Ato COTEPE 44/2018 vs Nota Técnica 2019.001: Base de cálculo, ICMS desonerado e outros impactos na Nota Fiscal Eletrônica

Criado em 22/08/2019
Publicado em 28/08/2019

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A Comissão Técnica Permanente do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, simplesmente conhecida como COTEPE ICMS, decide, dentre os diversos Atos que foram publicados em sua longa trajetória, publicar o Ato Cotepe 44/2018 e o Ato Cotepe 24/19.

Até esse momento, não teríamos nada de diferente em um país onde foram publicados mais de 9 mil atos normativos (Leis, Decretos, Instruções Normativas, Soluções de Divergência, etc…) no ano de 2018/2019, porém surgiu um ponto que merece destaque que é a vinculação do Ato Cotepe 44/2018 com a Nota Técnica da NFe sob o registro 2019.001.

Nota Fiscal Eletrônica e suas Notas Técnicas

A nota fiscal eletrônica, como parte integrante da implementação do Sped Fiscal em todo território nacional, surgiu em meados de 2004, quando criado o primeiro arquivo digital do FISCO através da tecnologia XML, não sendo possível de ajustes ou manipulação de dados como o arquivo TXT que ainda é muito utilizado nos dias de hoje. 

Além das informações no DANFE, ainda existem dezenas de informações complementares sobre o remetente/destinatário, NCM do material com sua respectiva codificação, pois isso será base do registro 0200 do Sped Fiscal, bem como sua devida tributação atrelada ao CST – Código de Situação Tributária, que determina qual a origem do material (0 até 8) e a situação tributária que aquele produto ou operação se encontra.

Pois bem, as Notas Técnicas, popularmente conhecidas como NT´s, são atos normativos do ENCAT – Encontro Nacional dos Administradores e Coordenadores Estaduais e são utilizadas para atualizações constantes do Schema XML, trazendo maior granularidade às informações que são prestadas no arquivo.

Como exemplo, podemos confirmar que usualmente temos uma alteração de versão da NFe a cada 4 anos em média, onde surge através da publicação de diversas Notas Técnicas e, posteriormente, são consolidadas transformando-se em Manuais de Integração, iguais nos casos que tivemos a NFe Versão 2.0 e Versão 3.1, sendo esta uma das mais revolucionárias.

Ato COTEPE 44/2018 e 24/2019 Vs NT 2019.001

A COTEPE tem como finalidade realizar os trabalhos vinculados a política e a administração do ICMS, visando o estabelecimento de medidas uniformes e harmônicas no tratamento do ICMS em todo o território nacional, bem como realizar outros encargos e atos delegados pelo CONFAZ- Conselho Nacional de Política Fazendária.

Um dos pontos de maior destaque da COTEPE é que possuem representantes nas 27 unidades da Federação, visando sempre buscar a harmonização das obrigações, além da simplificação tributária para fins de implementação dessas novas obrigações.

Posto isso, dentre as diversas publicações, destacamos o Ato Cotepe 44/2018 que foi complementado pelo Ato Cotepe 24/2019, havendo como principais alterações em seu escopo a introdução do Bloco B – Apuração do ISS, passando por novas regras de validação ou até mesmo criação de novos campos no Bloco C – Documentário Fiscal e inovando com a inclusão de um novo código para movimento de inventário referente ao controle de mercadorias sujeitas ao regime de Substituição Tributária para fins de restituição e ressarcimento.

Dentre as diversas mudanças que os Atos Cotepe 44/18 e 24/19 trouxeram, temos 3 que merecem destaque para análises e também críticas de nossa parte, pois ao contrário do que se prega com a Reforma Tributária visando simplificação, estamos sofrendo impactos de entendimento da legislação, uma norma que novamente deixa a cargo e conveniência dos Estados para regular e, principalmente, em operações onde não há incidência do ICMS, mas com obrigatoriedade de demonstrar como se devido fosse. 

