonstrado que, em um segmento produtivo particular ou indústria, prevalecem condições de economia de mercado, nos termos da legislação nacional aplicável.
141. Nesse contexto, cumpre mencionar que a segunda condição do Artigo 15(d), correspondente à derrogação do inciso 15(a)(ii), está sujeita a controvérsia jurídica no Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC (DS516: European Union - Measures Related to Price Comparison Methodologies). Isso porque a China entende que a determinação de valor normal de "economia não de mercado" em casos de dumping seria inconsistente com os Artigos 2.1 e 2.2 do Acordo Antidumping da OMC e com os Artigos I:1 e VI:1 do GATT/1994. O painel foi composto em 10 de julho de 2017. Em 28 de novembro de 2018, o Chair do painel informou ao OSC que, dada a complexidade das questões legais envolvidas na disputa, o relatório final para as partes estaria previsto para o segundo trimestre de 2019. A China também solicitou consultas aos Estados Unidos da América (DS515: United States Measures Related to Price Comparison Methodologies), para tratar basicamente do mesmo assunto do DS516. Entretanto, o DS515 até o momento não avançou para a fase de painel.
142. No âmbito do DS516, em 7 de maio de 2019, a China apresentou ao painel pedido de suspensão dos procedimentos, de acordo com o Artigo 12.12 do Entendimento sobre Solução de Controvérsias - ESC (Dispute Settlement Understanding - DSU). Após comentários apresentados pela União Europeia e pela própria China acerca do pedido de suspensão, em 14 de junho de 2019, o painel informou ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC sobre a decisão de suspender seus trabalhos, e relembrou que a autorização para o funcionamento do painel expiraria após decorridos 12 meses da data de suspensão. Como o painel não foi requerido a retomar seus trabalhos, de acordo com o Artigo 12.12 do ESC, a autoridade para o estabelecimento do painel expirou em 15 de junho de 2020 (https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds515_e.htm#).
143. Diante da expiração do Artigo 15(a)(ii) após transcorridos 15 anos da data de acessão, ou seja, a partir do dia 12 de dezembro de 2016, a prática relacionada a investigações de dumping no Brasil foi alterada.
144. Anteriormente, nas investigações de dumping sobre produtos originários da China cujo período de investigação se encerrava até dezembro de 2016, os atos de início das investigações apresentavam a menção expressa ao fato de que a China não era considerada país de economia de mercado para fins de defesa comercial. Por exemplo, no Parecer Decom nº 33, de 19 de julho de 2016, o parágrafo 78 informou:
78. Considerando que a China, para fins de investigação de defesa comercial, não é considerada país de economia de mercado, aplica-se, no presente caso, a regra disposta no caput do art. 15 do Regulamento Brasileiro. Isto é, em caso de país que não seja considerado economia de mercado, o valor normal será determinado a partir de dados de um produto similar em um país substituto. O país substituto é definido com base em um terceiro país de economia de mercado considerado apropriado. Ainda, segundo o artigo 15, §2º, do Decreto nº 8.058/2013, sempre que adequado, o país substituto deverá estar sujeito à mesma investigação.
145. Assim, até dezembro de 2016 havia presunção juris tantum de que os produtores/exportadores chineses não operavam em condições de economia de mercado. Essa presunção era respaldada pelo Artigo 15(a)(ii) do Protocolo, pois se os produtores chineses investigados não pudessem demonstrar claramente que prevaleciam condições de economia de mercado no segmento produtivo objeto da investigação, o importador Membro da OMC poderia utilizar metodologia alternativa para apurar o valor normal.
146. No âmbito do Regulamento Antidumping Brasileiro vigente - Decreto nº 8.058, de 26 de julho de 2013 - os produtores/exportadores chineses tinham a possibilidade de comprovar que operavam em condições de economia de mercado se atendessem ao disposto nos artigos 16 e 17. Segundo seus termos, os produtores/exportadores de um país não considerado economia de mercado pelo Brasil podem apresentar elementos de prova com o intuito permitir que o valor normal seja apurado com base na metodologia considerada padrão:
Art. 16. No prazo previsto no § 3º do art. 15, o produtor ou exportador de um país não considerado economia de mercado pelo Brasil poderá apresentar elementos de prova com o intuito de permitir que o valor normal seja apurado com base no disposto nos arts. 8º a 14.
Art. 17. Os elementos de prova a que faz referência o art. 16 incluem informações relativas ao produtor ou exportador e ao setor econômico do qual o produtor ou exportador faz parte.
