Gestão do Conhecimento: a nova fronteira da Gestão Tributária

Criado em 08/08/2020
Publicado em 14/08/2020

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Conhecimento Tributário: um recurso valioso para as organizações

Em matéria tributária, o Brasil não é para leigos. Em um sistema tributário como o nosso, considerado um dos mais complexos do mundo (Banco Mundial, 2020), dirimir uma dúvida tributária não é nada simples. Para se ter uma ideia da grandeza da burocracia tributária brasileira, em 30 anos foram editadas 390 mil normas tributárias, o que equivale a 1,92 normas tributárias por hora em um dia útil (IBPT, 2020).

Diante de tal complexidade, o conhecimento tributário é um importante determinante do planejamento tributário bem sucedido. Por exemplo, será que os benefícios fiscais para determinado produto, que será vendido para determinado cliente em determinada localização, são conhecidos antes da venda? As pessoas precisam criar esse conhecimento quando se deparam com a operação fiscal ou o conhecimento já está disponível na empresa?

Bornman e Ramutumbu (2019) classificaram em três categorias o Conhecimento Tributário, nomeadamente: legal, processual e geral. A Figura 1 apresenta as principais características.

Figura 1 – Conhecimento Tributário
Fonte: adaptado de Bornman e Ramutumbu (2019)

O objetivo deste artigo é mostrar como as empresas podem desenvolver e utilizar o conhecimento tributário e, em particular, aprimorar os processos pelos quais o conhecimento tributário é incorporado às rotinas tributarias, valorizando a experiência dos profissionais.

Gestão do Conhecimento

Um estudo realizado com diversos profissionais da área tributária no Reino Unido (Hasseldine, Holland e Rijt, 2009), demonstrou que, por meio da Gestão do Conhecimento, as áreas fiscais das empresas podem aproveitar o conhecimento construído sobre determinado assunto para que, a cada dúvida tributaria, não seja necessário procurar a resposta a partir de um “novo” conhecimento. 

Mas o que é a Gestão do Conhecimento? Bastante discutida na academia, pode ser definida como “a capacidade que uma empresa tem de criar conhecimento, disseminá-lo na organização e incorporá-lo a produtos, serviços e sistemas” (Nonaka e Takeuchi, 1997). Não é, portanto, apenas o acúmulo de conhecimento, mas alcança os processos da geração de conhecimento até a sua aplicação. Afinal, não basta possuir o conhecimento: é necessário usá-lo para o sucesso da empresa.

Gerenciar o conhecimento em uma organização é essencial em todas as áreas, mas na área tributária, especialmente nas empresas brasileiras, mesmo tarefas aparentemente simples como classificar fiscalmente um produto, demandam um bom conhecimento para evitar riscos fiscais ou perda de vantagens tributárias, por exemplo. Desde modo, a Gestão do Conhecimento tem como um dos pilares melhorar a compreensão dos profissionais sobre o processo de construção do conhecimento.

A construção do conhecimento

Você já parou para pensar o quanto de conhecimento tributário é gerado todo dia em sua empresa? A cada nota fiscal emitida, a cada obrigação acessória entregue ou a cada pesquisa realizada para dirimir uma dúvida fiscal, os profissionais estão lidando entre outros com legislações, pareceres, orientações consultivas e a sua própria vivência em cada tarefa da área fiscal. Essa rotina de acúmulo e aplicação de saberes resulta em conhecimento tributário, que pode ser categorizado para melhor compreensão. 

Davenport e Prusak (2003) sugerem cinco modos de gerar o conhecimento na organização:

  1. a) aquisição: incorporando modelos prontos (copiados, comprados ou assimilados de outras empresas), por exemplo, pela contratação de consultorias tributárias;
  2. b) recursos dedicados: organizando equipes e grupos, por exemplo, criando um departamento de consultoria tributária interna, com papel apenas de orientação e não de operação;
  3. c) fusão: organizando equipes com diferentes perspectivas para gerar conhecimento, por exemplo, conhecimento gerado em comitês de compliance tributário com a participação de profissionais de diversas áreas;
  4. d) adaptação: conhecimento gerado a partir de situações de crises, o que na área tributária pode ocorrer quando a empresa é autuada “com razão”.
  5. e) redes: conhecimento gerado pelo compartilhamento de conhecimento por meio de recursos de comunicação, contatos formais e informais. Na área tributária, são muitos os exemplos de comunidades com possuidores de conhecimento que se unem por motivos de interesses comuns e interagem por meio de contatos pessoais, redes sociais, grupos de mensagem, dentre outros. Quando redes desse tipo partilham conhecimento suficiente para se comunicar e cooperar, a continuidade de seu contato costuma gerar novo conhecimento dentro da organização.
Modo de Geração de Conhecimento Geração do Conhecimento no ambiente tributário
Aquisição Consultorias e aquisição de softwares prontos
Recursos Dedicados Treinamentos orientados, disponibilização de manuais, procedimentos etc
Fusão Experiência de funcionários em/de organizações com diferentes formas de tributação
Adaptação Atualização/alteração/mudança de procedimentos decorrentes de novas interpretações legais
Redes Compartilhamento e troca de conhecimentos na utilização das informações
Figura 2 – Modos de Geração de Conhecimento no ambiente tributário
Fonte: Elaborado pelos autores

