Medidas editadas pelo Governo para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019 e seus impactos nos contratos de trabalho.

Por Claudia Campas Braga Patah

Sócia fundadora de Patah e Marcondes Sociedade de Advogados. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP em 1988. Especialista em Direito Coletivo pela PUC/SP. Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Conselheira do Conselho Superior de Direito da Fecomércio – SP.

e Por Débora Marcondes Fernandez

Sócia fundadora de Patah e Marcondes Sociedade de Advogados. Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) em 1990. Especialista em Direito Constitucional do Trabalho pela FADISP. Mestre em Direito pela FADISP. Professora de Direito Processual do Trabalho, Direito do Trabalho e Prática Jurídica do Trabalho do Curso de Direito da UNIP desde 2005.

Criado em 03/04/2020

Publicado em 03/04/2020

Acompanhe o Boletim:

Em 06/02/2020, foi promulgada a Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, conceituando o “isolamento” e “quarentena”, bem como classificando falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência do trabalhador decorrente das medidas previstas na referida lei.

No dia 22/03/2020, o Governo publicou a Medida Provisória 927, que fixa regras para a relação entre empresas e trabalhadores durante a pandemia do COVID-19, em caráter excepcional de emergência para as empresas, a saber:

[i] teletrabalho na forma do artigo 62, III, da CLT;

[ii] antecipação de férias, hipótese em que o adicional pode ser pago após a sua concessão até a data em que é devida a gratificação natalina; a conversão de 1/3 de férias em abono pecuniário dependerá da concordância do empregador; o empregador ainda poderá pagar as férias até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias;

[iii] concessão de férias coletivas, mediante notificação dos empregados com antecedência de 48 horas, dispensada a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e ao sindicato representante da categoria profissional;

[iv] aproveitamento e antecipação de feriados, mediante notificação dos empregados com antecedência de 48 horas; os feriados podem ser compensados do saldo do banco de horas e os feriados religiosos somente poderão ser compensados se assim aceitos pelos empregados;

[v] compensação do saldo de banco de horas no prazo de 18 meses contado da data de encerramento do estado de calamidade pública; [vi] nesse período – de calamidade pública – ficam suspensas as exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, ficando, assim suspensa a obrigatoriedade de exames médicos ocupacionais clínicos e complementares, exceto os demissionais;

[vii] por fim, a Medida Provisória estabeleceu a possibilidade de direcionamento do trabalhador para qualificação, hipótese em que os contratos de trabalho ficariam suspensos pelo período de quatro meses.

No dia 22/03/2020, o Governo publicou a Medida Provisória 927, através da qual revogou a hipótese de suspensão do contrato de trabalho.

Ontem, dia 01/04/2020, o Governo publicou a Medida Provisória 936, que institui o Plano Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda, cujas regras destacamos abaixo.

A Medida objetiva:

• preservar o emprego e a renda;

• garantir a continuidade das atividades laborais empresariais;

• reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública.

O que inclui o Programa do Governo?

• o pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda – que chamaremos nesta missiva de “BEPER”;

• a possibilidade de redução de jornada com redução do salário; ou

• a possibilidade de suspensão temporária do contrato de trabalho.

A quem se destina?

Aos empregados de todas as categorias com Carteira de Trabalho (CTPS) assinada – independentemente do tempo de trabalho e da faixa salarial – portanto, estão inclusos, no nosso entendimento, os empregados domésticos.

A quem não se aplica?

• ao empregado ocupante de cargo público;

• aos empregados em gozo de:

a. benefício previdenciário (salvo no caso de direito adquirido);

b. seguro-desemprego, em qualquer de suas modalidades; e

c. da bolsa de qualificação profissional custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, cujo contrato de trabalho já se encontra suspenso em virtude da participação no programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, em conformidade com o disposto em convenção ou acordo coletivo celebrado para esse fim.

Quais são as hipóteses legais?

