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A amplamente conhecida decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) concluindo que o ICMS não deve integrar a base de cálculo do PIS/COFINS, suscita outra questão igualmente importante: a taxa cobrada por administradoras de cartões de crédito (taxa de administração) integra a base de cálculo de ambas as contribuições sociais?
Vamos exemplificar a fim de tornar mais clara a situação: o comerciante vende produto ou serviço e cobra do seu cliente (adquirente) o preço combinado. O cliente opta pelo pagamento com cartão de crédito/débito. A administradora do cartão cobra do comerciante uma taxa pelo serviço, creditando-lhe o valor da operação (preço combinado) já deduzida a referida taxa.
Assim, suponhamos que o produto/serviço tenha sido vendido por $ 100. Esse, o valor pago pelo adquirente. O comerciante recebe da administradora do cartão, por exemplo, $ 97.
Ou seja, o comerciante vendeu por $ 100 mas recebeu $ 97 porque a administradora cobrou sua taxa equivalente a $ 3, no exemplo.
A base de cálculo do PIS/COFINS devido pelo comerciante será $ 100? Ou $ 97?
Alertando que no plano contratual há relações jurídicas perfeitamente distintas, nascidas de uma mesma transação. Um único pagamento feito pelo cliente remunera a relação: a) comerciante x cliente; b) comerciante x administradora de cartão. c) adquirente (cliente) x administradora de cartão.
Trata-se de operação em que incidem contratos complexos: a) contrato de abertura de crédito ou financiamento por meio do qual o cliente (adquirente), titular do cartão, autoriza a administradora a pagar ao fornecedor os débitos por ele contraídos; b) contrato de prestação de serviços entre a administradora e o titular do cartão; c) contrato de prestação de serviços entre a administradora e o fornecedor dos bens/serviços; d) contrato de compra e venda ou prestação de serviços entre o fornecedor dos bens/serviços e o titular do cartão; e) contrato de mandato por meio do qual o titular do cartão autoriza a administradora a pagar ao fornecedor dos bens/serviços o equivalente ao valor das aquisições feitas .
No STF o Recurso Extraordinário 574.706 foi decidido em favor dos contribuintes ao entendimento de que o ICMS recebido juntamente com o preço, pelo vendedor, não integra seu patrimônio vez que é recolhido ao fisco. Apesar de o ICMS, por definição legal, integrar o preço da mercadoria, portanto, da venda, o referido montante não pertence ao vendedor.
O preço cobrado pelo vendedor cuja venda se dê mediante pagamento com cartão de crédito/débito também embute a taxa cobrada pela administradora de cartão. E, do mesmo modo, o vendedor recebe o valor líquido.
E aí? A base de cálculo do PIS/COFINS embute os $ 3 cobrados pela administradora, ou não?
A resposta é “não”. Só integra a base de cálculo, receita tributável, os valores efetivamente correspondentes a receita do contribuinte. Não é o caso da taxa da administradora.
No julgamento daquele RE 574.706, no STF, concluiu-se pela identidade entre faturamento e receita bruta.
Ademais, nele, concluiu o Ministro Celso de Mello em seu voto, encampando doutrina de Humberto Ávila: “… faturamento ou receita são expressões que quantificam o resultado das atividades econômicas dos contribuintes, abrangendo aquilo que se agrega definitivamente ao seu patrimônio, qualquer ingresso que não seja nem resultado dessas atividades nem se agregue de modo definitivo ao referido patrimônio jamais poderá ser incluído no conceito de receita ou faturamento.”
O taxa cobrada pela administradora jamais transita pela receita de vendas do comerciante e este jamais tem a posse do valor correspondente a tal taxa ($ 3), já que recebe o valor líquido ($ 97).
O adquirente é que, ao pagar a fatura do cartão de crédito, satisfaz a administradora de cartão em sua integralidade ($ 97 + $ 3), que na sequência repassa $ 97 ao comerciante.
Apenas formalmente o faturamento promovido pelo vendedor é $ 100, não podendo ser esse montante, pois, considerado faturamento, muito menos receita bruta.
Há o relato de um precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região favorável a uma grande empresa varejista, o qual autorizou não a exclusão da taxa de administração da base de cálculo do PIS/COFINS, mas, ao contrário, o crédito sobre os valores repassados à administradora de cartões de crédito.
Essa tal decisão considerou o valor pago à administradora como insumo na venda de mercadorias. Tal precedente, por vias oblíquas, confirma que a incidência do PIS/COFINS sobre a taxa cobrada por administradoras de cartões não é devida.
