PIS e COFINS e as inúmeras formas de tributar receitas financeiras​

07/12/2018

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Em minhas aulas, sempre provoco meus alunos dizendo que um bom início de resposta para qualquer pergunta sobre PIS e COFINS é: “depende”. E quando tratamos de receitas financeiras, isso pode ser facilmente comprovado, como veremos neste artigo.

E já de início destaco que não é objeto deste artigo discutir a possível inconstitucionalidade do restabelecimento parcial das alíquotas do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras promovida pelo Decreto nº 8.426/2015. Para isso, sugiro a leitura do seguinte artigo que escrevi em julho de 2016: Receitas financeiras e a majoração do PIS e da COFINS por meio de Decreto.

Regime cumulativo versus regime não cumulativo

Para analisarmos se uma receita financeira é tributada ou não, a primeira questão a ser enfrentada é o regime ao qual está sujeito o contribuinte, uma vez que os fatos geradores são distintos.

Regime cumulativo

No regime cumulativo, o fato gerador do PIS e da COFINS é o faturamento (art. 2º da Lei nº 9.718/98). Ou seja, somente as receitas relacionadas à atividade ou ao objeto principal da empresa estarão alcançadas pela incidência (art. 3º da Lei nº 9.718/98 e art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77).

Em uma empresa cujo objeto social seja o comércio, por exemplo, as receitas financeiras não estarão sujeitas às contribuições. No caso de um banco, no entanto, as receitas financeiras fazem parte de seu objeto principal e estarão sujeitas ao PIS e à COFINS.

E como trataremos em outros tópicos, há situações em que as receitas financeiras fazem parte da atividade, mesmo a empresa sendo não financeira. Neste caso, serão tributadas mesmo no regime cumulativo.

Atenção:

1. Para saber mais sobre atividade ou objeto da sociedade, sugiro a leitura da Solução de Consulta COSIT nº 84/2016.

2. A COFINS devida pelos bancos e outras pessoas jurídicas referidas nos §§ 6º e 8º do art. 3º da Lei nº 9.718/98 foi elevada para 4% por meio do art. 18 da Lei nº 10.684/2003. No Recurso Extraordinário nº 609096 RG / RS, com Repercussão Geral, as instituições financeiras discutem a exigibilidade do PIS e da COFINS sobre suas receitas, por entenderem que tais valores não estão incluídos no conceito de faturamento.

Regime não cumulativo

Já no regime não cumulativo, o fato gerador alcança todas as receitas auferidas pela empresa (art. 1º, “caput” e § 1º, das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003). Dessa forma, mesmo aquelas receitas estranhas ao objeto social estão alcançadas pela incidência, salvo alguma exceção legal.

Com isso, mesmo no caso de uma empresa comercial, as receitas financeiras serão tributadas. Destaca-se, no entanto, que estas receitas estão sujeitas ao PIS e à COFINS às alíquotas diferenciadas de 0,65% e 4%, respectivamente (Decreto nº 8.426/2015).

Em resumo: no regime cumulativo as receitas financeiras serão tributadas apenas se estiverem ligadas à atividade ou objeto principal da pessoa jurídica. Já no regime não cumulativo isso independe.

Empresas com regimes concomitantes

Há empresas que estão no regime cumulativo, outras no não cumulativo e, ainda, aquelas que estão ao mesmo tempo em ambos. Isso acontece, por exemplo, em uma instituição de ensino do Lucro Real, que aufere receitas de educação superior e de cursos livres. A primeira está no regime cumulativo e a segunda no não cumulativo.

Nessas situações, as receitas financeiras serão tratadas integralmente no regime não cumulativo, ou seja, às alíquotas de 0,65% e 4% (art. 1º, § 1º, do Decreto nº 8.426/2015).

Desconto financeiro e outras receitas financeiras

Em geral, tenho visto que as empresas têm tributado suas receitas de juros decorrentes de aplicações financeiras. Por outro lado, não se atentaram à existência de outras receitas financeiras que também são comuns, a exemplo daquelas decorrentes de descontos financeiros (descontos condicionados).

Dessa forma, caso você faça uma aquisição a prazo e, no momento do pagamento, tenha um desconto, este valor se constitui como receita financeira e está, portanto, sujeito às alíquotas de 0,65% para o PIS e 4% para a COFINS.

Em junho/2016 escrevi o artigo Perdão de dívida, descontos financeiros e anistia fiscal: impacto no PIS e na COFINS que aborda, além desse assunto, a incidência do PIS e da COFINS sobre outros perdões de dívida, como anistia e remissão tributária.

