O Imposto de Renda Pessoa Física e as moléstias graves

Por André Henrique Lemos

Advogado, professor, palestrante; conselheiro titular do CARF (2016-2018); conselheiro suplente no TAT/SC (2012-2018); diretor da regional de SC do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial – IBDEE; presidente da comissão de governança corporativa e compliance do Instituto dos Advogados de SC – IASC; árbitro empresarial.

Criado em 18/03/2020      Publicado em 18/03/2020

Acompanhe o Boletim:

Mês de abril se avizinhando, torna-se inevitável não pensar na Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

Por esta razão, traz-se neste escrito, um assunto vivenciado por muitos, qual seja, o acometimento a moléstias graves, e além de todos os protocolos medicinais, consequências tributárias, sendo estas, o objeto de algumas considerações.

Diferentemente da imunidade, as isenções são concedidas ou revogadas por meio de lei. Em outras palavras, são institutos jurídicos que retiram do campo de incidência, determinada tributação, a imunidade, pela própria Constituição Federal; a isenção, pela lei.

Às moléstias graves, como não constam das alíneas “a” a “d” do inciso VI, do artigo 150 da Constituição Federal são alvo isenção tributária, ou seja, legal e não constitucional.

Confirmando esta técnica, tem-se várias legislações que tratam do assunto, começando pelo inciso XIV, do artigo 6º, da Lei 7.713/88, com redações das Leis 11.052/2004 e 13.105/2015 que determina:

“Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas:

XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;”

O Regulamento do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (Decreto 9.580/2018), também trata sobre o assunto:

“Art. 35. São isentos ou não tributáveis:
b) os proventos de aposentadoria ou reforma motivadas por acidente em serviço e aqueles percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson , espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida e fibrose cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou da reforma;”

Como se vê, um rol de 17 (dezessete) doenças graves estão isentas do IRPF, tanto para as contraídas antes ou depois da aposentadoria ou da reforma.

Um ponto fundamental para se conseguir a isenção do IRPF é quanto à prova, esta, por meio de laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme preceitua o artigo 30 da Lei 9.250/1995.

Portanto, tal prova é imprescindível para a obtenção da isenção, como decide o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF:

ISENÇÃO. LAUDO PERICIAL. REQUISITOS. SERVIÇO MÉDICO OFICIAL. MOLÉSTIA GRAVE. COMPROVAÇÃO.
Para efeito do reconhecimento das isenções de que tratam os incisos XIV e XXI do art. 6º da Lei nº 7.713, de 1988, sem prejuízo das demais exigências legais relativas à matéria, somente podem ser aceitos laudos periciais expedidos por instituições públicas, ou seja, instituídas e mantidas pelo Poder Público. Os laudos médicos expedidos por entidades privadas não atendem à exigência legal, não podendo ser aceitos, ainda que o atendimento decorra de contratos de gestão ou convênios. (Acórdão 2201-006.108, de 11/03/2000, votação unânime para negar provimento ao recurso voluntário interposto pelo contribuinte).

Bom se diga que, embora a maioria das decisões do CARF se incline à obrigatoriedade do laudo pericial oficial, há decisões entendendo que havendo outras provas idôneas que revelem a verdade material, a isenção há de ser concedida:

IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO DOS RENDIMENTOS DE APOSENTADORIA E PENSÃO POR MORTE POR BENEFICIÁRIO PORTADOR DE HIV. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NO LAUDO PERICIAL DA DATA EM QUE A DOENÇA FOI CONTRAÍDA. COMPROVAÇÃO POR MEIO DE OUTROS DOCUMENTOS LEGÍTIMOS.

Para que o beneficiário faça jus a isenção do IRPF por ser portador de HIV deve ser comprovada a sua condição de saúde atestada por laudo médico oficial. No presente caso, ante a ausência de comprovação deste requisito, e com base no princípio da verdade material, atestada a comprovação da doença por outros documentos idôneos que somados ao laudo oficial atestam o reconhecimento anterior da doença, há de ser reconhecido seu direito à isenção.
Recurso Voluntário Provido. (Acórdão 2401-004.312, relator Carlos Alexandre Tortato, maioria de votos pelo provimento do recurso voluntário, vencido o conselheiro Arlindo da Costa e Silva que o negava provimento). No mesmo sentido: acórdão 2401-004.311.

Neste norte, aliás, também navega a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, o qual também relativiza a imprescindibilidade do laudo pericial oficial, como são os casos do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial – AGARESP 533.874, DJe 16/05/2017 e do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial – AINTARESP 1.052.385, DJe 28/11/2019, fazendo com que o magistrado possa se valer de outras provas para formar o seu convencimento (REsp. 1.584.534/SE, DJe 29/08/2016 e REsp. 1.593.845/MG, DJe 01/06/2016).

Superada a questão de prova, o CARF possui Súmulas sobre isenção de moléstias graves:

Súmula CARF nº 43: Os proventos de aposentadoria, reforma ou reserva remunerada, motivadas por acidente em serviço e os percebidos por portador de moléstia profissional ou grave, ainda que contraída após a aposentadoria, reforma ou reserva remunerada, são isentos do imposto de renda.

Súmula CARF nº 63: Para gozo da isenção do imposto de renda da pessoa física pelos portadores de moléstia grave, os rendimentos devem ser provenientes de aposentadoria, reforma, reserva remunerada ou pensão e a moléstia deve ser devidamente comprovada por laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

Decisões judiciais também seguem o mesmo entendimento (Apelação em Reexame Necessário 5006166-91.2013.404.7102, TRF4, julgamento 13/05/2015; Agravo Regimental em Agravo no Recurso Especial 379.285, STJ, DJe 29/10/2013).

Importante ressaltar que em dezembro de 2019, o STJ propôs afetação conjunta dos Recursos Especiais 1.814.919 e 1.836.091 como representativos de controvérsia, os chamados recursos repetitivos (Tema 1.037), para os quais, quando julgados seus méritos, tais julgamentos se estenderão a todos os contribuintes que se encontrem na mesma situação.

Discute-se nestes Recursos Especiais se há isenção de IRPF para o portador de moléstia grave (neoplasia) que esteja em exercício de atividade laboral ou apenas ao aposentado.

Também há Tema Repetitivo 250/STJ (REsp. 1.116.620/BA), em que se discutiu se o rol de moléstia graves do artigo 6º, XIV da Lei 7.713/88 é taxativa ou exemplificativa, decidindo o Egrégio Tribunal que o rol é taxativo, significando que não são isentos do imposto os proventos percebidos por aposentados portadores de moléstias graves não elencados no artigo 6º, XIV da Lei 7.713/88, cujo acórdão transitou em julgado em 27/09/2010.

Deste modo, percebe-se que o tema tem suas particularidades, exigindo muita atenção dos profissionais do Direito e das Ciências Contábeis, fazendo com que pessoas afetadas a tais moléstias pleiteiem isenção do IRPF, seguindo as orientações legais e jurisprudenciais acima, uma questão ligada à dignidade da pessoa humana e a materialização dos direitos fundamentais sociais.

O Imposto de Renda Pessoa Física e as moléstias graves