Parecer Nº 55/2009

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    Ementa

    Trata-se de consulta da PGFN, a respeito da natureza da responsabilidade tributária dos administradores - sócios ou não - das sociedades limitadas e das sociedades anônimas, derivada da aplicação do art. 135, III, do Código Tributário Nacional.

    Informações Adicionais

    Campo Valor
    orgao PGFN/CRJ
    procurador ANSELMO HENRIQUE CORDEIRO LOPES
    data 2009-01-15T00:00:00

    Conteúdo


    PARECER
    PGFN/CRJ/CAT/Nº 55/2009




    Responsabilidade tributária. Conceitos e espécies. Administrador. Responsabilidade tributária subjetiva. Ausência de desoneração da pessoa jurídica. Inexigência de insolvabilidade da pessoa jurídica contribuinte. Natureza de responsabilidade solidária decorrente de ato ilícito. Solidariedade do tipo impróprio. Hipótese de declaração da obrigação do responsável e não de constituição. Relação jurídica de garantia. Autonomia da obrigação do administrador-infrator em relação à obrigação (crédito tributário) do contribuinte no que tange à natureza (licitude ou ilicitude do fato jurídico), ao nascimento (momento do surgimento) e à cobrança (exigência simultânea ou não), e subordinação no que tange à existência, validade e eficácia. Não-ocorrência de decadência. Perfazimento da prescrição da obrigação do responsável no mesmo momento da prescrição do crédito tributário do contribuinte. Possibilidade de declaração da responsabilidade do administrador-infrator por autoridade administrativa ou judicial, ou por ato do Procurador da Fazenda. Possibilidade de lavratura de auto de infração para declaração de responsabilidade do administrador. Inexistência de nulidade por ausência de participação do responsável na constituição do crédito tributário da pessoa jurídica contribuinte. Possibilidade de manejo de todos os meios de proteção do crédito tributário em face do administrador-infrator que já teve sua responsabilidade declarada administrativa ou judicialmente.


    I
    OBJETO DA CONSULTA

     Trata-se de consulta formulada a este Procurador pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a respeito da natureza da responsabilidade tributária dos administradores - sócios ou não - das sociedades limitadas e das sociedades anônimas, derivada da aplicação do art. 135, III, do Código Tributário Nacional.

    2. O propósito da consulta formulada é, firmando a natureza da responsabilidade derivada da aplicação do art. 135, III, do CTN, fixar, com segurança, as conseqüências administrativas e processuais do reconhecimento dessa natureza.

    3. Para melhor se interpretar o texto legal objeto deste parecer, mister é, inicialmente, inseri-lo no quadro geral da responsabilidade tributária. É o que passaremos a fazer.

    II
    CONCEITOS E ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

    4. Responsabilidade, em sentido jurídico amplo, denota a sujeição da esfera jurídica - patrimônio stricto sensu ou esfera moral - duma pessoa em razão do descumprimento de norma de conduta que obrigava o sujeito responsável ou terceiro. Responsável, por derivação, segundo nos ensina Hans Kelsen, é o indivíduo contra quem é dirigida a conseqüência do ilícito. A sujeição da esfera moral dá-se, ordinariamente, na responsabilidade penal, a qual pressupõe a identidade entre o sujeito obrigado e o sujeito responsável. Assim, a restrição da liberdade - bem extrapatrimonial - somente pode se impor ao próprio sujeito que descumpriu o comando contido a contrario sensu no tipo penal. Nas formas de responsabilidade civil, administrativa e tributária, a sujeição limita-se ao patrimônio do responsável, o qual não se identifica, necessariamente, com o infrator da norma de conduta anteposta.

    5. Responsabilidade tributária, em sentido ainda amplo, é a sujeição do patrimônio de uma pessoa, física ou jurídica, ao cumprimento de obrigação tributária não-satisfeita pelo próprio responsável ou por terceiro. Com base nesse conceito, responsabilidade tributária aproxima-se de sujeição passiva tributária, mas com esta não se identifica totalmente, visto que a sujeição tributária surge com a ocorrência do fato jurídico tributário, enquanto que a responsabilidade somente vem ao mundo jurídico quando a pretensão tributária torna-se exigível.