A RFB, inclusive, reafirma o exposto na Solução de Consulta COSIT nº 176/2018:

“Cuidando-se de pessoa jurídica que se dedica ao transporte rodoviário de carga, o perdão de dívida referente a empréstimo bancário deve ser classificado como receita financeira e sujeita-se à incidência não cumulativa da Cofins à alíquota de 4%.”

“Cuidando-se de pessoa jurídica que se dedica ao transporte rodoviário de carga, o perdão de dívida referente a empréstimo bancário deve ser classificado como receita financeira e sujeita-se à incidência não cumulativa do PIS/Pasep à alíquota de 0,65%.”

Na mesma linha, a Solução de Consulta COSIT nº 531/2017, que trata tanto dos descontos incondicionais quanto condicionais.

Atenção: os descontos financeiros serão tributados apenas no regime não cumulativo, que alcança todas as receitas da empresa.

Juros sobre inadimplência

Há, ainda, outro caso em que as empresas podem estar em risco fiscal, considerando o entendimento do fisco.

Conforme prevê a Solução de Consulta COSIT nº 134/2018, as receitas decorrentes da cobrança de juros de clientes, por atraso no pagamento, são acréscimos à receita de venda e, portanto, resultantes de sua atividade, estando sujeitas à incidência das contribuições, mesmo no regime cumulativo.

E, na mesma seara, caso a empresa esteja sujeita ao regime não cumulativo, deverá tributar os juros sobre inadimplência como receita da atividade e não nas regras diferenciadas das receitas financeiras. Em resumo, essas receitas são acessórias à receita da venda do produto e estarão sujeitas ao mesmo tratamento tributário.

Juros sobre Capital Próprio JCP

Seguindo autorização do art. 27 da Lei nº 10.865/2004, o Decreto nº 5.442/2005 reduziu a zero as alíquotas do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras. Esta redução, no entanto, não alcançou as receitas financeiras de JCP, que continuaram tributadas normalmente às alíquotas de 1,65% e 7,6% (art. 1º, parágrafo único, I).

Dessa forma, o restabelecimento parcial das alíquotas promovido pelo Decreto nº 8.426/2015 não trouxe consequências nas receitas de JCP, que continuaram tributadas normalmente (art. 1º, § 2º).

E, em regra, os JCP serão tributados apenas no regime não cumulativo, que alcança todas as receitas da empresa. A RFB, no entanto, por meio da a Solução de Consulta COSIT nº 84/2016, afirmou que:

“as receitas decorrentes do recebimento de juros sobre o capital próprio auferidas por pessoa jurídica cujo objeto social seja a participação no capital social de outras sociedades compõem sua receita bruta para fins de apuração da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins devidas no regime de apuração cumulativa.”

Neste último caso, as receitas de JCP serão tributadas às alíquotas normais do regime cumulativo, ou seja, 0,65% e 3%.

Variações monetárias e hedge

O aumento das alíquotas de PIS e COFINS sobre receitas financeiras ocorreu em um momento delicado da economia e a fragilidade econômica impactou, inclusive, no valor da nossa moeda. Com isso, uma das grandes críticas e preocupações das empresas à época se referiam às receitas financeiras decorrentes das variações cambiais.

Para contornar esse problema, o Decreto nº 8.451/2015, ao alterar o Decreto nº 8.426/2015, estabeleceu que:

“§ 3º Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas financeiras decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de:

I operações de exportação de bens e serviços para o exterior; e

II obrigações contraídas pela pessoa jurídica, inclusive empréstimos e financiamentos.”

E a redução não foi apenas para essas variações cambiais. Também foi previsto que:

“§ 4º Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas financeiras decorrentes de operações de cobertura (hedge) realizadas em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros ou no mercado de balcão organizado destinadas exclusivamente à proteção contra riscos inerentes às oscilações de preço ou de taxas quando, cumulativamente, o objeto do contrato negociado:

a) estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica; e

b) destinar-se à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica.”

Sobre este assunto, ver ainda:

  1. Solução de Consulta COSIT nº 165/2018, que prevê que a redução a zero das alíquotas “alcança as receitas financeiras decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de obrigações contraídas pela pessoa jurídica”;
  2. Solução de Consulta COSIT nº 471/2017, que destaca que o benefício alcança “as receitas financeiras decorrentes de variações monetárias em função da taxa de câmbio de obrigações contraídas pela pessoa jurídica em operações de importação”.
  3. Solução de Consulta COSIT nº 652/2018, que prevê que a redução das alíquotas não se aplica às variações monetárias ativas dos direitos de crédito em função da taxa de câmbio decorrentes de adiantamento a fornecedores, por se constituírem direitos e não obrigações.

