Pandemia da Covid-19 e Postergação do Recolhimento de Tributos Federais, Estaduais e Municipais

Por Adonilson Franco

Franco Advogados Associados.

Criado em 03/04/2020

Publicado em 03/04/2020

Acompanhe o Boletim:

Com a total paralisação da economia que assolou o País a partir da segunda metade do mês de março de 2020, com especial ênfase para comércio e serviços, o pânico tomou conta do empresariado, principalmente porque as contas não param, notadamente as obrigações relacionadas a folha de pagamentos.

Como proceder em relação a uma dessas obrigações que traduzem, por si só, forte pavor para os empresários – recolhimento dos tributos? E é justificável esse pânico porque as punições impostas no caso de não recolhimento revelam-se cada vez mais severas: protesto e até prisão, conforme o caso. Ou, no mínimo, multa de 20% em 60 dias que, num cenário de juros reais quase zero, é igualmente apavorante.

Muitos contribuintes, no âmbito dos tributos federais, foram atrás de ressuscitar uma Portaria do Ministério da Fazenda 12/2012. 

Aquela Portaria prorrogou as datas de vencimento de tributos federais devidos pelos contribuintes domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, para o último dia útil do 3º mês subsequente, e é aplicável ao mês da ocorrência do evento que ensejou a decretação do estado de calamidade pública e ao mês subsequente. Inclui ainda o parcelamento concedido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pela Receita Federal do Brasil (RFB). A suspensão se inicia no primeiro dia do evento que ensejou a decretação do estado de calamidade pública. 

Sua aplicação depende de ato complementar da RFB e PGFN, inclusive definição dos municípios alcançados por essa prorrogação. Até hoje essa Portaria jamais foi regulamentada pela RFB ou PGFN. 

O Ministério do Desenvolvimento Regional editou a Portaria 743 (26.03.2020) por meio da qual resolveu que os procedimentos e critérios para o reconhecimento federal da decretação de situação de emergência ou de estado de calamidade pública pelos Municípios, Estados e Distrito Federal, decorrente da Covid-19, serão aqueles nela previstos. O reconhecimento federal se dará por meio de Portaria mediante requerimento do Prefeito ou do Governador acompanhado dos seguintes documentos:

a) Decreto de situação de emergência ou estado de calamidade pública

b) Parecer do órgão de proteção e defesa civil;

c) Relatório do órgão de saúde indicando a existência de contaminação local. 

No Estado de São Paulo o estado de calamidade pública foi declarado pelo Decreto 64.879/2020 e Decreto 64.881/2020, suspendendo oficialmente todas as atividades não essenciais até 30.04.2020. No Rio Grande do Sul, pelo Decreto 55.128/2020. No Rio de Janeiro, pelo Decreto 46.984/2020. Minas Gerais, pelo Decreto 47.891/2020. No Município de São Paulo, pela Lei 17.335.

No âmbito federal o reconhecimento de calamidade pública se deu por força do Decreto Legislativo 6/2020, com efeitos até 31.12.2020 e pela Lei 13.979/2020. Ou seja, em âmbito nacional está reconhecido o estado de calamidade pública, o que inclui todos os Estados e todos os Municípios. E as legislações estaduais colocam todos os municípios sob esse estado excepcional.

Por isso, no âmbito federal foi editada a Resolução CGSN 152/2020 prorrogando o recolhimento de todos os tributos embutidos nas guias do Simples Nacional (IPI, IRPJ, CSLL, PIS/COFINS, ICMS, ISS), por 6 meses a contar do vencimento original em 20.04.2020. Ou seja, durante 3 meses (períodos de apuração de março, abril e maio) os tributos vencíveis mensalmente a partir de 20.04.2020, ficam prorrogados por 6 meses.

Com base nesses elementos, de forte impacto, muitos contribuintes têm ido ao Judiciário e obtido liminares reconhecendo o direito de prorrogar o recolhimento de tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS/COFINS), geralmente por 3 meses contados da data de cada vencimento e condicionado à manutenção dos empregos.

