Desafiante questão no universo das antinomias tributárias definidas como reais!

Por Humberto Bonavides Borges
Autor dos livros: Planejamento Tributário – IPI, ICMS, ISS e IR, 14ª edição, Gerência de Impostos – IPI, ICMS, ISS e IR, 8ª edição, Manual de Procedimentos Tributários – IPI, ICMS e ISS, 3ª edição, editados pela Atlas. Autor do livro: Auditoria de tributos – IPI, ICMS e ISS, 5ª edição, editado pela GEN/Atlas. Professor convidado em MBAs promovidos pela FGV – IDE – SP e USP/Esalq. Professor convidado em cursos de pós-graduações realizados pela UNICAMP – SP e Sustentare Escola de Negócios – SC.

 

 

Publicado em 21/02/2019

 

Indiscutivelmente, as questões decorrentes de antinomias tributárias qualificadas como reais estão sempre desafiando a inteligência, o talento, o intelecto, a experiência técnica e a vivência pragmática dos profissionais que integram os estamentos dos consultores da área de tributação empresarial e dos gestores de tributos incidentes no dia a dia dos negócios realizados pelas empresas!

Na pauta de recente reunião do Comitê Tributário de escritório de advocacia, da qual participei como consultor tributário externo, constou uma dessas desafiantes questões fiscais antinômicas, conforme menciono a seguir:

O item 14.01 da Lista de Serviço anexa a Lei Complementa Nº 116/2013 tipifica como serviço gravado pelo ISS a atividade de “restauração” e define que as partes e peças aplicadas nessa atividade econômica serão gravadas fiscalmente pelo ICMS. Por conseguinte, sobre o valor da mão de obra empregada nessa atividade econômica incidirá e o ISS e, por outro lado, sobre o valor dos objetos, qualificados como partes e peças, incidirá o ICMS.

Por outro ângulo, o item 14.05 dessa Lista de Serviço também tipifica como serviço gravado pelo ISS a atividade de “restauração” e, por sua vez, esse item não faz referência a incidência do ICMS sobre o valor das partes e peças aplicadas nessa atividade econômica! Assim, em face do enunciado linguístico desse item, as partes e peças aplicadas na atividade de restauração de um objeto serão gravadas fiscalmente pelo ISS!  Portanto, sobre o preço total desse serviço de restauração, conforme a melhor interpretação da literalidade normativa contido no item 14.05 dessa Lista de Serviço anexa a Lei Complementa Nº 116/2013, incidirá somente o ISS!!!

Ao se manifestar sobre essa questão tributária, o principal sócio desse escritório de advocacia demonstrou a sua alta complexidade, expressando que leu, integralmente, o conteúdo de todos os livros sobre tributação empresarial, de minha autoria, assim como de outros autores, e que, nesse conjunto de textos tributários, não  , sequer, uma menção dessa problemática antinomia tributária!

Após expressar essa sua constatação, solicitou que eu fornecesse um procedimento estratégico, cuja adoção, pela sua empresa/cliente, venha a resultar numa considerável redução do elevado grau dessa contingência tributária!

Aceitando e enfrentando esse desafio científico, técnico e profissional, expressei, na sequência dessa reunião, os meus pertinentes comentários e considerações que estão sinteticamente formalizados a seguir:

Inicialmente, observei enfaticamente que as duas normas são colidentes e, como consequência, a incompatibilidade evidenciada entre os enunciados linguísticos nelas (normas contidas nos itens 14.01 e 14.05 da Lista de Serviço anexa a Lei Complementa Nº 116/2013) contidos, resulta numa antinomia tributária que, se enfatize, não será solucionada mediante os critérios:

a) cronológico, pois, são normas de uma mesma lei complementar;

b) da subordinação, pelo mesmo aspecto, ou seja, são regramentos de um mesmo ato legal; tampouco,

c) da especialidade ou da especificidade, em face de que  seus respectivos enunciados linguísticos são genéricos, pois, neles, constam as expressões: “de qualquer objeto” (item “14.01” da Lista de Serviços) e “de objetos quaisquer” (item “14.05” da Lista de Serviços)!

Em decorrência desse aspecto, mencionei que se trata de uma antinomia tributária real.

Com fulcro na minha larga experiência técnica e funcional na adoção dos critérios supletivos para dirimir os conflitos normativos contidos nas antinomias tributárias reais, observei enfaticamente que não evidencio a possibilidade de se aplicar um critério supletivo (científico) que seja capaz de solucionar esse conflito de normas, como, por exemplo, o do construtivismo normativo que foi por mim utilizada em texto, de minha autoria, que lhes enviei recentemente, com vistas à solução de conflito normativo na legislação do ISS qualificado como antinomia tributária real!

Ao cabo das sobreditas considerações, manifestei o entendimento de que as melhores práticas a serem adotadas pela empresa que se defronta com essa questão fiscal antinômica são as seguintes:

I) Prática empírica funcional:

Nessa prática o gestor de tributos da empresa deverá explorar o aspecto linguístico do vocábulo “restauração“.

Em linguística (proponho ao leitor que proceda a uma detalhada e criteriosa pesquisa nos dicionários da língua portuguesa) o signo “restauração” é sinônimo dos vocábulos: reparo (conserto) e renovação (recondicionamento).

