A nova definição de insumos: qual o entendimento da Receita Federal?

Por Fabio Rodrigues de Oliveira

Co-Founder da Busca.Legal.

Publicado em 31/05/2019

Acompanhe o Boletim:

Há pouco mais de um ano, no dia 22 de fevereiro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu uma das questões mais relevantes e polêmicas da área tributária, a definição de insumos para aproveitamento de créditos do PIS e da Cofins.

O Recurso Especial nº 1.221.170 – PR foi julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 (arts. 1.036 e ss. do CPC/2015), mais conhecido como Recurso Repetitivo, que tem por consequência influenciar todas as decisões do Judiciário que tratem de idêntica controvérsia. O CARF, a PGFN e a RFB também passam a seguir a nova orientação.

O que decidiu o STJ?

Em maio de 2018, escrevi o artigo O STJ e a nova definição de insumos: você leu a íntegra da decisão? e fiz algumas críticas à decisão do STJ. A primeira pelo fato de a ementa da decisão dizer uma coisa e sua íntegra, outra. Veja o que diz a ementa da decisão:

2. O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

Pelo exposto, tudo o que for relevante ou essencial para o desenvolvimento de determinada atividade econômica se enquadraria no conceito de insumos. Os gastos com propaganda de uma empresa comercial, por exemplo, certamente se enquadrariam neste conceito.

Analisando os detalhes da decisão, no entanto, a exemplo do voto da relatora, a ministra Regina Helena Costa, encontramos que essencial é o “item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência”. E, por relevante, o item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva, seja por imposição legal.

Estaria então a definição de insumos restrita ao processo produtivo ou à execução do serviço, não alcançando outras despesas, ainda que essenciais ou relevantes, a exemplo dos citados gastos com propaganda?

O que entendeu a Receita Federal?

Um dos pontos de destaque da decisão do STJ é o fato de ter reconhecido como ilegal a definição de insumos que constava da Instruções Normativas nºs 247/2002 e 404/2004 da Receita Federal. E por estar vinculado a esta decisão, o fisco aprovou o Parecer Normativo Cosit/RFB nº 5/2018 para atualizar seu entendimento.

Ao contrário do STJ, a Receita Federal, logo na ementa do Parecer Normativo já expôs seu entendimento, limitando os créditos à área produtiva da empresa, conforme podemos ver a seguir:

Conforme estabelecido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1.221.170/PR, o conceito de insumo para fins de apuração de créditos da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou da relevância do bem ou serviço para a produção de bens destinados à venda ou para a prestação de serviços pela pessoa jurídica.

Voltando ao exemplo dos gastos com propaganda da empresa comercial, podemos concluir, então, que eles continuam afastados da definição de insumos na visão do fisco. Apesar de reconhecer que o novo conceito é mais amplo, ele não alcançaria qualquer gasto essencial ou relevante para a atividade econômica, como nos fez crer a ementa da decisão do STJ.

O problema da subjetividade

A segunda crítica que fiz à decisão do STJ no já citado artigo foi o fato de terem adotado os critérios da relevância ou essencialidade para definir algo como insumo. Além de não estarem previstos na legislação, pecam pela sua subjetividade: o contribuinte pode entender que algo é relevante e o fisco não.

Ou seja, só mudamos o foco das discussões.

Não é por menos que a Receita Federal precisou de 33 páginas para explicar a decisão do STJ, além de reconhecer que “a aplicação concreta dos critérios definidos pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça demanda um processo de análise que muitas vezes pode ser complexo e em alguns casos pode gerar conclusões divergentes”.

Vamos tentar resumir

A leitura da íntegra do Parecer Normativo, não obstante às críticas que possam ser feitas, é fundamental para quem quer conhecer o entendimento do fisco sobre a nova definição de insumos.

A seguir, um resumo de cada item que foi abordado.

1. PRODUÇÃO OU FABRICAÇÃO DE BENS: neste item, o fisco reconhece que fabricação seria sinônimo de industrialização, conceito adotado pela legislação do IPI, mas que produção vai além, alcançando outras atividades que “promovem a transformação material de insumo(s) em um bem novo destinado à venda”, como a fabricação de um pão em uma padaria, ou mesmo “o desenvolvimento de seres vivos até alcançarem condição de serem comercializados”, como a agricultura, a pecuária, a piscicultura, entre outras.

