RESOLUÇÃO CVM Nº 150, DE 15 DE JUNHO DE 2022 Ratifica a Orientação Técnica OCPC 04 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, que trata da aplicação da Interpretação Técnica ICPC 02 às entidades de incorporação imobiliária brasileiras. O PRESIDENTE DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM torna público que o Colegiado, em reunião realizada em 4 de maio de 2022, com fundamento nos §§ 3º e 5º do art. 177 da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976, combinados com os incisos II e IV do § 1° do art. 22 da Lei n° 6.385, de 7 de dezembro de 1976, bem como nos arts. 5º e 14 do Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019, APROVOU a seguinte Resolução: Art. 1º Fica ratificada a obrigatoriedade para as companhias abertas da Orientação Técnica OCPC 04, que trata da aplicação da Interpretação Técnica ICPC 02 às entidades de incorporação imobiliária brasileiras, emitida pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC, conforme Anexo "A" à presente Resolução. Art. 2º Fica revogada a Deliberação CVM nº 653, de 16 de dezembro de 2010, a partir da vigência desta Resolução. Art. 3º Esta Resolução entra em vigor em 1º de julho de 2022. MARCELO BARBOSA ANEXO "A" COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS ORIENTAÇÃO OCPC 04 Aplicação da Interpretação Técnica ICPC 02 às Entidades de Incorporação Imobiliária Brasileiras Índice Item Contexto, objetivo e alcance 1 - 6 Determinação sobre se um contrato se enquadra no alcance do Pronunciamento Técnico CPC 17 ou do Pronunciamento Técnico CPC 30 - Pontos principais de análise 7 - 32 Considerações finais - Contabilização da receita, custos e despesas da incorporação imobiliária 33 - 37 Contexto, objetivo e alcance 1. A implementação da Interpretação Técnica ICPC 02, correlata à norma internacional IFRIC 15, tem acarretado diversos questionamentos e debates quanto à sua adequação ao ambiente econômico brasileiro. Com o processo de convergência com as normas internacionais de contabilidade (IFRSs), surge o que se considera ser a principal alteração no ambiente normativo brasileiro, ou seja, a mudança cultural na análise, interpretação e implementação das normas de contabilidade. A partir desse novo ambiente, os atos normativos contábeis devem ser lidos e interpretados considerando a essência econômica da(s) transação(ões) que pretendam normatizar, independentemente da forma jurídica de que estejam revestidos. Esse fundamento está expresso no Pronunciamento Conceitual Básico - Estrutura Conceitual para a Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis, principalmente seu item 35 (1) , e no Pronunciamento Técnico CPC 26 - Apresentação das Demonstrações Contábeis, principalmente seus itens 23 e 24 (2) . 2. A estrutura da norma internacional, e agora brasileira, tem como axioma que qualquer norma emitida pelo IASB está subordinada ao objetivo da contabilidade que é o de demonstrar uma visão justa e verdadeira (true and fair view) da situação patrimonial da empresa. 3. O objetivo de um ato normativo contábil é assegurar que as demonstrações contábeis retratem adequadamente (reconhecimento, mensuração e divulgação) as transações financeiras efetuadas pela entidade no ambiente econômico onde ela opera. Assim, a não aplicação de um Pronunciamento, de uma Interpretação ou de uma Orientação somente seria possível se (i) estivesse em desacordo com princípios contábeis generalizadamente aceitos, ou (ii) não se adequasse ao ambiente econômico que pretende representar. 4. Submetendo-se a Interpretação Técnica ICPC 02 (IFRIC 15) ao crivo dessa análise, há a constatação de que não há motivos para arguir-se sua não aderência tanto aos princípios contábeis generalizadamente aceitos, tampouco ao ambiente econômico e jurídico brasileiro. 5. É importante, todavia, alertar que a aplicação da Interpretação Técnica ICPC 02 e desta Orientação às atividades exercidas fora do contexto brasileiro por uma entidade que aplica os Pronunciamentos emitidos por este Comitê, ou que, mesmo exercidas no Brasil, tenham, por disposições legais, contratuais ou outras, condições diferentes das aqui reproduzidas, deve ser feita à luz das condições legais ou contratuais específicas, considerando, se no exterior, a legislação e a jurisprudência específicas. Logo, não se aplica, necessariamente, a tais situações o contido nesta Orientação. Nesse contexto, esta Orientação diz respeito ao que se depreende e se interpreta a partir da Interpretação em questão, considerando as principais características e peculiaridades do ambiente econômico e jurídico em que opera o setor imobiliário brasileiro. 6. O objetivo desta Orientação é o de auxiliar na análise de se os contratos de construção se enquadram mais adequadamente no alcance do Pronunciamento Técnico CPC 17 - Contratos de Construção ou do Pronunciamento Técnico CPC 30 - Receitas e assim auxiliar na definição pelos preparadores das demonstrações contábeis do momento do reconhecimento da receita com a incorporação ou construção de imóveis. Determinação sobre se um contrato se enquadra no alcance do Pronunciamento Técnico CPC 17 ou do Pronunciamento Técnico CPC 30 - Pontos principais de análise 7. A Interpretação ICPC 02 diz que a determinação do momento em que um contrato de construção de um imóvel se enquadra no alcance do Pronunciamento Técnico CPC 17 - Contratos de Construção ou do Pronunciamento Técnico CPC 30 - Receitas depende dos termos do contrato e de todos os fatos e circunstâncias relacionados. Essa determinação exige julgamento com relação a cada contrato, com foco na prevalência da essência econômica sobre a forma, conforme o Pronunciamento Conceitual Básico e o Pronunciamento CPC 26 - Apresentação das Demonstrações Contábeis. 