Pois bem, começamos com o Registro C190 onde tivemos a alteração na descrição dos Campos 05, 07 e 09, sendo que a alteração na descrição foi para trazer maior visibilidade quanto a composição de base de cálculo dos valores de frete, seguros e outras despesas acessórias para confirmação do valor da mercadoria e, principalmente, a demonstração dos valores do ICMS Substituição Tributária, Fundo de Combate à Pobreza, Fundo de Combate à Pobreza com Substituição Tributária e IPI com a subtração dos descontos incondicionais (Ex: ICMS Desonerado) mais os abatimentos tributários e comerciais. 

Vejamos que o conceito de abatimento tributário, via de regra, é aquele amparado nos artigos 140 e 113 do Código Tributário Nacional que nos informa que: “crédito tributário é o vínculo jurídico, oriundo de lançamento tributário, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) poderá exigir do contribuinte (sujeito passivo) o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária, tornando o tributo exigível por sua liquidez e certeza” (Britto Machado, 2009).

Entendemos que não, a tamanha incongruência se dá na própria regra de validação do PVA do Sped Fiscal, pois o somatório dos valores destes campos deve, inicialmente, corresponder ao valor total do documento fiscal informado no registro C100, sendo que a divergência entre os valores será considerada como uma “Advertência”, mas não impedindo a transmissão do arquivo.

Outro ponto que merece destaque, mas que antes carece aprofundarmos um pouco o conceito, é sobre o ICMS Desonerado, sendo um instituto relativamente pouco conhecido devido à sua utilização ser muito praticada de forma setorial, pois em seus primórdios era considerado como um desconto tributário (será o abatimento?), de forma que na Nota Fiscal Eletrônica foi incluído esse campo além do antigo campo desconto comercial.

Esse instituto era utilizado tanto de forma setorial que a própria legislação tributária tr ouxe motivos específicos vinculados à Desoneração na operação, vinculado desde uma operação de venda de automóvel para condutor de táxi (representado pelo código 1) até órgão de fomento e desenvolvimento agropecuário (Representado pelo código 12), sendo que o próprio Ajuste SINIEF 1/15 trouxe os campos específicos do Schema XML para o preenchimento do ICMS a nível de item somando-se para fazer a subtração no total da NFe, ou seja, demonstrando qual o valor total dos produtos e qual o valor total da NFe.

Até esse momento, entendo que temos ainda uma segurança jurídica plausível para fins de demonstração desse valor, até que foi publicado um novo requerimento via Ato Cotepe que, foi a demonstração via Campo 39 do Registro C170 e C190 dentro do documentário fiscal.

Sim, o próprio manual do Sped Fiscal e o PVA validam o valor consolidado do ICMS Desonerado no campo C100, segregando a nível de item no C170 e confirmando o valor no C190 no Registro de Entradas e também no Registro de Saídas, mas lembrando que mesmo assim ainda fica a cargo e conveniência dos Estados regulamentarem, pois temos Estados que exigem a demonstração a nível de preço para fins de fruição de benefício fiscal especifico.

Chegou-se a um nível tão profundo de detalhamento que nas operações de devolução de compras também se faz necessário demonstrar o valor do ICMS Desonerado que foi concedido no momento da venda, pois além de ser um desconto incondicional, a operação de devolução é o desfazimento do negócio jurídico (desistência) anteriormente realizado.

Ou seja, se o destinatário da mercadoria toma a decisão de desfazer o negócio jurídico com o respectivo remetente, não daria ensejo à pura e simples anulação da operação anterior à incidência do ICMS, uma vez que a mesma já ocorreu com seu ciclo econômico e, em outras palavras, deve-se demonstrar e “devolver” o ICMS desonerado.

Entretanto, ao verificarmos a publicação da Nota Técnica 2019.001, em nosso ponto de vista, trouxe uma questão controversa que é a demonstração e validação dos benefícios fiscais e informações da tributação do ICMS com mais precisão. O que seria isso?