2. INEXISTÊNCIA DE INSUMOS NA ATIVIDADE COMERCIAL: se à decisão do STJ faltou clareza, a Receita Federal foi bem taxativa quanto ao seu entendimento: “não há insumos na atividade de revenda de bens”. Somente teríamos créditos se a pessoa jurídica, de forma concomitante, desempenhar alguma atividade de produção, como a área de panificação de um supermercado.

3. INSUMO DO INSUMO: este sempre foi um item muito polêmico, mas a Receita Federal precisou reconhecer que:

a permissão de creditamento retroage no processo produtivo de cada pessoa jurídica para alcançar os insumos necessários à confecção do bem-insumo utilizado na produção de bem destinado à venda ou na prestação de serviço a terceiros, beneficiando especialmente aquelas que produzem os próprios insumos (verticalização econômica).

4. BENS E SERVIÇOS UTILIZADOS POR IMPOSIÇÃO LEGAL: podem ser classificados como insumos, mesmo não sendo essenciais, os gastos que sejam relevantes ao processo produtivo por imposição legal, a exemplo de equipamentos de proteção individual (EPI). E destaca-se que “nem mesmo em relação aos itens impostos à pessoa jurídica pela legislação se afasta a exigência de que sejam utilizados no processo de produção de bens ou de prestação de serviços para que possam ser considerados insumos”. O fisco traz exemplos de gastos passíveis de créditos:

a) no caso de indústrias, os testes de qualidade de produtos produzidos exigidos pela legislação4; b) tratamento de efluentes do processo produtivo exigido pela legislação c) no caso de produtores rurais, as vacinas aplicadas em seus rebanhos exigidas pela legislação, etc.

E gastos que não seriam passíveis: “a) itens exigidos pela legislação relativos à pessoa jurídica como um todo, como alvarás de funcionamento, etc; b) itens relativos a atividades diversas da produção de bens ou prestação de serviços.”

5. GASTOS POSTERIORES À FINALIZAÇÃO DO PROCESSO DE PRODUÇÃO OU DE PRESTAÇÃO: somente os gastos consumidos durante o processo produtivo enquadram-se como insumos, de acordo com o entendimento do fisco, o que afasta, por exemplo, as despesas com frete de produtos acabados ou com combustível utilizado em frota própria para o mesmo fim.

São reconhecidas, no entanto, algumas exceções, “em relação aos bens e serviços exigidos da pessoa jurídica pela legislação específica de sua área de atuação”, a exemplo de testes de qualidade a serem realizados por terceiros, aposição de selos, lacres, marcas, etc. Mas não estariam alcançados os gastos efetuados após a finalização da produção do bem ou serviço, a exemplo de “garantia de adequação do produto vendido ou do serviço prestado”.

6. DOS CUSTOS DE PRODUÇÃO DE BENS E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E DAS DESPESAS: a definição de insumos não está restrita a conceitos contábeis, mas o fisco reconhece a intersecção entre a definição de insumos e o conceito contábil de custo. Defendo essa posição desde a primeira edição do meu livro “Definição de Insumos Para Apropriação de Créditos do Pis e da Cofins (Fiscosoft Editora)”, publicado em 2011. No já citado artigo O STJ e a nova definição de insumos: você leu a íntegra da decisão?, também reiterei esta posição.

7. INSUMOS E ATIVO IMOBILIZADO: a legislação prevê literalmente a possibilidade de aproveitamento de créditos em relação à depreciação e amortização, mas nada mencionava em relação à exaustão. A visão restritiva da Receita Federal, consequentemente, impedia o aproveitamento de crédito em relação a este último. Com a decisão do STJ, o fisco passou a aceitar a possibilidade de aproveitamento de créditos também sobre exaustão, enquadrando-o como insumo.

A seguir, mais algumas consequências no novo entendimento em relação a bens do ativo imobilizado.

7.1. MANUTENÇÃO PERIÓDICA E SUBSTITUIÇÃO DE PARTES DE ATIVOS IMOBILIZADOS: para que estes itens sejam enquadrados como insumos ou adicionados ao ativo imobilizado, a Receita Federal tomou como ponto de partida a legislação do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas, a qual estabelece que os dispêndios com reparos, conservação ou substituição de partes de bens e instalações do ativo imobilizado da pessoa jurídica:

a) podem ser deduzidos diretamente como custo do período de apuração caso da operação não resulte aumento de vida útil do bem manutenido superior a um ano; b) devem ser capitalizadas no valor do bem manutenido (incorporação ao ativo imobilizado) caso da operação resulte aumento de vida útil do bem manutenido superior a um ano.