    6. Em sentido estrito, em meio à cultura tributarista brasileira, diz-se que responsabilidade tributária é a submissão, em virtude de disposição legal expressa, de determinada pessoa que não é contribuinte, mas está vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, ao direito do fisco de dirigir a prestação respectiva. O conceito aí enunciado decorre do texto do Código Tributário Nacional, que define responsável pelo método da exclusão; vale dizer, define contribuinte, que é o sujeito que pratica o verbo-núcleo da norma hipotética tributária, e, por exclusão, denomina de responsável todo sujeito passivo que responde pela obrigação tributária sem ser contribuinte, compondo essas espécies o gênero de sujeito passivo - arts. 121 e 128 do CTN.

    7. Essa noção de responsabilidade e responsável foi retirada da lição de Rubens Gomes de Souza, que identificava a responsabilidade tributária com a sujeição passiva indireta e dividia-a em transferência e substituição. Na responsabilidade por transferência, segundo seu entender, a obrigação tributária nasceria com o contribuinte e, em decorrência de fato posterior, seria transmitida ao responsável. Na responsabilidade por substituição, opostamente, desde o nascimento da obrigação tributária, esta já seria imposta ao responsável substituto. Próximo dessa classificação, Bernardo Ribeiro de Moraes subdividia a responsabilidade tributária em originária (equivalente à por substituição) e derivada (equivalente à por transferência).

    8. Ainda segundo Gomes de Souza, a responsabilidade tributária por transferência teria três sub-espécies: (a) responsabilidade solidária; (b) responsabilidade por sucessão; e (c) responsabilidade (em sentido estrito). Essa tripartição é ainda hoje acolhida pela doutrina, a qual, porém, denomina de responsabilidade subsidiária o que aquele prestigiado tributarista chamava de responsabilidade em sentido estrito.

    9. A responsabilidade por sucessão dá-se quando um sujeito sucede ao outro em universalidade de bens, créditos e débitos. Essa hipótese não nos interessará no desenrolar deste parecer, porquanto não tem aplicação sequer hipotética no exame do art. 135 do CTN.

    10. A respeito da responsabilidade subsidiária, cabe aqui uma observação relevante. A chamada responsabilidade em sentido estrito de Gomes de Souza não condicionava a responsabilidade do terceiro à insolvabilidade - incapacidade do patrimônio de cumprimento dos débitos - mas ao mero inadimplemento da obrigação tributária. De fato, o renomado autor conceituava a responsabilidade em sentido estrito como a hipótese em que a lei tributária responsabiliza outra pessoa pelo pagamento do tributo, quando não seja pago pelo sujeito passivo direto (grifo do original).

    11. A doutrina atual majoritária, por sua vez, identifica a responsabilidade subsidiária com a hipótese em que, além de não ter sido adimplido no prazo o crédito tributário, o patrimônio do devedor principal é incapaz de satisfazê-lo.

    12. Essa diferença de conceitos foi levada em conta na elaboração do vigente Código Tributário Nacional, como narra Ives Gandra da Silva Martins, ao examinar o art. 134 do CTN:

    A formulação original do anteprojeto, que previa duas hipóteses, 'falta de pagamento' e 'impossibilidade de exigência', foi reduzida à sua última enunciação, na qual o legislador pretendeu, de forma inequívoca, dar um caráter subjetivo à razão pela qual criara a solidariedade, isto é, impossibilidade de ser atendida a obrigação principal pelo contribuinte.

    13. Assim, o art. 134 do CTN acolheu a visão de responsabilidade atada ao conceito de insolvência civil, e não ao conceito de insolvência comercial, este mais ligado à idéia original de Gomes de Souza. Tome-se, por insolvência civil, a insolvabilidade em sentido estrito. Diferentemente, a insolvência comercial diz respeito à falta de pontualidade do comerciante, como bem define De Plácido e Silva:

    Já a insolvência comercial não se funda no desequilíbrio patrimonial do devedor, isto é, na inferioridade do ativo sobre o passivo.

    Manifesta-se pela impontualidade do pagamento da obrigação líquida, no dia de seu vencimento

    Desta forma, pode mesmo ocorrer que o ativo do comerciante se apresente em superioridade ao passivo. Tanto basta, para ser considerável insolúvel, caindo no estado de insolvência, que não pague obrigação líquida e certa, no dia de seu vencimento.

    Mostrando-se, pois, a impossibilidade de pagar, a insolvência comercial firma-se na impontualidade do pagamento, que é devido e exigível no dia do vencimento da obrigação, sem relevante razão de direito (grifo do original).

