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O ambiente empresarial torna-se, a cada passo para onde se olhe, cada vez mais hostil. Não basta o ancestral conflito capital x trabalho, há também o conflito fisco x contribuinte. O empresário é considerado pelo empregado ganancioso capaz de lhe tirar tudo o que puder, até a pele. E, pelo fisco, ganancioso desonesto, cujo único objetivo é enriquecer-se às custas da deterioração do ensino público, segurança pública e sistema de saúde.
Para fornir os cofres públicos assegurando-o das receitas necessárias para manter a incompetência da administração pública, a roubalheira sem fim, o descaso com o dinheiro do contribuinte, o estado-fisco lança mão de diversos artifícios.
Um deles e que vem sendo utilizado há anos, consiste em afirmar a existência de crime tributário onde, nem de longe, caracterizado está. Essa estratégia na maioria das vezes dá certo porque o empresário paga até tributo indevido, com multa, juros e o que mais for-lhe exigido, para se ver livre da prisão.
É nesse contexto que se dá o exame deste presente tema, em curso perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na administração de um negócio empresarial muitas vezes, por falta de capital de giro, o administrador opta por deixar de recolher tributo. Prefere pagar os funcionários e fornecedores a ter seu negócio paralisado. Se se tratar de uma sociedade anônima, trata-se então de obrigação legal (Lei 6.404/76).
Deixar de recolher o ICMS que foi declarado ao fisco estadual, por exemplo, caracteriza crime de natureza tributária?
Pois foi um caso com essas características (HC 399.109 proposto pela Defensoria Pública de Santa Catarina) que foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em abril passado. Na oportunidade, dos 3 votos até agora proferidos, dois Ministros entenderam pela caracterização de crime, tendo sido interrompido o julgamento por pedido de vistas de um deles.
A Defensoria sustentou que deixar de recolher o ICMS em operações próprias, devidamente declarado, não configura crime, senão mero inadimplemento. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina onde estabelecida a empresa já havia negado a absolvição.
No STJ o Ministro Rogério Cruz também já havia negado pedido de liminar em maio/2017, sob o argumento de que em qualquer hipótese de não recolhimento do tributo, comprovado o dolo, está configurado o crime.
Um dos julgadores do STJ que contribuiu com um dos dois votos pela condenação, citado acima, entendeu que o valor do tributo é cobrado do consumidor. Por isso, não o repassar aos cofres públicos configuraria apropriação prevista na Lei 8.137/90, art. 2º, II. Referido artigo prevê configuração de crime à ordem tributária deixar de recolher o tributo no prazo legal.
“Art. 2º – Constitui crime da mesma natureza:
(…)
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;”
É crime, segundo esse Ministro, o fato de o contribuinte se apropriar de valor do imposto descontado de terceiro, seja do consumidor ou do substituído tributário. O ICMS é imposto sobre o consumo, repassado ao consumidor de forma integral. Cita no seu voto precedente do STF que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS por não entender aquela Corte ser ele parte da receita da empresa, porém valor que deve ser repassado ao Estado, tratando-se de simples ingresso no caixa da empresa.
Faltam ainda os votos de 6 Ministros para a conclusão dessa relevante questão que afeta provavelmente milhares de contribuintes.
O que se sobressai nesse caso é que o contribuinte declarou ser devedor do imposto não recolhido. Portanto, de saída não há crime de sonegação fiscal, o qual se caracteriza pela omissão da informação sobre a operação realizada e sobre o tributo devido (Lei 8.137/90, arts. 1º, I, 2º, I e 3º, I).
E a declaração prestada pelo contribuinte afasta a caracterização de sonegação fiscal, mas não apenas, afasta também o dolo. Porque dolo é a vontade consciente de praticar a infração penal, por ação ou omissão.
A pergunta que cabe é: o crime previsto na Lei 8.137/90, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, exige o dolo ou basta a culpa para sua ocorrência? Crime culposo resulta de conduta voluntária sem intenção de produzir o ilícito, porém previsível e que poderia ser evitada, fruto de negligência, imperícia ou imprudência.
Ora, quem, premido pela falta de capital de giro faz opção consciente por privilegiar os fornecedores, empregados e às vezes também bancos, não pode ser considerado negligente, imperito ou imprudente. É, sim, administrador responsável!
E como no Brasil a única certeza econômica é que a economia será sempre invariavelmente cíclica, voo de galinha que alça voo mas não se sustenta no ar, como então possível concluir pela presença da previsibilidade na conduta do empresário ou administrador em difícil situação financeira a qual poderia evitar, cuja omissão sua tenha sido fruto de negligência, imperícia ou imprudência?
Muitas vezes deixar de recolher tributo se aloja dentro da estratégia empresarial que obedece a seguinte lógica: como a carga tributária é impagável, o empresário, administrador, está sempre à espera de um plano de parcelamento tributário com condições mais vantajosas, único meio de mitigar o pesado custo tributário trazendo-o a um nível e prazo de pagamento melhor – diria, mais administrável.
Deixar de recolher tributo, nesse contexto, caracteriza, no máximo, infração legal, ilícito tributário punível com multa e juros, se e quando couberem. Jamais infração penal.
Como o fisco não tem compromisso algum com essas filigranas, é forçado pelos estrategistas da administração tributária a encaminhar grande parte das autuações fiscais para denúncia ao Ministério Público para com isso forçar o contribuinte a recolher o tributo, mesmo que muitas vezes indevido. O interesse do Estado-fisco, com essa postura, é meramente arrecadatório. Ele sabe que, com medo de ser preso, o contribuinte paga até o que não deve!
Sobre esse mesmo tema o STJ tem em pauta, ainda, o Recurso Especial 1.598.005 que, por seu caráter repetitivo, será parâmetro para futuras decisões.
Acontece que o art. 2º, II da Lei 8.137/90, diz ser crime não recolher tributo descontado ou cobrado na qualidade de sujeito passivo de obrigação tributária. É a conduta que implica em apropriar-se de valores que deveriam ser recolhidos em nome de terceiro, por exemplo, no caso de substituição tributária ou mesmo retenção na fonte.
Nas operações próprias, caso julgado pelo STJ, não se desconta ou cobra valores de contribuinte do imposto porque contribuinte é a própria empresa, cujo sócio ou administrador está sendo ilegalmente acusado da prática de crime.
O cliente que adquire mercadoria, nesse caso, assume o ônus financeiro do tributo, mas não é sujeito passivo da obrigação tributária, condição estabelecida na Lei 8.137/90, art. 2º, II, para tipificar a prática criminosa. A empresa contribuinte, por sua vez, não cobra do seu cliente o ICMS. Cobra o preço da mercadoria no qual embutido o ICMS mais todos os demais custos e despesas necessários para o empreendimento funcionar. Não há relação jurídico-tributária entre ambos, vendedor e comprador.
Está-se, aqui, diante de mais um caso que pode, conforme para onde pender a decisão do STJ, se transformar numa aberração jurídica levando muitos empresários a desistir de suas atividades, afastando outros do empreendedorismo.
Melhor aplicar o capital, se existente, em investimentos financeiros porque no mínimo é mais seguro sob vários aspectos, inclusive muitas vezes no que se refere ainda à rentabilidade, mas, sobretudo, pela tranquilidade que gera ao detentor de capital. Afinal, ser empresário, no Brasil, definitivamente não é para fracos!