Operacionalizando a gestão do conhecimento

Sabendo como o conhecimento tributário é gerado, o próximo passo é estruturar os processos que viabilizarão a “base” para as decisões tributárias futuras. A literatura destaca que a Gestão do Conhecimento, interliga várias áreas, como gestão da informação e de pessoas, possuindo caráter universal, aplicando-se assim a qualquer organização pública ou privada (Davenport e Prusak, 2003).

Probst, Raub e Romhardt (2002) defendem que são seis os principais processos da Gestão do Conhecimento: 

  1. Identificação do conhecimento: identificar os conhecimentos internos e externos importantes para a empresa;
  2. Aquisição de conhecimento: integrar conhecimento externo à sua base de conhecimento;
  3. Desenvolver conhecimento: construir novas habilidades, competências, ideias e produtos a partir do desenvolvimento do conhecimento;
  4. Compartilhamento de conhecimento: disseminar o conhecimento que já está presente na organização;
  5. Utilização: garantir que o conhecimento seja aplicado na organização para alcançar resultados visíveis;
  6. Preservação ou retenção de conhecimento: selecionar o conhecimento que merece ser guardado. Esta fase é fundamental para garantir a memória da empresa, evitando perdas de conhecimento durante sua existência.

Na figura abaixo demonstra-se a lógica da Gestão do Conhecimento utilizando como exemplo a Classificação Fiscal de Produtos

Identificação do conhecimento Classificação Fiscal de Produtos
Aquisição de conhecimento Aquisição de Sistema para Robotização da Classificação Fiscal de Produtos
Desenvolvendo o conhecimento Incorporação de Respostas à Consulta Sobre Classificação Fiscal de Mercadorias (RFB)
Compartilhamento de conhecimento Divulgação de atualizações relevantes entre colaboradores
Utilização Auditoria de Cadastro de Produtos
Preservação ou retenção de conhecimento Documentação das Etapas Anteriores
Figura 3 – Processos da gestão do conhecimento
Fonte: Probst, Raub e Romhardt (2002)

É oportuno destacar que existem diversas soluções tecnológicas disponíveis no mercado que oferecem apoio à Gestão do Conhecimento nas mais diferentes áreas, inclusive em matéria tributária.

Compartilhar o Conhecimento Tributário 

Conforme discutido, um dos processos relevantes da Gestão do Conhecimento é o compartilhamento. Compartilhar conhecimento implica que pessoas oferecem e recebem conhecimento. Quem oferece tenta transmitir seu conhecimento pessoal ao outro. Quem recebe precisa interpretar o conhecimento para atribuir significado. O produto resultante é o conhecimento criado. Isso só é possível se a organização viabilizar um ambiente favorável. 

Na criação do conhecimento, Nonaka e Takeuchi (1997) argumentam que diferentes tipos de conhecimento interagem entre si. Nesse sentido, referem-se à distinção entre conhecimento tácito e explícito. O primeiro é o conhecimento de cada indivíduo, baseado em suas experiências pessoais e nem sempre manifestado externamente, o que o torna mais difícil de ser compartilhado. O conhecimento explícito, por sua vez, é aquele formal, e pode ser materializado por meio de documentos, manuais ou relatórios, sendo de mais fácil disseminação.

Por exemplo, (Hasseldine, Holland e Rijt, 2009) argumentam que as mudanças na legislação tributária sejam comunicadas de forma clara e direta, uma vez que se considera que todas as partes envolvidas com essas mudanças devem viabilizá-las da mesma forma e aplicar a nova legislação de forma correta. Assim, espera-se que o conhecimento compartilhado no nível inter-organizacional tenha uma natureza relativamente explícita. Mesmo assim, espera-se que os processos intra-organizacionais pelos quais a nova tributação seja interpretada e incorporada pelas organizações devem adicionar tácita a esse conhecimento explícito. As consultorias tributárias, por exemplo, podem oferecer sentido “tácito” à nova legislação tributária (explícita), desenvolvendo novas ideias e encontrando oportunidades ainda inexploradas na aplicação da nova legislação. 