    14. Em suma, tomando o conceito de Gomes de Souza, dum lado, e o da doutrina que exige a insuficiência de bens da empresa, doutro lado, podemos distinguir a responsabilidade subsidiária em sentido próprio da responsabilidade subsidiária em sentido impróprio, da seguinte forma:

    a) Responsabilidade subsidiária em sentido próprio: incidindo a hipótese legal, a pretensão em concreto para com o responsável surge quando o patrimônio do devedor principal mostrar-se incapaz de satisfazer a inteireza dos créditos tributários (insolvabilidade tributária, paralela à insolvência civil);

    b) Responsabilidade subsidiária em sentido impróprio: incidindo a hipótese legal, a pretensão em concreto para com o responsável surge quando o devedor principal, depois de esgotado o prazo legal ou administrativo, deixa de adimplir o crédito tributário (inadimplência tributária, paralela à insolvência comercial).

    15. Como se pode perceber, a concepção de responsabilidade subsidiária em sentido próprio confere importância ao esgotamento da busca de bens do devedor principal, enquanto que a responsabilidade subsidiária em sentido impróprio focaliza a importância da pontualidade do comerciante, a qual, uma vez esquecida, presume sua incapacidade de solver seus débitos.

    16. Responsabilidade tributária solidária dá-se quando o responsável é chamado para adimplir o crédito tributário concomitantemente com o contribuinte, arcando, independentemente deste, com o pagamento integral do crédito tributário.

    17. A respeito da solidariedade, é preciso desfazer confusões conceituais acerca de sua ocorrência na sujeição passiva tributária. Faz-se necessário distinguir três hipóteses:

    a) Solidariedade entre contribuintes;

    b) Solidariedade entre contribuinte e responsável;

    c) Solidariedade entre responsáveis.

    18. Na responsabilidade entre contribuintes, duas ou mais pessoas são, desde a incidência da norma tributária principal, devedores da obrigação tributária. Nesse caso, não há falar em responsabilidade tributária.

    19. Já a solidariedade entre responsáveis é comum em toda espécie de responsabilidade quando há pluralidade de responsáveis. Assim, por exemplo, na responsabilidade subsidiária em sentido próprio, se dois ou mais são os responsáveis, são eles todos solidários entre si, apesar de seus débitos em concreto dependerem da insolvabilidade do contribuinte. Os responsáveis são solidários entre si, mas não com o devedor principal. Não há, aqui, responsabilidade solidária em sentido estrito.

    20. A solidariedade entre contribuinte e responsável, por sua vez, ocorre quando a obrigação nasce em face do contribuinte mas, em decorrência de fato posterior, passa um terceiro a responder solidariamente com aquele, sem benefício de ordem. Nesse caso, respondem os dois igualmente, sendo a pretensão fiscal dirigida diretamente contra os dois. Eis a responsabilidade tributária solidária em sentido estrito.

    21. Pelo que foi exposto, nota-se que a responsabilidade solidária em sentido estrito aproxima-se, na prática, da responsabilidade subsidiária em sentido impróprio. Assim, nesta última espécie, havendo a impontualidade no pagamento do crédito tributário, surgiria a solidariedade entre contribuinte e responsável. A distinção conceitual, ainda assim, é possível, embora de pouca utilidade.

    22. Finalmente, na jurisprudência, no que tange à responsabilidade de terceiros, surgiu outra dicotomia: responsabilidade objetiva versus responsabilidade subjetiva. O critério de discrímen, nesse caso, é a exigência ou não de ilicitude por parte do responsável para sua configuração como tal. Essa distinção será mais bem desenvolvida à frente.

    III
    PRESSUPOSTOS, PROBLEMAS E OPÇÕES HERMENÊUTICAS DO ART. 135, III, DO CTN

    23. Para iniciar a compreensão do art. 135, III, do CTN, transcrevemos seu enunciado formal:

    Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

    I - as pessoas referidas no artigo anterior;

    II - os mandatários, prepostos e empregados;

    III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

    24. O inciso III do artigo citado trata da responsabilidade dos administradores das pessoas jurídicas. É preciso destacar, desde já, que o fundamento da responsabilização dessas pessoas que detêm poderes de gerência não é sua qualidade de sócio. Assim, o responsável tanto pode ser um sócio-gerente - expressão consagrada na jurisprudência - como pode ser um mero diretor contratado. Repetimos: não é sua condição de sócio que determinará sua responsabilidade. Por isso, entendemos ser equivocado afirmar que a responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN seja exceção ao chamado princípio da entidade, que prega a separação patrimonial entre a sociedade e os sócios. Não é caso de desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se, isto sim, de responsabilidade surgida direta e pessoalmente (pessoalmente responsáveis) contra aquelas pessoas ali previstas que cometerem aqueles atos lá descritos.