Em nossas pesquisas, porém, observamos que a maioria das decisões daquela Corte (TRF-1) são em sentido contrário, concluindo que taxa de administração de cartão de crédito ou débito é custo operacional que o estabelecimento comercial paga à administradora, não estando inclusa nas exceções legais que permitem subtrair verbas da base de cálculo do PIS/COFINS.
Na prática está-se diante de situação em que nítida a presença de receita de terceiros, a qual não pode compor a base de cálculo do PIS/COFINS.
Parece haver no TRF-1 confusão, de um lado, entre o conceito de insumos como gerador de direito de descontar créditos, sobre os quais já nos aprofundamos em nosso Blog Novidades Jurídicas (Empresariais Tributárias) – Franco Advogados Associados em matéria sob o título “Direito de Descontar Créditos de PIS/COFINS Sobre Máquinas e Equipamentos Baixados ou Alienados a Qualquer Título” e, de outro, o direito de sequer incluir a taxa da administradora na base de cálculo do PIS/COFINS.
Mesmo porque, se o comerciante estiver enquadrado no regime cumulativo de apuração de ambas as contribuições, de nada lhe valerá autorização para descontar tais créditos pois nada fará com eles.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprecia-se questão que guarda alguma semelhança com essa: trata-se da cláusula contratual que transfere ao comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem no contrato de compra e venda de imóvel, cujas consequências tributárias resultam em que empresas imobiliárias (corretoras e consultorias de imóveis) deixam de pagar Contribuição Previdenciária e Imposto de Renda.
Outro exemplo está no setor de turismo. Nas operações de vendas de pacotes de viagens o fisco cobra das agências de viagens uma alíquota sobre a comissão paga a essas empresas pela venda dos pacotes. Os valores referentes a bilhetes e diárias são cobrados dos fornecedores, companhia aérea e hotéis.
Se inexistisse uma legislação específica, as agências de turismo teriam que recolher PIS/COFINS sobre o valor cheio, que não fica no caixa da operadora.
Essa questão sobre o que afinal deve integrar a base de cálculo dos tributos em geral e do PIS/COFINS especialmente neste caso em que há pagamento à administradora de cartões de crédito/débito é tão importante que o Supremo Tribunal Federal marcou esse tema (tema 1024) como Repercussão Geral – cujo decisão será replicada em todos os casos que chegarem a julgamento no STF.
Trata-se de ação proposta por HT Comércio de Madeiras e Ferragens, empresa do Sergipe, na qual alega não receber toda a quantia paga pelas mercadorias comercializadas já que uma parte é retida pelas administradoras de cartões de crédito/débito e, como essa fatia não é dela, deve ser excluída da base do PIS/COFINS.
De modo relevante para lançar luz sobre essa questão a empresa recorrente alertou, apropriadamente, em seu Recurso Extraordinário, que $ 3 (no exemplo aqui dado) é também tributado como receita da administradora de cartões de modo que se o fisco exigir do comerciante PIS/COFINS sobre $ 100, estará cobrando ambas as contribuições duas vezes sobre a mesma riqueza econômica, sendo que esta só foi auferida uma única vez pela administradora. E nenhuma vez pelo comerciante.
Como se vê, a tese é em algum ponto – ao menos sob a perspectiva econômico/financeira – semelhante à da exclusão do ICMS sobre a base do PIS/COFINS, com um agravante: o ICMS é recebido pelo contribuinte. Já a taxa da administradora de cartões, porque retida por esta, sequer ingressa no caixa da empresa vendedora.
O problema é que não há previsão de prazo para o julgamento dessa questão pelo STF.
Entretanto, é certo afirmar que os contribuintes que tiverem ingressado com ação terão assegurado o congelamento do marco, no tempo, a partir do qual retroage o direito à exclusão dessa taxa do PIS/COFINS.
Idêntica observação quanto à discussão judicial que resultou na exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS. Quem bater mais rapidamente às portas do Judiciário terá assegurado muito mais tempo, retroativamente, os efeitos financeiros favoráveis na forma de compensação tributária.
1. Maria Helena Diniz, Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Saraiva, 3º volume, 4ª ed., 2002, pp. 104-105.
2. PIS e COFINS na teoria e na prática, Adolpho Bergamini, Marcelo Magalhães Peixoto e outros, 4ª ed. MP Editora, 2017, pp. 279-280.
3. Acórdão 0029813-04.2014.4.01.3400, Apelação em Mandado de Segurança, 7ª Turma, Desembargadora Ângela Catão, publicação 06/09/2018.
4. Adolpho Bergamini, citado, pp. 465-466.
5. Valor Econômico, 16/12/2016.
6. Valor Econômico, 25/01/2018.
7. Valor Econômico, 27/10/2015.
8. Valor Econômico, 17/12/2018.