Além disso, houve uma ampliação em relação ao seu entendimento anterior, que aceitava tais gastos somente quando “diretamente responsáveis pelo processo de produção de bens destinados à venda ou de prestação de serviços a terceiros”. Agora o fisco reconhece:

que são considerados insumos geradores de créditos das contribuições os bens e serviços adquiridos e utilizados na manutenção de bens do ativo imobilizado da pessoa jurídica responsáveis por qualquer etapa do processo de produção de bens destinados à venda e de prestação de serviço. Portanto, também são insumos os bens e serviços utilizados na manutenção de ativos responsáveis pela produção do insumo utilizado na produção dos bens e serviços finais destinados à venda (insumo do insumo).

7.2. BENS DE PEQUENO VALOR OU DE VIDA ÚTIL INFERIOR A UM ANO: novamente o fisco toma emprestada a legislação do Imposto de Renda e prevê que podem ser diretamente deduzidos como insumo (não precisam ser imobilizados) os bens que apresentarem “valor unitário não superior a R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) ou prazo de vida útil não superior a 1 (um) ano”. Neste sentido, reconheceu a possibilidade de aproveitamento de créditos em relação a moldes e modelos, mas afastou o direto a crédito em relação a ferramentas.

7.3. INSPEÇÕES REGULARES: De acordo com o item 14 da NBC TG 27 (R3) – Ativo Imobilizado, o valor gasto com determinadas inspeções em alguns ativos deve ser “reconhecido no valor contábil do item do ativo imobilizado como uma substituição”. Novamente teremos que tomar emprestadas as definições contábeis para saber se este gasto poderá ser reconhecido como custo e, consequentemente, como insumo.

7.4. PRODUTOS E SERVIÇOS DE LIMPEZA, DESINFECÇÃO E DEDETIZAÇÃO DE ATIVOS PRODUTIVOS: este é outro gasto que passou a ser aceito pelo fisco com base no julgamento do STJ.

8. INSUMOS E ATIVO INTANGÍVEL: com base no inciso XI do caput do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002, e da Lei nº 10.833, de 2003, o fisco aceitava apenas a possibilidade de créditos sobre ativos intangíveis já concluídos adquiridos pela pessoa jurídica, excluindo-se o desenvolvimento próprio de ativos intangíveis.

Com a decisão do STJ, os “bens e serviços utilizados pela pessoa jurídica no desenvolvimento interno de ativos imobilizados podem estar contidos no conceito de insumos e permitir a apuração de créditos das contribuições, desde que preenchidos os requisitos cabíveis e inexistam vedações”.

A seguir, algumas consequências deste entendimento.

8.1. PESQUISA E DESENVOLVIMENTO: novamente são tomadas emprestadas as definições contábeis (itens 51 a 64 do NBC TG 04 (R3) – Ativo Intangível), para concluir que:

somente podem ser considerados insumos para fins de apuração de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins os dispêndios da pessoa jurídica ocorridos após o reconhecimento formal e documentado do início da fase de desenvolvimento de um ativo intangível que efetivamente resulte em:
a) um insumo utilizado no processo de produção de bens destinados à venda ou de prestação de serviços (exemplificativamente, um novo processo de produção de bem);
b) produto destinado à venda ou serviço prestado a terceiros.

8.2. PESQUISA E PROSPECÇÃO DE RECURSOS MINERAIS E ENERGÉTICOS: este é outro exemplo de crédito que passou a ser admitido pela Receita Federal.

9. MÃO DE OBRA: é vedado pela legislação o aproveitamento de crédito sobre o pagamento de mão de obra a pessoa física e não tivemos mudanças quanto a isso. Todavia, o fisco precisou se posicionar em relação a alguns temas.

9.1. TERCEIRIZAÇÃO DE MÃO DE OBRA: a citada vedação alcança apenas o pagamento feito diretamente à pessoa física. Dessa forma, “se a mão de obra cedida pela pessoa jurídica contratada atuar diretamente nas atividades de produção de bens destinados à venda ou de prestação de serviços protagonizadas pela pessoa jurídica contratante”, haverá direito a crédito como insumo.