    25. O texto legal possibilitou diversas leituras distintas no que tange à responsabilidade que teria sido imposta ao administrador. Podemos constatar que dois problemas surgiram na aferição da natureza da responsabilidade tributária aí estipulada. As dúvidas dizem respeito à (a) natureza do ato que gera a responsabilidade e à (b) natureza da responsabilidade aí surgida.

    26. Quanto à natureza do ato que gera a responsabilidade, podemos identificar três teses:

    i) Responsabilidade subjetiva simples do administrador;

    ii) Responsabilidade subjetiva com culpa presumida do administrador;

    iii) Responsabilidade objetiva do administrador.

    27. A discussão quanto à natureza do ato que gera responsabilidade é menos doutrinária do que jurisprudencial. Deveras, foi nos tribunais que tal discussão encontrou foro e dominou praticamente toda a discussão travada em torno do art. 135, III, do CTN.

    28. Pela tese da responsabilidade subjetiva, a responsabilidade derivada do art. 135, III, do CTN, resultaria de ato ilícito do administrador, não sendo este responsável pelo inadimplemento de obrigações da empresa. A mera decisão de não pagar tributos, outrossim, não poderia ser considerada ilicitude do administrador para efeito de responsabilizá-lo tributariamente.

    29. Já de acordo com a tese da responsabilidade subjetiva com culpa presumida do administrador, a mera existência de poderes de gerência conduziria à presunção simples - admitindo prova em contrário - de que o tributo não foi pago em decorrência de ato ilícito seu. Assim, a existência de (a) inadimplemento tributário e a detenção de (b) poderes de gerência fariam presumir a presença duma das hipóteses previstas no caput do art. 135, chamando a responsabilidade do sócio-gerente, o qual poderia provar em juízo a inexistência de infração de sua parte à lei.

    30. Distintamente, segundo a tese da responsabilidade objetiva, é dever primeiro do administrador pagar os tributos devidos pela empresa. Assim, se estes não foram pagos, há ilicitude por parte do administrador, respondendo este para com o Fisco independentemente de ter praticado qualquer ato ilícito que não o mero não-pagamento de tributos. A rigor, os defensores dessa tese pregavam que a própria ausência de pagamentos de tributos já seria a infração de lei. Assim, a rigor, não se poderia falar em responsabilidade objetiva, porquanto esta dispensa qualquer ilação de ilicitude. Na prática, porém, como essa tese conduziria à responsabilidade dos administradores em qualquer caso em que a empresa não adimplisse no prazo o crédito tributário, acabar-se-ia por impor a responsabilidade tributária independentemente de qualquer aferição de culpa ou dolo do administrador.

    31. Quanto à natureza da responsabilidade, podemos observar a possibilidade de adoção de cinco teses distintas:

    i) Responsabilidade por substituição, exclusiva do administrador que incidiu numa das hipóteses legais;

    ii) Responsabilidade subsidiária, em sentido próprio, do administrador e responsabilidade principal da sociedade;

    iii) Responsabilidade principal do administrador e subsidiária da sociedade;

    iv) Responsabilidade subsidiária, em sentido impróprio, do administrador;

    v) Responsabilidade solidária do administrador que responde com a sociedade igualmente e sem benefício de ordem.

    32. Pela tese da substituição, sendo a responsabilidade do art. 135 do CTN derivada de ato ilícito, deve responder exclusivamente o administrador-infrator, devendo ser desonerada a sociedade. Aduzem os defensores dessa tese que o caput do art. 135 do CTN, ao prescrever que são pessoalmente responsáveis os sujeitos ali designados, acabou por impor a responsabilidade exclusiva dos infratores. Nesse caso, responderia o sócio e não a sociedade. É a posição mais difundida na doutrina.