Durante o estado de calamidade pública – de 20/03/2020 a 31/12/2020, o empregador poderá acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário de seus empregados ou a suspensão do contrato de trabalho e, para tanto, seguem as regras:

Redução proporcional da jornada de trabalho e de salário:

• pelo prazo máximo de noventa dias;

• é obrigatória a preservação do valor do salário-hora de trabalho;

• pactuar por acordo individual escrito entre empregador e empregado (dependendo da faixa salarial) ou por acordo coletivo de trabalho;

• se for por acordo individual entre empregado e empregador, o empregador deverá encaminhar esse documento ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos; e

• a redução da jornada de trabalho e de salário poderá se dar, exclusivamente, nos seguintes percentuais: 25%; 50% ou 70%.

Suspensão temporária do contrato de trabalho:

• pelo prazo máximo de sessenta dias, que poderá ser fracionado em até dois períodos de trinta dias;

• deve ser pactuada por acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos;

• durante o período de suspensão temporária do contrato, o empregado: I – fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados; e II – ficará autorizado a recolher para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo.

Qual é o tempo máximo de implementação dessas medidas?

O tempo máximo de redução proporcional de jornada e de salário e de suspensão temporária do contrato de trabalho, ainda que sucessivos, não poderá ser superior a noventa dias.

E se o empregado tiver mais de um contrato de trabalho?

O empregado com mais de um vínculo formal de emprego poderá receber cumulativamente um “BEPER” para cada vínculo com redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou com suspensão temporária do contrato de trabalho.

Como ficam os contratos de trabalho dos intermitentes?

O empregado com contrato de trabalho intermitente formalizado até 01/04/2020 fará jus ao “BEPER” mensal no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), pelo período de três meses. A existência de mais de um contrato de trabalho intermitente não gera o direito à concessão de mais de um “BEPER”, tampouco poderá ser acumulado com o pagamento de outro auxílio emergencial.

Como funciona o pagamento do “BEPER”?

• o empregador deve informar o Ministério da Economia da redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho, no prazo de dez dias, contado da data da celebração do acordo;

• a partir da comunicação ao Ministério da Economia, a primeira parcela do “BEPER” será paga no prazo de trinta dias, contado da data da celebração do acordo, desde que a celebração do acordo seja informada no citado prazo de dez dias;

• o “BEPER” será pago mensal e exclusivamente enquanto durar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho.

Todas as empresas podem se beneficiar do Plano Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda?

A empresa que tiver auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), somente poderá suspender o contrato de trabalho de seus empregados mediante o pagamento de 30% do valor do salário do empregado, durante o período da suspensão temporária de trabalho pactuado.

Com o pagamento do “BEPER”, as empresas ficam desobrigadas a pagar o salário?

São duas situações diferentes: (i) na redução de jornada, obviamente, o empregador permanece obrigado a pagar o salário na proporcionalidade da redução das horas trabalhadas, exemplo, se a jornada de trabalho foi reduzida em 70%, o empregador deverá pagar 30% do salário do empregado, além de manter os benefícios voluntários pagos como plano de saúde e vale alimentação, por exemplo; (ii) na suspensão do contrato de trabalho o empregador ficará desobrigado se no ano-calendário de 2019 teve faturamento inferior a R$ 4.800.000,00; se tiver sido superior a esse montante, ficará obrigado ao pagamento de 30% do salário do empregado; nas duas situações, o empregador deverá manter os benefícios regularmente concedidos, como plano de saúde e vale-alimentação, por exemplo.

Além da questão salarial, o empregador poderá também pagar uma ajuda compensatória mensal, em decorrência de redução de jornada de trabalho e de salário, que I – será proporcional ao percentual de redução da jornada de trabalho e deverá constar em acordo individual pactuado ou em negociação coletiva; II – terá natureza indenizatória; III – não integrará a base de cálculo do imposto sobre a renda; do valor devido ao FGTS; da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários; poderá ser excluída do lucro líquido para fins de determinação do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.