§ 1º As informações relativas ao produtor ou exportador devem permitir a comprovação de que:
I - as decisões do produtor ou exportador relativas a preços, custos e insumos, incluindo matérias-primas, tecnologia, mão de obra, produção, vendas e investimentos, se baseiam nas condições de oferta e de demanda, sem que haja interferência governamental significativa a esse respeito, e os custos dos principais insumos refletem substancialmente valores de mercado;
II - o produtor ou exportador possui um único sistema contábil interno, transparente e auditado de forma independente, com base em princípios internacionais de contabilidade;
III - os custos de produção e a situação financeira do produtor ou exportador não estão sujeitos a distorções significativas oriundas de vínculos, atuais ou passados, estabelecidos com o governo fora de condições de mercado; e
IV - o produtor ou exportador está sujeito a leis de falência e de propriedade, assegurando segurança jurídica e estabilidade para a sua operação.
§ 2º As informações relativas ao setor econômico do qual o produtor ou exportador faz parte devem permitir a comprovação de que:
I - o envolvimento do governo na determinação das condições de produção ou na formação de preços, inclusive no que se refere à taxa de câmbio e às operações cambiais, é inexistente ou muito limitado;
II - o setor opera de maneira primordialmente baseada em condições de mercado, inclusive no que diz respeito à livre determinação dos salários entre empregadores e empregados; e
III - os preços que os produtores ou exportadores pagam pelos insumos principais e por boa parte dos insumos secundários utilizados na produção são determinados pela interação entre oferta e demanda.
§ 3º Constitui condição para que o valor normal seja apurado com base no disposto nos arts. 8º a 14 a determinação positiva relativa às condições estabelecidas neste artigo.
§ 4º Determinações positivas relacionadas ao § 2º poderão ser válidas para futuras investigações sobre o mesmo produto.
§ 5º As informações elencadas nos § 1º e § 2º não constituem lista exaustiva e nenhuma delas, isoladamente ou em conjunto, será necessariamente capaz de fornecer indicação decisiva.
147. Posteriormente, porém, transcorridos 15 anos da data de acessão, ou seja, a partir do dia 12 de dezembro de 2016, nas investigações de dumping contra a China cujo período de investigação fosse posterior a dezembro de 2016, não foram feitas mais menções expressas no ato de início das investigações sobre tal condição de a China ser ou não considerada país de economia de mercado para fins de defesa comercial. Deste modo, a utilização de metodologia alternativa para apuração do valor normal da China não era mais "automática".
148. Nesse sentido, considerando que apenas o item 15(a)(ii) do Protocolo de Acessão expirou, e que o restante do Artigo 15, em especial as disposições do 15(a) e do 15(a)(i), permanecem em vigor, procedeu-se a uma "alteração do ônus da prova" sobre a prevalência de condições de economia de mercado em determinado segmento produtivo objeto de investigação. Expira a presunção juris tantum de que os produtores exportadores/chineses operam em condições que não são de economia de mercado no seguimento produtivo investigado, de modo que a determinação do método de apuração do valor normal em cada caso dependerá dos elementos de prova apresentados nos autos do processo pelas partes interessadas, acerca da prevalência ou não de condições de economia de mercado no segmento produtivo específico do produto similar.
149. Esse posicionamento decorre das regras de interpretação da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados - a qual, em seu Artigo 31, estabelece que "1. Um tratado deve ser interpretado de boa-fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade". Ademais, com base no princípio interpretativo da eficácia (effet utile ou efeito útil), as disposições constantes de um acordo devem ter um significado. Tanto é assim que, segundo o Órgão de Apelação da OMC (DS126: Australia - Subsidies Provided to Producers and Exporters of Automotive Leather, Recourse to Article 21.5 of the DSU by the United States - WTO Doc. WT/DS 126/RW):
6.25 The Appellate Body has repeatedly observed that, in interpreting the provisions of the WTO Agreement, including the SCM Agreement, panels are to apply the general rules of treaty interpretation set out in the Vienna Convention on the Law of Treaties. These rules call, in the first place, for the treaty interpreter to attempt to ascertain the ordinary meaning of the terms of the treaty in their context and in the light of the object and purpose of the treaty, in accordance with Article 31(1) of the Vienna Convention. The Appellate Body has also recalled that the task of the treaty interpreter is to ascertain and give effect to a legally operative meaning for the terms of the treaty. The applicable fundamental principle of effet utile is that a treaty interpreter is not free to adopt a meaning that would reduce parts of a treaty to redundancy or inutility. (grifo nosso).