8. A transação imobiliária estará na abrangência do Pronunciamento Técnico CPC 17 - Contratos de Construção quando o contrato de construção se enquadrar na definição exposta no seu item 5: "um contrato especificamente negociado para a construção de um ativo ou de uma combinação de ativos...". No caso de construção com base no que se costuma denominar como "preço de custo", onde o comprador (isoladamente ou coletivamente com um grupo de compradores) contrata a construção de determinado empreendimento imobiliário, em que a entidade contratada é responsável apenas pela construção e gerenciamento da obra, mas a aquisição dos insumos e matérias primas se dá por conta do adquirente (ou à sua ordem) não há normalmente dúvidas de que o modelo contábil a ser seguido é o do Pronunciamento Técnico CPC 17 - Contrato de Construção, com a característica de contrato de prestação de serviços. Algumas dificuldades podem existir apenas para o caso de contrato a preço fixo. 9. Para atingir o primeiro objetivo, ou seja, o enquadramento do contrato, deve ser assumida a premissa de que "a entidade analisou anteriormente o contrato de construção do imóvel e seus eventuais aditivos ou contratos relacionados, tendo concluído que não manterá envolvimento gerencial contínuo associado à propriedade, ou o controle efetivo do imóvel construído, em grau que impediria o reconhecimento de parte ou da totalidade da receita" (item 7 da ICPC 02). Deve ser observado que, se as respostas às questões forem positivas, não haverá o reconhecimento parcial ou integral da receita antes do ponto de transferência do imóvel pronto. 10. Mas, no Brasil, a partir do registro do projeto de construção, memorial descritivo e outros materiais em cartório e, principalmente, a partir do primeiro contrato com o adquirente, a entidade não mais pode alterar o projeto ou o memorial descritivo, a não ser com a anuência unânime dos interessados. Nesse momento, normalmente, não há mais envolvimento gerencial no sentido de manipulação conforme a vontade do incorporador/construtor; não há mais possibilidade de alterações por sua vontade (da entidade incorporadora ou construtora). Passa essa entidade a ser subordinada ao contrato e deve cumpri-lo conforme os termos nele contidos. 11. Por outro lado, também os compradores não possuem liberdade para modificar o que quiserem no projeto em execução. Aliás, nem depois da obra pronta existe ampla possibilidade dessa manipulação por parte dos adquirentes. Concorda-se que o relevante, no caso, é que o poder de controle e o envolvimento gerencial que existiam antes da fase de registro em cartório do projeto e dos demais documentos passam a ser exercidos apenas coletivamente pelos adquirentes, e nunca individualmente. De qualquer maneira, o importante é notar que o incorporador/construtor não mais mantém esse envolvimento e esse controle a partir do registro e da primeira venda. 12. Um ponto que tem trazido muita dúvida: No setor imobiliário brasileiro, as entidades que realizam a incorporação ou a construção de imóveis, diretamente ou por meio de subempreiteiras, firmam contratos antes do término da construção, ou mesmo antes de seu início (na planta) mediante contrato costumeiramente denominado de "promessa de compra e venda". 13. Na realidade, a utilização do "contrato de compromisso de compra e venda" e não "contrato de compra e venda" se dá, via de regra, pela facilidade de se efetivar a operação entre contratante e contratada, reduzindo o tempo e as custas do registro do contrato formal. Esse contrato tem força de uma operação de compra e venda de unidade futura, sendo, via de regra, irrevogável e irretratável para ambas as partes. Um distrato normalmente ocorre por decisão do comprador ou por inadimplemento às suas obrigações de pagamento, sendo essa efetivada com a imposição de perdas importantes o que pode inibir esse cancelamento. A lei somente admite a desistência pelo incorporador no período de carência de 180 dias após o registro do memorial de incorporação se estiver isso explicitamente considerado no plano de incorporação. Após esse prazo, o incorporador está obrigado à construção e entrega das unidades. 14. Nada impede, também, que seja outorgada a escritura definitiva de venda e compra da unidade, mesmo que ainda a ser construída. Com isso, o adquirente pode ser titular do direito de propriedade da unidade futura ou dos direitos de aquisição dessa futura unidade. Mas em ambas as hipóteses têm-se direitos reais. Há casos em que a outorga da escritura definitiva está condicionada a aprovação do vendedor, porém quando esta cláusula estiver vinculada ao fato da compra não ter sido quitada, pode se presumir tratar-se de garantia à liquidação da obrigação do adquirente 15. O adquirente pode dispor livremente sobre os direitos da unidade imobiliária, pagando o imposto de transmissão e demais tributos, se devidos. Isso lhe dá a característica de livre possibilidade de transformação desse direito em dinheiro ou em outro ativo, o que caracteriza controle e detenção de benefícios. 16. Dados evidenciam que a maioria dos contratos tem sido levado a cabo pelos adquirentes, o que faz prevalecer a ideia de que a forma contratada ("promessa de compra e venda") não interfere na essência da transação que é, de fato, uma operação de compra e venda. Assim, não há que se considerar essa forma jurídica como restritiva para decisão da natureza de que trata a Interpretação em análise. 17. Notamos também que em nosso ambiente, de forma geral, ocorre a assunção da dívida pelo comprador quando do acordo contratual, cuja