Durante o período de redução da jornada de trabalho ou de suspensão do contrato de trabalho os empregados têm garantia provisória no emprego?

Durante o período de redução da jornada ou da suspensão do contrato de trabalho, o empregado terá a garantia provisória no emprego e, após o restabelecimento do regular contrato de trabalho, essa garantia deverá ser mantida por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão.

Mas e se o empresário quiser demitir o empregado mesmo assim?

A dispensa sem justa causa que ocorrer durante o período de garantia provisória no emprego em decorrência da implementação da redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho sujeitará o empregador ao pagamento, além das parcelas rescisórias previstas na legislação em vigor, de indenização no valor de:

I – 50% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 25% e inferior a 50%;

II – 75% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 50% e inferior a 70%; ou

III – 100% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, nas hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário em percentual superior a 70% ou de suspensão temporária do contrato de trabalho.

Os percentuais de redução de jornada e de salário devem ser obrigatoriamente de 25%, 50% ou 75% ou o empresário poderá propor outro percentual?

Outros percentuais de redução de jornada de trabalho e de salário e mesmo as regras para a suspensão temporária de contrato de trabalho poderão ser celebrados por meio de negociação coletiva (convenção ou o acordo coletivo de trabalho). Mas, nessa hipótese o “BEPER” será pago na seguinte proporcionalidade:

I – sem percepção do “BEPER” para a redução de jornada e de salário inferior a 25%;

II – de 25% sobre a base de cálculo prevista para o pagamento do “BEPER” para a redução de jornada e de salário igual ou superior a 25% e inferior a 50%;

III – de 50% sobre a base de cálculo prevista para o pagamento do “BEPER” para a redução de jornada e de salário igual ou superior a 50% e inferior a 70%; e

IV – de 70% por cento sobre a base de cálculo prevista para o pagamento do “BEPER” para a redução de jornada e de salário superior a 70%.

As convenções ou os acordos coletivos de trabalho celebrados anteriormente poderão ser renegociados para adequação de seus termos, no prazo de dez dias corridos, contado do dia 01/04/2020.

Os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, pactuados nos termos desta Medida Provisória, deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração.

As empresas devem celebrar acordos individuais ou acordos coletivos?

As medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda serão implementadas por meio de acordo individual ou de negociação coletiva aos empregados:

salário igual ou inferior a R$ 3.135,0025%, 50% ou 70% de redução de jornada de trabalhopode ser por acordo individual ou por acordo coletivo

salário mensal entre R$ 3.136,00 e R$ 12.202,1125% de redução de jornada de trabalhopode ser por acordo individual ou por acordo coletivo
salário mensal entre R$ 3.136,00 e R$ 12.202,1150% ou 70% de redução de jornada de trabalhodeve ser por acordo coletivo de trabalho

empregados portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a R$ 12.202,1225%, 50% ou 70% de redução da jornada de trabalhopode ser por acordo individual ou por acordo coletivo

Exemplo 1: contrato de trabalho por prazo indeterminado, com remuneração mensal de R$ 2.000,00 e celebração de acordo individual para redução de 50% da jornada de trabalho; o empregador pagará ajuda compensatória mensal de R$ 1.000,00 (equivalente a 50% do salário) por mês e o Governo pagará mensalmente 50% do valor a que o empregado teria direito a título de seguro desemprego.

Exemplo 2: contrato de trabalho por prazo indeterminado, com remuneração mensal de R$ 5.000,00 e celebração de acordo individual para redução de 25% de jornada de trabalho; o empregador pagará ajuda compensatória mensal de R$ 3.500,00 (equivalente a 75% do salário) por mês e o Governo pagará mensalmente 25% do valor a que o empregado teria direito a título de seguro desemprego.

Lembramos que uma Medida Provisória tem força de lei no período de 120 dias, podendo ser rejeitada ou vetada pelo Congresso Nacional, o que implica dizer, reitere-se, em alternativas temporárias.

Covid-19 Impactos nos contratos de trabalho