Normalmente a decisão liminar tem contemplado o prazo de 3 meses, mas é de se indagar se esse prazo não deveria se estender até 31.12.2020, período abrangido pelo estado de calamidade nacional! Isto porque no caso de um evento pontual que tenha determinado a suspensão do recolhimento dos tributos, o prazo de 3 meses poderia ser contado a partir dele, mas e numa situação excepcional que se prorroga no tempo e em que inexiste uma data inicial já que a cada dia ela se renova? Parece razoável considerar que o prazo de 3 meses comece a fluir a partir da interrupção do estado de calamidade que já está fixado em âmbito nacional para perdurar até 31.12.2020.

Há decisões reconhecendo também a prorrogação do recolhimento dos tributos estaduais e municipais. Inclusive no âmbito estadual para débitos vencidos de 01.03.2020 até 01.05.2020. 

A FIESP já ajuizou ação pedindo a prorrogação dos parcelamentos dos tributos estaduais (incluindo Simples e Substituição Tributária) de março a junho, por 180 dias a contar de cada vencimento, sem multas. 

Os Estados já decidiram que não adotarão, isoladamente, medidas relacionadas à postergação do ICMS, mesmo existindo o Convênio ICMS 181/2017, com base no qual o Estado do Paraná adiou o prazo de recolhimento desse imposto por 3 meses.

Trata-se, afinal, de prorrogação que atende à justiça fiscal, capacidade contributiva e razoabilidade e liberdade econômica, pois sem receita não há como manter o giro do empreendimento, o que inclui pagamentos de salários, fornecedores, dívidas e, claro, tributos. Se os Estados, como São Paulo, foram ao STF e conseguiram prorrogação do pagamento de suas dívidas com a União, por que os contribuintes não se intitulariam a tal benefício? Ainda mais que Estados Federativos – assim como a União e Municípios –, detêm muito maior poder de pagamento porque podem emitir títulos públicos negociáveis no mercado, resgatáveis em até 30 anos, o que o particular não pode fazer. Nem mesmo as empresas listadas na Bolsa, porque o mercado acionário está despencando num ritmo sem precedentes.

Os argumentos para ir ao Judiciário são consistentes: os bancos privados não estão concedendo crédito e os bancos públicos, quando o fazem, é mais oneroso às empresas do que a prorrogação do recolhimento dos tributos.

Por incrível que pareça, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE) manifestou-se contrária ao adiamento do recolhimento do ICMS ou dos parcelamentos em curso. Segundo ela, nesse momento todo o esforço deve se concentrar em políticas de emergência para salvar vidas. E a perplexidade se justifica porque o Governador tem vindo a público, na TV, pedindo que as empresas não dispensem seus empregados! Como se dinheiro nascesse em árvores.

Diante disso, alguns contribuintes têm utilizado a teoria do fato do príncipe para sustentar que a imposição de quarentena embasaria o direito ao adiamento do recolhimento dos tributos. Para a PGE não há fato do príncipe porque a pandemia foi declarada pela Organização Mundial da Saúde.

O fato – e esse é incontornável –, é dever do Estado (União, Estados e Municípios) assegurar o direito à propriedade (CF, art. 5º, caput e XXII), ainda porque a propriedade deve atender à sua função social (CF, art. 5º, XXIII) o que significa riqueza, empregos e financiamento do erário público via tributos, além de constituir princípio da ordem econômica assegurar a propriedade privada (CF, art. 170, II) e função social da propriedade (CF, art. 170, III). Por isso é que toda a estrutura jurídica é concebida para preservar a empresa (lei de falências e recuperação judicial) e as decisões judiciais estão sempre em consonância com esse objetivo maior.

Ante esse cenário calamitoso que ninguém sabe até quando perdurará, é dever dos contribuintes lançar mão da única alternativa disponível: ir ao judiciário buscar prorrogar ao máximo sua sobrevida, o que passa pela contenção de todos os gastos e despesas, inclusive e sobretudo de natureza tributária.

Importante considerar que tudo o quanto aqui articulado é igualmente aplicável aos tributos federais, estaduais e municipais.

Nosso Escritório está preparado para prestar os esclarecimentos necessários.

P.S.: Em 01.04.2020 a Receita Federal anunciou o adiamento do recolhimento do PIS/COFINS e Contribuição Previdenciária Patronal, de abril e maio, para agosto e outubro, respectivamente. E quanto aos demais tributos federais? E os estaduais e municipais? E quanto a duração do estado de calamidade quando somente após sua cessação é que a economia voltará a girar plenamente?

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