Na verdade, essa Nota Técnica estendeu o conceito do ICMS Desonerado para toda e qualquer operação que tenha algum benefício fiscal, independentemente do código do benefício vinculado a algum setor conforme falamos e, vai além, criou-se o código “Outros” para vincular o dado e, a depender do Estado, até operações de Remessa para Armazém ou Remessas para Industrialização estão requerendo que demonstre o valor do ICMS.

Complementando o ponto supracitado, ainda foram criados outros códigos de benefício, classificados como “Cbenef” e códigos de rejeição, desde rejeitar a aprovação da NFe por divergência de CST sem o código do benefício até modalidade do MVA devido e a regra de validação se dá através do código N12-90 para os Documentos Fiscais Modelo 55 e 65.

Aí surge uma dúvida que nós fazemos retornar as regras básicas do Direito Tributário, como por exemplo a diferença entre não incidência, isenção ou suspensão, pois apesar do resultado final ser uma possível redução de carga tributária, cada um desses institutos tem uma natureza jurídica  distinta da outra e, mesmo assim, a NT esta as classificando como uma só.

Por exemplo, a não incidência configura como tudo aquilo que esteja fora do campo do dever jurídico de pagar um tributo, até mesmo por que não se configura em condição de haver um fato gerador para o mesmo, ou seja, não estão abrangidos pela própria definição legal de incidência tributária. 

O Professor Hugo de Britto Machado em uma de suas obras cita que o próprio legislador muitas vezes trata a não incidência como casos de isenção e isto efetivamente cria dúvidas intermináveis (Britto Machado, 2009).

Será que que a Nota Técnica é mais um desses casos? 

Em contrapartida, a Isenção é a exclusão, por lei, de parcela da hipótese de incidência tributária, sendo o objeto da isenção a parcela que a lei retira dos fatos que realizam a hipótese de incidência da regra de tributação.

E a suspensão da exigência tributária, no momento em que se torna fato gerador, o tributo é suspenso e passa a ficar condicionado a evento futuro definido na legislação, além do rol previamente disposto no artigo 151 do Código Tributário Nacional.

Em suma, é nítido que são institutos completamente diferentes e, mesmo assim, a Nota Técnica junto com o Ato Cotepe está equiparando todo e qualquer benefício fiscal do ICMS, sem distinção jurídica ou fato o que o gerou.

Por fim, não menos importante, a criação de valor máximo para base de cálculo do ICMS, por unidade federada, que atualmente está em R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), ficando impedido o contribuinte de emitir uma NFe com valor acima do estabelecido pela Sefaz de sua origem, caso contrário teremos o código de rejeição 935 – Valor total da Base de Cálculo superior ao limite estabelecido.

Outra incongruência jurídica até agora não fundamentada, gerando reações diversas de grupos econômicos como FIESP e ANFAVEA, principalmente por não ter um fundamento jurídico aplicável que suporte essa restrição, chegando em nosso ponto de vista, a violar Princípios Constitucionais Tributários. 

Aplicabilidade da Norma

Vejamos, como calcular o ICMS e demonstrar em NFe a nível de item para uma operação que goza de não incidência? Não me refiro ao procedimento operacional, mas ao conceito, pois isso infringe a segurança jurídica tributária. 

Além disso, como é de conhecimento, caso tenhamos produtos manufaturados que estejam dentro da regra da Resolução Senado Federal 13, que determina a alíquota de 4% de ICMS para produtos que tenham conteúdo de importado, essa determinação se dá via origem do material (CST) e nos processos das grandes corporações que realizam seus pedidos de venda em carteira com meses de antecedência, poderão ter o conteúdo do material alterado e, consequentemente, a CST do produto também, ou seja, está em risco de rejeições de NFe em massa.

Outro ponto controverso é a limitação da base tributável para fins de ICMS, onde se criou uma regra de validação denominada W03-20, impedindo a informação de um valor de base de cálculo superior ao máximo determinado pelo Fisco de cada Estado.