Assim, o gestor de tributos deverá interagir com o engenheiro de produção da empresa para discernir se as peculiaridades do serviço a ser realizado se coadunam mais com a atividade de reparo (conserto) ou, alternativamente, com a atividade de renovação (recondicionamento).

Se, por meio de um relatório expresso, ou seja, formal, o engenheiro da produção mencionar que a atividade a ser realizada pela empresa se identifica mais com um reparo, ou seja, com um conserto, cabe ao gestor de tributos propor que no pertinente contrato e, principalmente, na concernente documentação fiscal, o signo “restauração” seja substituído por conserto. Essa substituição nomenclatural resultará no seguinte efeito tributário:

A atividade de conserto consta expressamente no item “14.01” da Lista de Serviço anexa a Lei Complementa Nº 116/2013. Assim, o procedimento tributário a ser adotado será o seguinte: Sobre o valor da mão de obra incidirá o ISS e sobre o valor das partes e peças aplicadas nesse conserto incidirá o ICMS.

Por outro ângulo, se, por intermédio de um relatório expresso, ou seja, formal, o engenheiro da produção mencionar que a atividade a ser realizada pela empresa se identifica mais com uma renovação, ou seja, com um recondicionamento, cabe ao gestor de tributos propor que no pertinente contrato e, principalmente, na atinente documentação fiscal, o signo “restauração” seja substituído por recondicionamento. Essa substituição nomenclatura l resultará no seguinte efeito tributário:

 A atividade de recondicionamento consta expressamente no item “14.05” da Lista de Serviço anexa a Lei Complementar Nº 11 6/2013. Assim, o procedimento tributário a ser adotado será o seguinte: Sobre o valor da mão de obra incidirá o ISS e sobre o valor das partes e peças aplicadas nesse recondicionamento também incidirá o ISS.


II)
Prática jurídica e processual:

Essa prática será aplicada quando da prevalência do vocábulo “restauração” no pertinente contrato de prestação de serviço, bem como na atinente documentação fiscal.

Na adoção dessa prática, o advogado (interno ou externo da empresa prestadora do serviço) deverá propor uma ação consignatória  que também é denominada como ação em consignação em pagamento, com fundamento normativo no Art. 164, inciso III do Código Tributário NacionalCTN e nos Artigos 539 a 549 do atua Código de Processo Civil.

Concluída a demanda judicial, a importância depositada pelo contribuinte será convertida em renda a favor do sujeito ativo credor ou, alternativamente, dos sujeitos ativos credores, conforme o juízo de convencimento firmado pelo magistrado da correspondente demanda.

 


Humberto Bonavides Borges 

Autor dos livros: Planejamento Tributário – IPI, ICMS, ISS e IR, 14ª edição, Gerência de Impostos – IPI, ICMS, ISS e IR, 8ª edição, Manual de Procedimentos Tributários – IPI, ICMS e ISS, 3ª edição, Legislação Tributária – IPI, II, IE, IR, CSL, COFINS e PIS, 1ª edição, editados pela Atlas. Autor do livro: Auditoria de tributos – IPI, ICMS e ISS, 5ª edição, editado pela GEN/Atlas. Autor da Coletânea de Estudos e Comentários sobre o IPI, ICMS, ISS e IR, editada pelo Management Center do Brasil, Filial da American Management Center. Autor de três fascículos da Coleção Empresarial IOB. Autor de numerosos textos sobre questões tributárias publicados em diversos periódicos fiscais. Professor convidado do MBA USP/Esalq em Gestão Tributária. Professor convidado do Curso (presencial) de Especialização em Gestão Tributária, promovido pela Faculdade de Ciências Aplicadas/Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – SP. Professor convidado em MBAs, cursos de pós-graduação e de extensão universitária que estão sendo promovidos pela FGV – IDE – SP, FGV – Management – SP e FGV – PEC – SP. Professor convidado na FGV Law Program – FGV – Direito – Rio. Professor em várias disciplinas no Curso de Pós-Graduação em gestão Tributária em Compliance promovido pela Sustentare Escola de Negócios – SC. Ministrou as aulas das disciplinas: Tributação sobre o Faturamento e Valor Agregado e Planejamento Tributário, do Curso de Pós Graduação – MBA – em Administração Tributária, promovido pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP – FGV) e destinado aos Auditores Fiscais da Receita Federal, filiados à UNAFISCO, e aos Auditores Fiscais do Município de São Paulo, filiados ao FENAFIM. Ex-Superintendente do Departamento de Consultoria Tributária de Arthur Young Auditores, que, posteriormente, passou a integrar a firma Ernst & Young, uma das maiores empresas de auditoria externa no País (Big-Four) e que, atualmente, se denomina EY. Nessa sua fase profissional foi responsável pelo treinamento técnico, na área de tributação empresarial, dos auditores externos e dos consultores do Departamento de Tributos dessa conceituada Firma. Foi advogado tributarista em uma das maiores empresas de telecomunicações do País. Ex-gerente de Departamentos Corporativos de Tributos de grandes complexos empresariais com atividades nas áreas industriais e mercantis. Atualmente é consultor tributário externo em conceituados escritórios de advocacia empresarial, de consultoria contábil-fiscal e de auditoria externa situados nos principais centros econômicos do País.

Desafiante questão no universo das antinomias tributárias definidas como reais!