9.2. DISPÊNDIOS PARA VIABILIZAÇÃO DA ATIVIDADE DA MÃO DE OBRA: em relação a estes gastos, a RFB permanece com sua visão restritiva, afastando a possibilidade de créditos em relação a gastos com “alimentação, vestimenta, transporte, educação, saúde, seguro de vida, etc. (sem prejuízo da modalidade específica de creditamento instituída no inciso X do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002, e da Lei nº 10.833, de 2003)”. Exceção à vedação apenas “caso o bem ou serviço sejam especificamente exigidos pela legislação”, a exemplo dos EPI.

10. COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES: serão admitidos “quando consumidos em máquinas, equipamentos ou veículos utilizados pela pessoa jurídica em qualquer etapa do processo de produção de bens ou de prestação de serviços”.

Não será possível, no entanto, em relação a gastos com veículos utilizados: “a) pelo setor administrativo; b) para transporte de funcionários no trajeto de ida e volta ao local de trabalho; c) por administradores da pessoa jurídica; e) para entrega de mercadorias aos clientes; f) para cobrança de valores contra clientes; etc.”

11. “CUSTOS” DA QUALIDADE: em resumo, são admitidos créditos sobre os testes de qualidade aplicados sobre: a) matéria-prima ou produto intermediário; b) produto em elaboração; c) materiais fornecidos pelo prestador de serviços ao cliente etc. Por outro lado, não são permitidos créditos em relação a gastos com testes de qualidade do serviço de entrega de mercadorias, do serviço de atendimento ao consumidor etc.

12. SUBCONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS: este é outro item que a Receita Federal se mostrava contrária mas que foi obrigada a aceitar após o julgamento do STJ, considerando que se mostre relevante à prestação do serviço.

13. DO VALOR BASE PARA CÁLCULO DO MONTANTE DO CRÉDITO: além de se socorrer dos critérios contábeis, a Receita Federal destaca que o crédito sobre os gastos integrantes do custo do produto está vinculado à possibilidade de crédito sobre o produto, ou seja, só é possível o crédito sobre frete na compra se o produto transportado permitir o aproveitamento de crédito. Além disso, ainda é necessário que a receita decorrente da comercialização de tal item tenha se sujeitado ao pagamento das contribuições. Não será possível, por exemplo, o crédito sobre o frete pago a pessoa física.

14. RATEIO EM CASO DE UTILIZAÇÃO MISTA: como esclarece a Receita Federal, “em diversas hipóteses apresentadas neste Parecer Normativo é possível que o mesmo bem ou serviço seja considerado insumo gerador de créditos para algumas atividades e não o seja para outras”. Nesses casos, “a pessoa jurídica deverá realizar rateio fundamentado em critérios racionais e devidamente demonstrado em sua contabilidade”. Este é mais um caso em que que iremos nos valer das lições da contabilidade.

Conclusão

Havia muita expectativa em relação à decisão do STJ sobre o conceito de insumos. E aqueles que só leram a ementa da decisão comemoraram, acreditando que todas as despesas essenciais ou relevantes à atividade da empresa permitiriam o aproveitamento de créditos.

Mas não foi este o entendimento da Receita Federal que mesmo após a decisão do STJ permanece restringindo o direito ao crédito à área produtiva da empresa, como pudemos observar da análise do Parecer Normativo Cosit/RFB nº 5/2018.

Apesar de achar injusto, entendo que a maior parte do Parecer Normativo está em consonância com decisão do STJ e com aquilo que consta da redação do inciso II do art. 3º das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003. Injusto? Sim, especialmente em relação ao comércio. Mas tanto a Receita Federal quanto o próprio STJ não poderiam ir além.

Àqueles que esperam uma definição mais ampla, além dos custos de produção, ainda resta aguardar o julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo nº 790.928 do Supremo Tribunal Federal, no qual será analisada a amplitude da não cumulatividade. E até que isso ocorra, certamente teremos ainda muitas discussões sobre o conceito de insumos, como já havia antecipado no artigo escrito em maio/2018.

A nova definição de insumos: qual o entendimento da Receita Federal?