    33. De acordo com a tese da responsabilidade subsidiária - em sentido próprio - do administrador, este, conquanto tenha agido com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, somente pode ser chamado a responder pelo crédito tributário se o patrimônio da pessoa jurídica não for suficiente para a satisfação de tal crédito. Invoca-se, em favor de tal tese, o chamado princípio da entidade, que apartaria os patrimônios da pessoa jurídica e os dos sócios. Assim, se a sociedade tivesse bens suficientes para o cumprimento da obrigação, seria desnecessária a responsabilização em concreto do administrador-infrator; vale dizer, sua responsabilidade permaneceria latente, somente produzindo efeitos em caso de insolvabilidade da pessoa jurídica.

    34. Já a tese da responsabilidade principal do administrador-infrator e subsidiária da pessoa jurídica é justificada pela conjugação do art. 135 com o art. 128, o qual, no início do Capítulo da Responsabilidade Tributária e na Seção de Disposição Geral, enuncia que a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. Perceba-se que a responsabilidade supletiva é atribuída ao contribuinte - pessoa jurídica - e não ao terceiro responsável. Assim, e considerando que trata o art. 135 do CTN de responsabilidade por infração à norma de direito (lei, contrato ou estatuto), faria sentido responsabilizar inicialmente o infrator para só em caso de uma inaptidão patrimonial exigir o cumprimento da obrigação pela sociedade.

    35. A seguir, se adotada a tese da responsabilidade subsidiária imprópria do administrador-infrator, este, se agisse em contrariedade ao Direito, responderia pelo crédito tributário caso a sociedade não viesse a adimpli-lo no prazo previsto em lei ou regulamento. Repare-se que, nesse caso, o administrador não responderia pelo só fato de não ter sido pontual a pessoa jurídica. A responsabilidade surgiria pelo cometimento de ato ilícito, mas sua responsabilidade ficaria condicionada ao não-pagamento do tributo pela sociedade. Assim, por exemplo, ainda que tenha o administrador realizado atos fraudulentos a fim de encobrir a ocorrência do fato jurídico tributário, promovendo, assim, a sonegação fiscal, se a pessoa jurídica, antes de descoberta a fraude pelo Fisco, vem a pagar corretamente os tributos devidos, inclusive dentro do prazo legal, nunca teria surgido a responsabilidade em concreto para o infrator, o qual permaneceria sem sofrer qualquer tipo de sanção. Esta, a sanção de responsabilidade, dependeria de uma condição posterior: o não-pagamento do crédito tributário.

    36. Por fim, de acordo com a tese da responsabilidade solidária (em sentido estrito), a existência de responsabilidade do administrador não afeta a responsabilidade da pessoa jurídica, permanecendo ambos igualmente responsáveis pelo crédito tributário, sem benefício de ordem. Assim, nem haveria desoneração da pessoa jurídica em razão da responsabilidade do administrador, nem dependeria a responsabilidade deste do esgotamento do patrimônio da sociedade. Responderiam ambos, integral e solidariamente.

    37. Enfim, são essas as opções hermenêuticas que se abrem para o aplicador do art. 135, III, do CTN. Para melhor definir a via mais adequada a ser traçada, precisamos observar o que se encontra na jurisprudência sobre o tema. Mais precisamente, analisaremos a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que é o intérprete oficial da legislação federal.

    IV
    A NATUREZA DOS ATOS GERADORES DA RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES

    38. A respeito da natureza dos atos causadores da responsabilidade tributária dos administradores (sócios-gerentes, na expressão consagrada), oscilou bastante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

    39. Em verdade, antes mesmo de ser instituído o STJ, por obra da vigente Constituição da República, já se julgava a questão da responsabilidade dos sócios-gerentes no Supremo Tribunal Federal, que fazia as vezes de guardião da legislação federal antes do surgimento da Carta Cidadã de 1988. A jurisprudência do Pretório Excelso, naquele tempo, também remetia ao art. 135 do CTN, segundo o qual responde o sócio-gerente que houver praticado atos com excesso de poderes ou infração à lei. Apesar de os acórdãos então exarados afirmarem que o sócio de sociedade de responsabilidade limitada só responde em razão de ofensa à lei ou transbordamento de suas faculdades sociais, presumia-se sua culpa e imputava-se-lhe responsabilidade quando houvesse ele poderes de gerência; vale dizer, quando fosse ele sócio-gerente. O sistema assim adotado jurisprudencialmente era o da responsabilidade tributária subjetiva por culpa presumida do sócio-gerente. Citamos julgado do STF que demonstra essa linha de entendimento:

    EMENTA: Tributário. Penhora. Sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Sócio-gerente: substituto tributário. Art. 135, III, do CTN.
    É cabível a citação de sócio-gerente de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, como substituto tributário desta, sem necessidade de constar o nome daquele na certidão de inscrição da dívida ativa, com base no art. 135, III, do CTN, e independentemente de processo judicial prévio para a verificação das circunstancias de fato previstas no caput daquele mesmo art. 135, fazendo a discussão ampla a respeito em embargos de executado (art. 745, parte final do CPC).
    Recurso extraordinário conhecido e provido, para citação do sócio-gerente e penhora de seus bens para garantia da execução, no caso de não pagamento do débito (RE 113.852-1/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ de 18.9.87, pg. 19.675, grifo nosso).

    40. Perceba-se, pela ementa acima colacionada, que não se afirma ser objetivamente responsável o sócio-gerente. Todavia, admitiu-se sua responsabilização ainda que seu nome não conste da CDA e sem necessidade de a Fazenda Pública provar, em incidente na execução fiscal ou em processo prévio, o ato ilícito do agente. A este caberia, portanto, em embargos à execução, a prova de inexistência de ato ilícito ou praticado com excesso de poderes. Noutros termos, poder-se-ia dizer que haveria uma inversão do ônus probatório, presumindo-se, iuris tantum, a responsabilidade do sócio que possui poder social de administração.

    41. A respeito da responsabilidade do sócio-gerente, o Tribunal Federal de Recursos - TFR -, antecessor institucional do STJ, possuía súmula de jurisprudência dominante no seguinte sentido:

    112. Em execução fiscal, a responsabilidade pessoal do sócio-gerente de sociedade por quotas, decorrente de violação da lei ou excesso de mandato, não atinge a meação da mulher.

    42. Mais uma vez, menciona-se a responsabilidade decorrente de violação da lei ou excesso de mandato, mas não se observa qualquer menção à responsabilidade objetiva ou à responsabilidade por culpa presumida. Entretanto, a jurisprudência do TFR seguia a do STF, no sentido da inversão do ônus da prova da prática de ato ilícito pelo sócio-gerente, com presunção simples desse fato. É o que aqui se nota:

    PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. SÓCIO-GERENTE. SOCIEDADE POR QUOTAS. RESPONSABILIDADE.
    I. O sócio-gerente, responsável por substituição (CTN, art. 135, III), pode ser chamado ao processo de execução, defendendo-se por meio de embargos do devedor, sem necessidade de constar o seu nome do título extrajudicial (certidão de inscrição do débito na divida ativa). Nessa qualidade, pode ter seus bens penhorados, independentemente de ação prévia para apuração de responsabilidade, certo, entretanto, que essa matéria poderá ser debatida e examinada nos embargos do devedor.
    II. O mero sócio, que não tem atribuições de gerência, não é responsáve1 por débitos fiscais da empresa, uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, mesmo porque esta não é sociedade de pessoas, mas de capital.
    Inaplicabilidade, por isso, do disposto no art. 134, VII, CTN.
    III. Agravo improvido (AG 56.049/PE D.J.U de 3.10.88, p. 28.270, grifo nosso).

    43. O primeiro precedente do Superior Tribunal de Justiça que colhemos seguiu a mesma linha do STF e do TFR. Trata-se do REsp 18/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Geraldo Sobral, D.J.U. de 25.10.1989. Apesar de o caso lá julgado ter em seu suporte fático a dissolução irregular da sociedade (fato esse que, desde a antiga jurisprudência do STF até a atual orientação do STJ, possibilita a responsabilização do sócio-gerente), procurou-se adotar a lição firmada no STF e no TFR, citando o eminente Relator os mesmos julgados que acabamos de transcrever há pouco.

