Aumento do IOF tem inconstitucionalidade da anterioridade ao desrespeitar a noventena

Publicado em 03/06/2025

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I – Introito

O recente aumento do IOF via decreto está na CF/1988, OK. Porém, a Carta Magna exige prazo de 90 dias para o ato do Executivo entrar em vigor. Isto porque a tributação deve observar limites constitucionais, que garantem segurança jurídica e previsibilidade ao contribuinte. O IOF, ainda que dotado de certa flexibilidade normativa, deve respeitar os princípios da legalidade e da anterioridade. A discussão sobre a validade constitucional de aumentos imediatos na alíquota do IOF tem sido reavivada diante de medidas recentes adotadas pelo governo federal.

II – O IOF e sua Flexibilidade Normativa

O IOF está contido no art. 153, V, da Constituição Federal, e incide sobre operações de crédito, câmbio, seguros e títulos e valores mobiliários. Sua alíquota pode ser alterada por ato do Poder Executivo, conforme prevê o art. 153, §1º, da CF:

É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I a IV e VII.

Essa previsão é regulamentada pelo art. 1º da Lei nº 8.894/1994, que delega ao Executivo a competência para alterar as alíquotas do IOF por decreto. No entanto, essa autorização não exime a observância dos princípios constitucionais tributários, especialmente a anterioridade nonagesimal.

III – Como é a Regra da Anterioridade Nonagesimal

A anterioridade nonagesimal, ou “noventena”, está prevista no art. 150, III, “c”, da Constituição Federal, nos seguintes termos:

Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)
c) cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.”

Do ponto de vista da anterioridade anual o IOF pode ser aumento, mas, conforme o art. 150, §1º, da CF, ele não está excluído da noventena. Assim, qualquer aumento de alíquota do IOF que represente aumento de carga tributária deve respeitar o prazo de 90 dias entre a publicação da norma e sua entrada em vigor.

Tanto do exercício seguinte como da nonagesimalidade, garantia ofertada aos contribuintes o conhecimento das alterações tributárias ANTES de sua vigência. Veda a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro (no caso brasileiro, mesmo ano) e antes de decorridos 90 (noventa) dias em que houver sido publicada a lei que instituiu ou aumento tributos e/ou contribuições. O exercício financeiro, no Brasil, corresponde ao ano civil, de 01 de janeiro a 31 de dezembro. O principal objetivo deste princípio é não surpreender os contribuintes.

exceções constitucionais como o II – Imposto de Importação, essencialmente regulatório, assim como o IE – Imposto de Exportação – o IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados – o IOF – Imposto sobre Operações Financeiras, assim como o ICMS – Impostos sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, a CIDE Petróleo, o Empréstimo Compulsório (casos de calamidade pública e guerra externa), Imposto Extraordinário de Guerra e as Contribuições para o Financiamento da Seguridade Social que, assim como o IPI, obedecem apenas a já conhecida noventena.

IV – Há Jurisprudência do STF em caso idêntico da Noventena e o IOF

O Supremo Tribunal Federal tem reiterado que a noventena é aplicável ao IOF:

– RE 177.135/SP (Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 25/06/1999): o STF reconheceu a necessidade de respeitar a anterioridade nonagesimal para os aumentos do IOF, mesmo quando realizados por decreto presidencial.

– ADI 442/DF (Rel. Min. Celso de Mello, DJ 25/11/1994): reafirma que a majoração do IOF está sujeita à regra da noventena.

É incompatível com o ordenamento constitucional o aumento do IOF com efeitos imediatos, por violar o princípio da anterioridade nonagesimal(RE 177.135/SP).

A lei é estática e a convivência social é dinâmica e para conter os desmandos da administração pública o Judiciário age, provocado, protegendo os direitos dos cidadãos. Veja-se através da seguinte ementa:

Ementa: TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. FUNDAMENTO LEGAL EM LEI 041/2003. IPTU E TL REFERENTES AOS ANOS DE 2002/2003. IRRETROATIVIDADE. FERIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA ANTERIORIDADE. EXTINÇÃO DO FEITO. POSSIBILIDADE DE EMENDA OU SUBSTITUIÇÃO DA CDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. IPTU DE 2002. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. PROSSEGUIMENTO DO FEITO QUANTO AOS DEMAIS TÍTULOS.
Verificando os autos, percebe-se que a CDA teve por base a Lei Municipal nº 041 /2003 para fundamentar a inscrição de dívida que teve fato gerador nos anos de 2002 e 2003. Inclusive, o próprio apelante afirma que o cálculo da taxa foi realizado de acordo com os critérios constantes da legislação que passou a vigorar a partir de dezembro de 2003, que somente poderia produzir efeitos para as dívidas constituídas posteriormente a sua entrada em vigor. No caso, tal não é possível, pois devem ser respeitados os princípios da legalidade e da anterioridade da lei, de acordo com o art. 150 , III , a e b , da Constituição Federal e com o art. 193, III, a e b, da Constituição Estadual .Destarte, os tributos anteriores a 2004, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei 041 /03, devem ser corrigidos e analisados sob a égide da lei da época da constituição do crédito, não podendo, inclusive, pela mesma razão, a UFISG ser fator de correção.
Assim sendo, entendo que não fosse dada a oportunidade de substituição da CDA viciada, os princípios da ampla defesa, do contraditório e do interesse público seriam, por sua vez, violados. Contudo, no que tange ao IPTU do ano de 2002, o mesmo já se encontrava prescrito quando do ingresso da ação fiscal em 2007, reconhecendo-se de ofício a causa extintiva. O STJ já pacificou seu entendimento neste sentido na súmula nº. 392.Recurso ao qual se dá provimento com fundamento no art. 557, § 1º-A, do CPC, a fim de prosseguir a execução fiscal quanto aos títulos de 2003.

Portanto, os contribuintes prejudicados nos seus direitos pelo desrespeito ao texto Constitucional poderão recorrer ao Judiciário para garantir seus direitos de somente submeterem às normas constantes do recente decreto após cumprido o prazo legal e constitucional.

V – Em 2021 teve Decreto nº 10.797/2021

O Decreto nº 10.797, de 16 de setembro de 2021, majorou as alíquotas do IOF sobre operações de crédito com vigência no dia útil seguinte à sua publicação. A medida visava arrecadação adicional para financiar programas sociais. Contudo, ao produzir efeitos imediatos, violou o art. 150, III, “c”, da CF, ao não respeitar o prazo de 90 dias.

Apesar da justificativa de interesse público, nenhuma exceção à noventena está prevista para o IOF na Constituição Federal. Assim, o aumento foi amplamente criticado por doutrinadores e alvo de contestações judiciais, favoráveis aos contribuintes, pelo STF.

VI – O que diz a Doutrina Tributária

A doutrina reforça o entendimento de que o IOF está sujeito à noventena:

Mesmo os tributos com alíquota alterável por decreto devem respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal. A norma constitucional é clara ao excluir do seu alcance apenas a anterioridade anual.”
(MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 38. ed., São Paulo: Malheiros, 2017, p. 260)

Outro autor renomado também pronunciou:

A flexibilização da legalidade não se confunde com a desconsideração das garantias temporais do contribuinte. A noventena visa justamente impedir o confisco súbito e arbitrário.”
(CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS, 14. ed. São Paulo: Leandro Paulsen o denomina “Princípio da Reserva Legal”

Em que “a lei é a fonte da obrigação tributária, que surge com a sua incidência e não por força de acordo de vontades. Por isso, diz-se que se trata de obrigação ex lege

Já Hamilton Dias de Souza vê o “Princípio da Legalidade como Garantia Fundamental:

De todos, os princípios constitucionais erigidos como garantia fundamental do contribuinte, o mais importante é o da legalidade da tributação, previsto no art. 150, I. Resulta da velha tradição do constitucionalismo segundo o qual o tributo não pode ser instituído sem autorização do povo através de seus representantes, de tal sorte que só a lei ordinária emanada do nível de governo competente pode criar tributos“.

VII – Conclusão

Por todo o exposto, podemos concluir que aumento do IOF por decreto do Executivo com efeitos imediatos, sem o cumprimento do prazo de 90 dias previsto na anterioridade nonagesimal, configura manifesta inconstitucionalidade. A Constituição Federal não autoriza, mesmo por razões emergenciais, a supressão desse direito fundamental do contribuinte. Qualquer alteração normativa que aumente a carga tributária deve observar, no mínimo, o prazo de 90 dias entre sua publicação e sua exigibilidade.

Referências

– Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
– Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.
– Lei nº 8.894, de 21 de junho de 1994.
– Decreto nº 10.797, de 16 de setembro de 2021.
– STF. RE 177.135/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 25/06/1999.
– STF. ADI 442/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 25/11/1994.
– APELACAO APL 199495220078190004 RJ 0019949-52.2007.8.19.0004 (TJ-RJ) Data de publicação: 03/05/2012;
– MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 38. ed. São Paulo: Malheiros, 2017.
– CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2018.
– Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, Ed. Esmafe, RS, pg. 115.
– Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. I, coord. Ives Gandra da Silva Martins, E. Saraiva, 1998, pg. 8;

Aumento do IOF tem inconstitucionalidade da anterioridade ao desrespeitar a noventena