Essa regra era costumeiramente utilizada para fins de comercialização no modelo “B2C – Business to Customer” no documentário fiscal modelo 65 NFCe e não para fins “B2B – Business to Business”, sendo que simplesmente foi estendido tal ato normativo para as indústrias, distribuidores e varejos de grande porte, trazendo impactos operacionais negativos, como o incremento do custo de distribuição.

Por fim, não menos importante, no caso de uma operação de importação que tenha exoneração do ICMS, agora se faz necessário demonstrar qual o valor do imposto como se devido fosse. Teremos que alterar o valor aduaneiro (Decreto 6759/2009)? Teremos que utilizar diversos métodos de composição de base de cálculo a depender da UF onde a importação está sendo realizada?

Conforme disposto no Decreto 6759/2009, existem métodos de valoração aduaneira que obedecem sequências, como por exemplo: 1° Método – método do valor da transação/ 2° Método – método do valor de transação de mercadorias idênticas/ 3° Método – método do valor de transação de mercadorias similares/ 4° Método – método do valor de revenda (ou método do valor dedutivo)/ 5° Método – método do custo de produção (ou método do valor computado) ou 6° Método – método do último recurso (ou método pelo critério da razoabilidade. (Grifo nosso)

Vejam tamanho impacto operacional, diversificação de procedimentos, composições distintas de base de cálculo, com certeza impactos de custo serão criados e repassados na cadeia de suprimentos, uma vez que por mais que não tenhamos tributação, o custo de implementação do compliance irá gerar tamanha despesa capaz de ser repassada ao consumidor.

Posto isso, fazendo rápidos comentários aos Princípios Constitucionais Tributários, destacamos inicialmente o Princípio da Legalidade Tributária, conforme disposto no Artigo 150, I da Constituição Federal, onde o Ilustre Professor Luciano Amaro define que: “Em suma, a legalidade tributária não se conforme com a mera autorização de lei para cobrança de tributos, requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador, necessários a quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espalhar a situação hipotética transcrita em lei…” (AMARO, Luciano. 2011)

Acrescente-se que, ainda, podemos citar a legalidade estrita, conforme disposto no artigo 97 do Código Tributário Nacional, sendo aquela responsável por atos mais taxativos da lei e que não se consumam nesse caso em especial que estamos analisando. 

Outro Princípio que podemos destacar é o da Liberdade de Tráfego, conforme disposto no artigo 150, V da Constituição Federal de 1988, mas não estamos nos restringindo a circulação de pessoas ou bens, mas sim a limitação de transporte de bens entre municípios e estados, pois com a imposição de uma base tributável, pode-se inferir como uma ofensa a este princípio. 

Conclusões

Com o advento do Schema XML temos uma capacidade infinita de dados para incluir informações pertinentes ao interesse do fisco, porém temos uma situação peculiar onde podemos citar que temos uma dicotomia jurídica, pois temos legislação que não acompanharam esse movimento da digitalização, permanecendo antigas e antiquadas, bem como atos normativos que estão muito a frente, causando transtornos, custos excessivos e complexidade operacionais aos contribuintes.

Com certeza novos cruzamentos surgirão, novas divergências serão mapeadas em malhas fiscais e, um ponto de atenção, as atuais advertências de hoje no PVA poderão ser tornar erros amanhã, ou até mesmo pontos de interseção de cruzamento fiscal para abertura de OSF e demais diligências.

Apesar de parecer injusto, o Ato Cotepe 44/18 já se encontra em vigor e o Ato Cotepe 24/19 entrará em vigor em 01.01.20, sem previsão de revogação, sendo no máximo uma prorrogação de prazo devido à pressão dos grandes contribuintes e associações de classe, devido à complexidade e custo de implementação.

Aqueles que esperam uma definição mais clara e estreita, recomendamos não esperar sem agir, pois são regras já publicadas faz algum tempo e agora estão passando pela operacionalização e a cada dia se torna uma forte realidade.

Ato COTEPE 44/2018 vs Nota Técnica 2019.001: Base de cálculo, ICMS desonerado e outros impactos na Nota Fiscal Eletrônica