150. Dessa forma, a expiração específica do item 15(a)(ii), com a manutenção em vigor do restante do Artigo 15(a), deve ter um significado jurídico, produzindo efeitos operacionais concretos. A utilização da metodologia alternativa deixa de ser, portanto, "automática", e passa-se a analisar, no caso concreto, se prevalecem ou não condições de economia de mercado no segmento produtivo investigado. Assim, a decisão acerca da utilização ou não dos preços e custos chineses em decorrência da análise realizada possui efeitos que se restringem a cada processo específico, e não implica de nenhuma forma declaração acerca do status de economia de mercado do Membro. Por um lado, caso tais provas não tenham sido apresentadas pelas partes interessadas, ou tenham sido consideradas insuficientes, poderão ser utilizados os preços e custos chineses para a apuração do valor normal no país, desde que atendidas as demais condições previstas no Acordo Antidumping. Por outro lado, caso tenham sido apresentadas provas suficientes de que não prevalecem condições de economia de mercado no segmento produtivo, a metodologia de apuração do valor normal a ser utilizado na determinação da probabilidade de continuação/retomada de dumping poderá não se basear nesses preços e custos do segmento produtivo chinês.
5.1.1.1.2.2 Da situação do mercado siderúrgico mundial e da participação das empresas chinesas
151. Conforme estabelecido no Artigo XII do Acordo de Marraqueche, os termos da acessão de um Estado (ou território aduaneiro separado com autonomia sobre suas relações comerciais externas) aos Acordos da organização devem ser acordados entre este e a OMC por meio de processo negociador que envolve a totalidade dos Membros. A negociação é realizada no âmbito de um grupo de trabalho, cujos termos de acessão devem ser aprovados pela Conferência Ministerial com base em maioria de dois terços dos Membros da OMC. Desde a fundação da OMC, 36 países completaram o processo de acessão, e a China foi o 15º país a finalizá-lo, efetivando-se como o 143º Membro.
152. As evidências trazidas aos autos pela peticionária apontam para as distorções no setor siderúrgico chinês. Não obstante, considerou-se ainda informações identificadas quando da condução de investigações anteriores sobre produtos siderúrgico chineses, como o estudo da OCDE.
153. Segundo os dados da OCDE, a capacidade instalada mundial de aço bruto cresceu 112% de 2000 a 2017. Nesse mesmo período, a capacidade instalada de aço bruto da China aumentou 600%. Consequentemente, sua participação na capacidade instalada mundial subiu significativamente. Em 2000, sua participação era de 14%, enquanto em 2017 ela chegou a 47%, tendo atingido seu ápice de 2013 a 2015, quando representou em torno de 49% da capacidade instalada mundial.
154. Esse crescimento, contudo, não foi acompanhado por aumento proporcional da demanda mundial por aço. Dados da World Steel Association (2018) mostram que, no mesmo período, a produção mundial cresceu 837 Mt, em comparação com o aumento de 1.195 Mt de capacidade instalada mundial. Consequentemente, a capacidade ociosa do setor siderúrgico mundial cresceu.
155. Pode-se observar, porém, dois momentos distintos no comportamento da capacidade ociosa entre 2000 e 2017. Até pelo menos 2007, um ano antes da crise financeira internacional, o aumento de capacidade instalada cresceu de maneira similar ao aumento da produção. Contudo, a partir de 2008, há um claro descolamento em direção a um excesso de capacidade na indústria. Em 2015, auge da participação chinesa na capacidade instalada mundial, registrou-se o maior volume absoluto da capacidade ociosa (714Mt) e o menor grau de utilização da capacidade (69%). Em 2017, a capacidade ociosa caiu para 562Mt, mas ainda assim 2,7 vezes maior do que em 2000 e 2,3 vezes maior do que em 2007.
156. Dessa forma, é possível argumentar que a China contribuiu significativamente para o excesso de capacidade de aço no mundo, especialmente a partir de 2008.
157. Nota-se que a taxa de crescimento da capacidade instalada da China foi muito maior de 2008 a 2013, com tendência de alta, tendo se reduzido desde então. Isso, não obstante, somente foi menor do que a taxa do resto do mundo nos últimos dois anos.
158. Em estudo de 2015, a OCDE concluiu que o desempenho financeiro da indústria siderúrgica global havia se deteriorado para níveis não vistos desde a crise do aço no final da década de 1990. Ademais, afirmou que havia uma relação estatisticamente significativa entre a capacidade excedente e a lucratividade e o endividamento da indústria.