    44. A partir daí, a jurisprudência da Corte foi seguindo a trilha da objetivação da responsabilidade. Já no REsp 11.335/SP (Rel. Min. Garcia Vieira, julgado em 19.2.1992 e publicado no D.J.U. de 6.4.1992), a Primeira Turma do STJ deu um passo à frente e, versando sobre tributo do tipo indireto (no caso, o ICMS), repassando o contribuinte de direito o ônus tributário ao contribuinte de fato, entendeu-se que essa circunstância seria relevante para a responsabilização do sócio-gerente. É verdade que, no caso, também se fez menção à dissolução irregular. De toda forma, cremos ter sido esse um sinal dum processo que veio a tratar com maior rigor o sócio-gerente de sociedade em débito para com o Fisco. Vejamos o voto do Min. Garcia Vieira, que é bastante elucidativo:

    O Sr. MINISTRO GARCIA VIEIRA (RELATOR):- Sr. Presidente: - Os sócios gerentes ou representantes de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, (sic) são pessoalmente responsáveis pelas obrigações tributárias, contraídas em nome da sociedade, se agem com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (Decreto nº 3.708/19, art. 10 e CTN, art. 135, III). Era este o entendimento tranqüilo do TFR, cristalizado na Súmula nº 112. Neste sentido também já decidiram a Excelsa Corte (RE nº 107.322-RJ, DJ de 14.11.85 e RE 114.337-MG, DJ de 16.10.87) e o Superior Tribunal de Justiça (R. Esp. nº 18-RJ, RSTJ 06/247 e R. Esp. nº 4.412-RJ, DJ de 04.03.91). Esta questão, além de tranqüila em nossos tribunais, não constitui objeto de controvérsia nestes autos. Resume-se a questão em se saber se pode o MM. Julgador monocrático indeferir desde logo a penhora em bens do sócio gerente sob fundamento de que não há provas de ter o mesmo agido irregularmente como administrador. Ora, não é necessário um processo prévio para a comprovação da prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Ora, se o débito, objeto da execução (sic) é referente à falta de recolhimento de imposto de circulação de mercadorias (doc. de fls. 06), naturalmente recebido do contribuinte de fato (adquirente das mercadorias da devedora), agiu o sócio gerente com infração à lei, ao dissolver a sociedade irregularmente, sem efetuar o recolhimento devido dos impostos. O sócio, por meio de embargos, poderá alegar e comprovar não ter agido ao arrepio da lei.
    Dou provimento ao recurso.

    45. Daí evoluiu o STJ para a tese da responsabilidade objetiva do sócio-gerente em razão do não-pagamento de tributos. Essa doutrina parte da premissa que a primeira obrigação do administrador seria a de pagar os tributos da empresa. Dessa forma, se alguma exação não fosse paga, qualificava-se esse fato como ilícito. Em decorrência da infração, responderia o sócio-gerente pelo crédito tributário.

    46. Como julgado paradigmático do Pretório Superior no sentido da responsabilidade tributária objetiva do sócio-gerente, colhemos o REsp 7.303/RJ, julgado pela Segunda Turma em 17.6.1992 e publicado em 3.8.1992, abonando os eminentes julgadores o voto do Relator, o Min. José de Jesus Filho. Eis a ementa:

    SOCIEDADE ANÔNIMA. DISSOLUÇÃO. NÃO RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO DIRETOR PRESIDENTE.
    I - O sócio gerente, os diretores ou representantes de pessoas jurídicas, definidos no contrato social, respondem ilimitadamente pelos créditos tributários, desde que praticados com excesso de poderes ou infração de lei, incluindo-se nesta, (sic) o não recolhimento das contribuições previdenciárias.
    II - Recurso desprovido (grifo nosso).

    47. Note-se que a empresa ali abordada era uma sociedade anônima, e não uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada. De toda sorte, tanto uma quanto outra, para fins de aplicação do CTN, deve ser considerada como sociedade de capital, encontrando-se ambas na mesma situação em termos de responsabilização dos administradores por créditos tributários inadimplidos. O mais importante a se observar desse julgado é que, pela primeira vez (salvo engano nosso), a Corte Superior assinalou que o mero não-recolhimento de tributo é ato ilícito e gera, por si só, a responsabilização do sócio-gerente. Eis a essência da chamada doutrina da responsabilidade tributária objetiva dos sócios-gerentes.

    48. Da Primeira Turma, pode-se mencionar o REsp 34.429/SP, julgado em 23.6.1993 e publicado em 6.9.1993, de relatoria do Min. César Asfor Rocha, assim ementado:

    TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO POR DÍVIDA DA SOCIEDADE LIMITADA. REQUISITOS NECESSÁRIOS. PRECEDENTES
    - O sócio-gerente de uma sociedade limitada é responsável, por substituição, pelas obrigações fiscais da empresa a que pertencera, desde que essas obrigações tributárias tenham fato gerador contemporâneo ao seu gerenciamento, pois que age com violação à lei o sócio-gerente que não recolhe os tributos devidos.
    - Precedentes da Corte.
    - Recurso improvido (grifo nosso).