Entidades imunes e isentas

As entidades imunes do IRPJ (p. ex. uma igreja) não terão suas receitas financeiras tributadas, seja pelo PIS ou pela COFINS. Já as isentas (p. ex. uma associação de moradores) terão incidência apenas da COFINS, à alíquota de 4%.

A Solução de Consulta COSIT nº 34/2018, que sugiro a leitura, além de reafirmar o exposto, traz detalhes acerca do enquadramento de uma entidade como imune ou isenta e suas consequências em relação ao PIS e à COFINS.

Atenção: ver Solução de Consulta COSIT nº 40/2018 sobre incidência das contribuições sobre receitas financeiras das fundações de direito privado.

Receitas financeiras e venda de unidades imobiliárias

Como já mencionado, no regime cumulativo, as receitas financeiras estão oneradas pelas contribuições apenas quando fazem parte da atividade da empresa. No caso de venda de unidades imobiliárias, as receitas financeiras a elas atreladas são consideradas da atividade e, dessa forma, acabam sendo oneradas pelas contribuições (art. 16 da IN SRF 247/2002).

Neste sentido, importa conhecer a Solução de Consulta COSIT nº 41/2017, parcialmente transcrita a seguir:

“Para fins de apuração da Cofins no regime cumulativo, os valores relativos aos juros de mora, multa de mora e às variações monetárias, quando calculados com base em índices ou coeficientes aplicáveis por disposição legal ou contratual, integram a receita bruta da venda de unidade imobiliária a prazo por pessoa jurídica que explore atividades imobiliárias relativas a loteamento de terrenos, incorporação imobiliária, construção de prédios destinados à venda, bem como a venda de imóveis construídos ou adquiridos para revenda.”

Essa medida, que onera as receitas financeiras em relação ao PIS e à COFINS, é uma vantagem para essas empresas do Lucro Presumido ao analisarmos todos os tributos, pois permite a aplicação dos percentuais de presunção do lucro para efeito de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Soluções de Consulta

Como você já deve ter percebido, há inúmeras especificidades em relação à tributação das receitas financeiras. O fisco, inclusive, tem se manifestado constantemente sobre o assunto por meio de Soluções de Consulta. E além daquelas que já foram expostas ao longo do texto, cabe destacar os seguintes atos:

Assunto

Solução de Consulta COSIT

Bônus decorrentes de aquisições realizadas junto a montadoras

366/2017

Atualização de depósitos judiciais e extrajudiciais

166/2017

Reembolso de empréstimo de ações

479/2017 e 126/2017

Securitizadoras de créditos

169/2018

Código de Situação Tributária CST

As distintas formas de tributação das receitas financeiras impactam no Código de Situação Tributária – CST, utilizado especialmente para preenchimento da EFD-Contribuições.

A seguir, elaborei um quadro resumo com as principais situações expostas neste artigo:

Tipo de Receita

CST

Descrição do CST

Observação

Financeiras em geral, para empresas do regime cumulativo, quando não integrantes do seu objeto social

08

Operação sem Incidência da Contribuição

Financeiras em geral, para empresas do regime não cumulativo

02

Operação Tributável com Alíquota Diferenciada

Financeiras da venda de unidades imobiliárias

01

Operação Tributável com Alíquota Básica

Juros sobre Inadimplência

01

Operação Tributável com Alíquota Básica

Deverá acompanhar o CST da respectiva operação

Juros sobre Capital Próprio – JCP

01

Operação Tributável com Alíquota Básica

Também serão tributadas no regime cumulativo, no caso de pessoa jurídica cujo objeto social seja a participação no capital social de outras sociedades

Variações cambiais e hedge

06

Operação Tributável a Alíquota Zero

Ver os detalhes para aplicação do benefício do tópico específico

Financeiras, de entidades imunes do IRPJ

08

Operação sem Incidência da Contribuição

Financeiras, de entidades isentas do IRPJ – PIS

08

Operação sem Incidência da Contribuição

Financeiras, de entidades isentas do IRPJ – COFINS

02

Operação Tributável com Alíquota Diferenciada

Conclusão

Ao escrever este artigo, além de concluir que devo continuar a orientar meus alunos a responderem qualquer pergunta sobre PIS e COFINS começando por “depende”, esteve presente comigo, constantemente, o pensamento de Bertolt Brecht: “De todas as coisas seguras, a mais segura é a dúvida”.

Mesmo estudando constantemente o assunto, não tinha me dado conta dos inúmeros desdobramentos que uma receita financeira poder ter. Portanto, fica a lição de sempre ponderarmos antes de responder qualquer pergunta com um simples “sim” ou “não”.

PIS e COFINS e as inúmeras formas de tributar receitas financeiras