159. Segundo a OCDE, o excesso de capacidade afeta a lucratividade por meio de vários canais:
Dois canais principais são os custos e preços. Por exemplo, em períodos de baixa utilização de capacidade, as economias de escala não são totalmente exploradas e, assim, os custos são mais altos e os lucros mais baixos. Os preços também tendem a ser menores durante períodos de baixa utilização da capacidade, impactando diretamente os lucros. No nível global, os efeitos do excesso de capacidade são transmitidos através do comércio; excesso de capacidade pode levar a surtos de exportação, levando a quedas de preços e perdas de quota para produtores domésticos concorrentes na importação (OCDE, 2015).
160. Por meio de uma análise dos balanços de empresas siderúrgicas listadas, o estudo analisou indicadores como o fluxo de caixa das empresas, relação dívida/lucro operacional antes de juros, impostos, depreciação e amortização e as oportunidades de investimento (price-to-book ratio), concluindo que as indústrias deste setor estariam precisando de fundos externos para cobrir os investimentos ou mesmo manter as atividades operacionais, que o endividamento está tão elevado que trazem questionamentos quanto à solvência delas, e que as oportunidades de investimentos são escassas, ou praticamente inexistentes.
161. A peticionária, por meio do estudo submetido aos autos, trouxe dados que indicam que a margem de lucro das indústrias siderúrgicas chinesas é, em média, mais baixa do que a de suas congêneres no resto do mundo. Ademais, esta margem de lucro teria se reduzido significativamente no período posterior a 2008, em linha com o aumento da capacidade ociosa observada no período. Segundo a McKinsey, estas margens não permitiriam a sobrevivência das empresas nem mesmo no curto prazo.
162. Situação parecida seria observada em termos de indicadores de endividamento. A relação dívida/capital próprio se elevou, assim como a relação dívida/margem de lucro EBITDA. Quanto a esta última, estaria consistentemente maior do que 3, considerado o nível recomendado pela OCDE.
163. Como será visto, as estatais ligadas ao Governo central tendem a se alinhar mais automaticamente às diretrizes explícitas de Planos elaborados pelo Governo central, de forma que estes encerramentos podem ter um caráter meramente de medidas administrativas, sem preocupações com a eficiência alocativa, onde as empresas menos eficientes estariam sendo fechadas e as empresas mais eficientes realmente poderiam prosperar.
164. O estudo da OCDE (2018) sugere que as estatais são mais propensas a registrar períodos mais longos de resultados negativos em comparação com suas contrapartes privadas, e que estão significativamente e positivamente correlacionadas com a persistência em perdas financeiras.
165. Dessa forma, foi possível concluir, com base nos dados acima apresentados, que a China contribuiu significativamente para o excesso de capacidade mundial do aço, que se tornou um problema particularmente grave após a crise de 2008. Ao mesmo tempo, e em linha com a hipótese de que o excesso de capacidade instalada prejudica a saúde financeira das empresas, foi possível determinar que as produtoras de aço na China possuem lucratividade menor e endividamento maior, em média, do que suas contrapartes no exterior. Por fim, foi possível determinar que empresas estatais possuem ociosidade maior e saúde financeira pior, em média, do que empresas privadas, e que há indícios de que o problema é mais grave no nível local do que no nível central.
5.1.1.1.2.3 Da estrutura de mercado e da participação e do controle estatal na China
166. Inicialmente, é importante ressaltar que a propriedade estatal de empresas no setor siderúrgico não pode ser considerada, individualmente, como um fator determinante para se atingir uma conclusão a respeito da prevalência de condições de economia de mercado em determinado setor. Sabe-se, por exemplo, como demonstrado no Relatório "Empresas Estatais no Setor de Aço" da OCDE (2018), "State Enterprises", que havia participação estatal relevante no setor de aço mundial até pelos menos o final do século XX. Apenas a partir de meados da década de 1980, primeiramente com a Europa e depois nos países da antiga União Soviética e América Latina é que a propriedade estatal se reduziu significativamente. De acordo com o mesmo estudo, os governos teriam vários motivos para intervir no setor siderúrgico, que muitas vezes é considerado estratégico, uma vez que serviriam a propósitos de desenvolvimento industrial ou mesmo de defesa nacional.
167. Conforme estudo da OCDE (2018), a definição de empresas estatais (SOEs) é um desafio porque envolve determinar o grau de controle que o estado pode exercer sobre uma empresa. Segundo ele, a propriedade estatal pode não ser uma condição suficiente para determinar o controle estatal. Entender como as ações de propriedade se relacionam com direitos de voto ou decisão no conselho executivo de uma empresa ou em outros órgãos de governança é difícil, mas, na visão da OCDE, particularmente importante.
