O Imposto de Grandes Fortunas no momento adequado

Criado em 14/06/2020
Publicado em 15/07/2020

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A pandemia do Covid19 atingiu o mundo – segundo informações imprecisas, salvaram-se algumas ilhas do Pacífico – mas as nações estão sentindo e continuarão a sentir os impactos da doença nos serviços de saúde, na economia e no tecido social de formas diferentes a depender de como os governos encaminham as discussões e propõem as soluções.

No Brasil, são vários os fatores que influenciam negativamente as estatísticas.  A instabilidade política é o principal gatilho dos embates entre os administradores públicos, da politização da ciência e do negacionismo da população. Mas é a desigualdade que evidencia as mazelas sociais do país e dificulta a execução de políticas públicas de contenção da doença.

O Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH)[1] de 2019 publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), pontua a posição de extrema desigualdade no Brasil que ocupa o posto de sétimo país mais desigual. Um paradoxo em relação a sua classificação como oitava economia do mundo.

As patologias do Sistema Tributário Brasileiro marcado pela regressividade nos impostos indiretos, a ineficaz progressividade do imposto sobre a renda da pessoa física, a isenção tributária sobre a distribuição de lucros e dividendos, contribuem para a concentração de renda e, por conseguinte à injustiça tributária. Permeiam estes descompassos a complexidade da estrutura de arrecadação e fiscalização dos tributos.

Existem fatores compreensíveis que tornam um sistema complexo[2] – característica percebida em sistemas tributários de outros países – dentre os quais, manter o equilíbrio entre o poder do Estado de tributar e os objetivos sociais da tributação. Por aqui, há extrapolação quando a insegurança jurídica alcança o nível de desestimular o investimento na produção e estimular a acumulação do capital em bancos.

No livro Justiça – O que é fazer a coisa certa, o autor e professor Michael Sandel argumenta que uma sociedade justa distribui de maneira correta as coisas que valoriza – renda e riqueza, deveres e direitos, poderes e oportunidades, cargos e honrarias – dando a cada indivíduo o que lhe é devido, entretanto o mais difícil é a indagação do que é devido as pessoas e porquê.

Seria este o momento de avaliar o que seja esta “maneira correta” mencionada pelo autor?

Deveríamos tentar “nos livrar” da complexidade acelerando a reforma tributária em trâmite no Congresso Nacional (PEC 45/19) substituindo o ICMS, ISS, IPI PIS e Cofins pelo Imposto de Bens e Serviços (IBS)?

Ampliar os debates sobre as alterações nas faixas do Imposto de Renda ou, finalmente instituir o Imposto de Grandes Fortunas?

Estamos atravessando uma pandemia envolta numa crise política e sem ambiente para os debates que exigem uma reforma tributária.

Por outro lado, o Estado está aumentando suas despesas e consequentemente parece justo instituir um imposto, cuja competência foi conferida pela Constituição Federal à União há mais de 30 anos, que incida sobre os o patrimônio dos donos das grandes fortunas brasileiras.

Pode parecer. Mas é preciso ponderação.

Ponderar não significa a conclusão pela não instituição do imposto, apenas a necessária reflexão sobre a utilidade do IGF como política pública de redistribuição de renda.

Primeiramente é preciso compreender que não há tempo hábil para instituir o IGF, arrecadá-lo e destiná-lo para custear os gastos imediatos com a saúde pública e políticas sociais como o auxílio emergencial. Há limites constitucionais[3], que impõem à legalidade, a anterioridade, a irretroatividade e por fim veda a destinação da receita do IGF, alias, de qualquer imposto, a um fim específico. O estado de calamidade pública permite gastos acima do orçamento e cabe aos economistas sugerirem soluções que sustentem a necessária ampliação dos gastos.

Readequando o momento da discussão acerca da instituição do IGF para o futuro, entendo relevante estudos aprofundados que possam embasar os debates trazendo conclusões assertivas sobre (i) a efetividade do IGF no combate à acumulação de renda diante da rigidez orçamentária (ii) a capacidade do IGF de diminuição da desigualdade (iii) avaliação da possibilidade de fuga de capitais, as consequências e os mecanismos para evita-la (iv) o custo de arrecadação deste imposto.

Soluções apresentadas sem a reflexão necessária e no momento inadequado pode tornar o problema ainda mais complexo.


[1] Disponível online em http://hdr.undp.org

[2] Sobre o tema sugere-se a leitura Tax Simplification is not a Simple Issue: The Reasons for Difficulty and a Possible Strategy em https://ore.exeter.ac.uk/repository/handle/10036/47478

[3] art. 150, I da Constituição Federal

O Imposto de Grandes Fortunas no momento adequado