Observando o exemplo da consultoria, Hasseldine, Holland e Rijt (2009) argumentam que o compartilhamento do conhecimento não ocorre, contudo, em todos os casos. Os clientes podem contratar consultorias intencionalmente para legitimar suas decisões e não agregar conhecimento. E consultores, por outro lado, podem tentar reforçar a incerteza de seus clientes, apontando novos problemas que precisam ser resolvidos. Tais exemplos mostram que o pode haver competição no compartilhamento de conhecimento, e não cooperação.

Para garantir a cooperação no compartilhamento do conhecimento, incluindo a oportunidade de transformação em conhecimento explícito o conhecimento tácito, gerado e acumulado ao longo dos anos por um colaborador da área tributária, por exemplo, Nonaka e Takeushi (1997) defendem como instrumento para tal transformação um instrumento denominado “Espiral do Conhecimento”, que é composto pelas seguintes etapas:

  1. a) socialização: compartilhamento do conhecimento tácito, por meio da observação, imitação ou prática (tácito para tácito);
  2. b) externalização: conversão do conhecimento tácito em explícito e sua comunicação ao grupo (tácito para explícito);
  3. c) combinação: padronização do conhecimento conflitante, juntando em manuais, guias de trabalho ou iniciativas organizacionais (explícito para explícito);
  4. d) internalização: conhecimentos explícitos são compartilhados na organização e outras pessoas começam a internalizá-los e utilizam para aumentar, estender e reenquadrar seu próprio conhecimento tácito (explícito para tácito).
 
Figura 4 – Exemplo de Espiral do Conhecimento na Gestão do Conhecimento Tributário
Fonte: Nonaka, I. e Takeuchi, H., (1997, p. 80).

Na Figura 4, pode-se observar o processo de Gestão do Conhecimento conforme os autores:

O Gestor deve considerar, portanto, para a Gestão do Conhecimento nas organizações:

  1. a) ambiente externo (benchmarking da concorrência);
  2. b) tecnologias facilitadoras (groupware, intranets);
  3. c) gestão de performance (mensuração, recomendação, recompensas para equipes, obrigações contratuais);
  4. d) gestão de pessoas (equipes virtuais, comunidade de prática, coordenadores de conhecimento, busca do perfil do disseminador do conhecimento).

E o ambiente organizacional deve contribuir para a criação e o compartilhamento do conhecimento, seja dando condições para que haja essa interação entre as pessoas, seja por meio de ferramentas que permitam a gestão desse conhecimento.

Afinal, por que fazer gestão do conhecimento?

Os ativos materiais são depreciáveis, perdem seu valor conforme são usados. A vantagem do conhecimento, como ensinam Davenport e Prusak (2003), é que ele aumenta quanto mais o usamos. E com a gestão do conhecimento, garantimos a geração, o compartilhamento e sua aplicação.

E a soma do conhecimento em uma empresa resulta no seu capital intelectual e a organização pode gerar riqueza a partir desse capital à medida em que integra processos e conhecimentos, gerindo-os adequadamente. E isso por ser aplicado em qualquer tipo de organização.

Com a gestão do conhecimento, portanto, novos problemas não precisam ser enfrentados a partir do zero, é possível aproveitar o conhecimento já construído. E em matéria tributária, em especial, isso é de extrema relevância, afinal, são 27 legislações distintas para tributar mercadorias, mais de 5 mil para tributar serviços.

Além de aplicar a gestão do conhecimento para o compliance tributário, permitindo a apuração correta dos tributos, é possível, ainda, aplicá-la no planejamento tributário, que pode ser um diferencial competitivo em qualquer organização.

Referências

BANCO MUNDIAL. Paying Taxes. 2020. Disponível em: <http://portugues.doingbusiness.org/data/exploretopics/paying-taxes>. Acesso em: 07 ago. 2020.

BORNMAN, M., & RAMUTUMBU, P. (2019). A conceptual framework of tax knowledge. Meditari Accountancy Research. Vol. 27 No. 6,

DAVENPORT, Thomas H., PRUSAK, Laurence. (2003) Conhecimento Empresarial: como as organizações gerenciam o seu capital intelectual. 13º edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, 13º edição.

HASSELDINE, J; HOLLAND, K; RIJT, P. (2009) The Management of Tax Knowledge. ACCA. Association of Chartered Certified Accountants..

IBPT. Quantidade de NORMAS EDITADAS NO BRASIL: 30 anos da constituição federal de 1988. Disponível em: <https://ibpt.com.br/estudos/quantidade-de-normas-editadas-no-brasil-30-anos-da-constituicao-federal-de-1988/>. Acesso em: 07 ago. 2020.

NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. A criação do conhecimento na empresa. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

PROBST, Gilbert. RAUB, Steffen. ROMHARDT, Kai. (2002) Gestão do conhecimento: os elementos construtivos do sucesso. Porto Alegre: Bookman.

Gestão do Conhecimento: a nova fronteira da Gestão Tributária