168. Ademais, mesmo na ausência de controle estatal, os regulamentos ou a presença nos órgãos de governança da empresa podem fornecer margem suficiente para o Estado influenciar o processo de tomada de decisão. A variedade de circunstâncias e a falta de transparência sobre como o controle e a influência do Estado podem ser exercidos torna a análise de políticas bastante complexa.
169. O estudo também salientou este problema, e adicionou que há diferentes metodologias para se estimar a representatividade das SOEs no setor. Ainda, salientou que a atuação das estatais submetidas ao governo central, provincial ou municipal não podem ser vistas como um padrão monolítico, dados os conflitos de interesse entre os níveis de governo. Em outras palavras, as políticas públicas de estímulo às indústrias siderúrgicas chinesas diferem de acordo com o nível de governo, o que é um indicativo da existência de incentivos com efeitos contraditórios sobre o setor.
170. Os dados mostraram que as empresas estatais são particularmente importantes na China. Entre as principais indústrias siderúrgicas do país, todos os dados indicam que a maioria é estatal. Quanto ao universo das indústrias de aço, os números apontam para participação ainda relevante, mas decrescente. Estimativa de um estudo de 2010 colocou que a produção de aço de empresas estatais representava 63%. Outro, referente ao ano de 2017, dizia que em 2005 a participação era de 65% em 2005, mas teria declinado fortemente para 43,4% em 2017. A Comissão Europeia, em 2017, estimou em 49% essa participação. Assim, é possível afirmar, com base nos dados trazidos aos autos, que a participação de estatais na produção chinesa de aço é representativa, mas também que, ao mesmo tempo, a participação do setor privado tem aumentado e já representa parcela superior à das estatais.
171. Outro aspecto relevante presente no estudo se refere à participação das empresas locais entre as empresas estatais. Segundo os dados apresentados, a maior parte da produção de aço na China é originária de empresas subnacionais. Este dado é consistente com a história da indústria chinesa de aço, que cresceu de modo extremamente fragmentado desde o final dos anos 1950. Esta informação é fundamental, uma vez que, como será visto, as diretrizes e metas são elaboradas pelo Governo central, de modo que o alinhamento dos demais níveis de Governo podem não ser automáticos.
172. Além da propriedade direta de empresas, contudo, o controle do Governo pode ser exercido de facto por meio de uma série de meios. Nesse aspecto, os estudos de caso apresentados jogam luz à complexa relação entre o Estado, o Partido Comunista Chinês e empresas estatais e privadas. Empresas (inclusive privadas como a Shagang, a maior siderúrgica privada da China) possuem Comitês do Partido em suas estruturas e executivos de alto escalão que não são apenas filiados ao Partido, mas que apresentam currículo extenso com passagens em diversos postos do Estado e do Partido. Ademais, nos casos analisados em que empresas estatais enfrentaram dificuldades financeiras, caso das estatais locais Bengang Plates, Dongbei e TPCO, ficou clara a forte influência do Estado no destino das empresas.
173. Conforme art. 19 da Lei das Companhias da China, uma organização do Partido Comunista deve ser estabelecida em uma empresa para realizar atividades do Partido que estejam de acordo com a Constituição do Partido Comunista da China. Ademais, determina que a empresa deveria fornecer as condições necessárias para as atividades da organização. O art. 30 da Constituição do Partido Comunista da China, por sua vez, estabelece que uma organização primária do PCC deve ser formada em qualquer empresa [...] onde há três ou mais membros do Partido.
174. A Constituição do PCC ainda diferencia os papéis que o Partido Comunista deveria exercer em empresas estatais e privadas. Conforme art. 33, em empresas estatais, entre outras coisas, o Comitê deve desempenhar um papel de liderança, definir a direção certa, ter em mente o panorama geral, assegurar a implementação das políticas e princípios do Partido, discutir e decidir sobre questões importantes da sua empresa. Ademais, deve garantir e supervisionar a implementação dos princípios e políticas da Parte e do Estado dentro de sua própria empresa e apoiar o conselho de acionistas, conselho de administração, conselho de supervisores e gerente (ou diretor de fábrica) no exercício de suas funções e poderes de acordo com a lei. Deve ainda exercer liderança sobre o trabalho dos Sindicatos.
175. No que se refere às empresas privadas, as entidades devem, entre outras coisas, implementar os princípios e políticas do Partido, orientar e supervisionar a observância das leis e regulamentos estatais, exercer liderança sobre sindicatos, promover unidade e coesão entre trabalhadores e funcionários e promover o desenvolvimento saudável de suas empresas.
176. Fica claro, em primeiro lugar, que o regulamento permite um grau de controle maior do Comitê do Partido sobre as empresas estatais. Regulamentos do Partido emitidos em