    49. Desse modo, em 1993, pacificou-se a jurisprudência das duas Turmas que compõem a egrégia Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que os sócios-gerentes são objetivamente responsáveis pelos créditos tributários não-pagos pela sociedade.

    50. Atente-se, porém, para o fato de que em momento nenhum se declarou a responsabilidade do sócio pelo mero fato de ser sócio. Ainda a doutrina da responsabilidade tributária objetiva responsabilizava-o pelo crédito tributário, em caso de não-pagamento deste, quando ele detivesse poderes de gerência; vale dizer, quando fosse sócio-gerente. A situação é diferente daquela em que se encontram sócios da sociedade de pessoas, que respondem pelo crédito tributário independentemente da detenção de função de administração.

    51. Dois anos depois, a Corte voltou a refletir melhor sobre o tema. No julgamento do REsp 1.674/GO, julgado em 16.10.1995 e publicado em 6.11.1995, o Min. Ari Pargendler, ainda que vencido como Relator, iniciou o movimento em favor da firmação da doutrina da responsabilidade subjetiva dos sócios-gerentes. Naquela ocasião, assinalou em seu voto-vencido as seguintes palavras:

    A teor do artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
    A responsabilidade aí decorre de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, e, para caracterizá-la, deve-se distinguir entre o que é infração de lei praticada pela sociedade e infração de lei praticada pelo sócio-gerente.
    A falta de pagamento de tributos é, em princípio, infração da sociedade à obrigação legal de pagar tributos. O sócio-gerente pode ser pessoalmente responsável pelos tributos se a falta de pagamento resultar de ato seu praticado com infração à lei.
    Quer dizer, não basta, para tipificar a responsabilidade do sócio-gerente, o inadimplemento da sociedade, porque este pode decorrer do risco natural aos negócios - risco, aliás, pressuposto na própria natureza da sociedade por quotas de responsabilidade limitada.
    (...)
    Até essa data, a responsabilidade que o Recorrente lhe quer imputar decorre de não ter a sociedade pago o Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias, responsabilidade inexistente, porque - como visto - a falta de pagamento de tributos, quando resulta da álea natural aos negócios, não pode ser assimilada à infração prevista no artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional; esta é modalidade restrita de infração à lei, aquela em que o sócio-gerente da pessoa jurídica, através de procedimentos ilícitos, visa a encobrir a própria obrigação tributária (v.g., falta de escrituração regular) ou a diminuir as garantias do crédito tributário (v.g., dissolução irregular da sociedade) (grifo nosso).

    52. O intuito do Min. Ari Pargendler foi demonstrar que o não-recolhimento de tributos é infração da sociedade, e não do sócio-gerente. O dever de pagar tributos é da pessoa jurídica, em razão de sua própria autonomia patrimonial, e não do sócio. Deveras, o crédito tributário compõe o conjunto passivo do patrimônio social. Logo, ultrapassando o argumento de que o dever de pagar o tributo é do administrador, arremata o Min. Pargendler averbando que este só comete ato ilícito se encobre a própria ocorrência do fato jurídico tributário ou se, fraudulentamente, diminui as garantias do crédito tributário.

    53. Coube à Primeira Turma, no julgamento do REsp 86.439/ES, relatado pelo Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 10.6.1996 e publicado em 1º.7.1996, a tarefa de expressamente rejeitar a responsabilização objetiva do sócio que exerce função de gerência em sociedade de responsabilidade limitada. A ementa do julgado é a seguinte:

    TRIBUTÁRIO - SOCIEDADE LIMITADA - RESPONSABILIDADE DO SÓCIO PELAS OBRIGAÇÕES TRIBUTARIAS DA PESSOA JURIDICA (CTN, ART. 173, III).
    I - o sócio e a pessoa jurídica formada por ele são pessoas distintas (Código Civil, art. 20). Um não responde pelas obrigações da outra.
    II - Em se tratando de sociedade limitada, a responsabilidade do cotista, por dívidas da pessoa jurídica, restringe-se ao valor do capital ainda não realizado. (Art. 3.708/1919 - Art. 9.). Ela desaparece, tão logo se integralize o capital.
    III - o CTN, no inciso III do Art. 135, impõe responsabilidade, não ao sócio, mas ao gerente, diret

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