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Introdução
Em 22 de fevereiro de 2018, tivemos o julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170 – PR sobre a definição de insumos para aproveitamento de créditos do PIS e da Cofins. Um julgamento muito importante, por estar sujeito ao rito do art. 543-C do CPC/1973 (arts. 1.036 e ss do CPC/2015), mais conhecido como Recurso Repetitivo.
E quem acreditava que teríamos uma uniformidade de entendimento e que as discussões acabariam, acabaram ficando decepcionados. As polêmicas continuam e ainda estamos distantes de uma solução, se é que algum dia a teremos.
Insumos na atividade comercial?
Em 2012, na segunda edição do meu livro “Definição de insumos para apropriação de créditos do PIS e da Cofins”, escrevi:
Além dos incisos já mencionados no tópico anterior, cabe destaque ao inciso que permite o aproveitamento de créditos em relação a insumos, o qual mais gera dúvidas, tanto pela subjetividade deste termo, quanto pela ampla extensão que deles se possa esperar. Ele é transcrito a seguir:
II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda […]; (gn)
Por mais que se possa esperar da amplitude deste inciso, não é possível ignorar, no entanto, os trechos em destaque, que limitam a definição de insumos à prestação de serviços e à produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda. Na atividade puramente comercial, portanto, não haveria custos ou despesas a serem enquadrados nesta categoria. Por mais ampla que possa ser a definição de insumos, ela sempre seria incompatível com a atividade comercial, seguindo a corrente legalista.
Logo, despesas com propaganda ou comissões de venda não permitiriam o aproveitamento de créditos, pois não estão inseridos em nenhum dos incisos mencionados no tópico anterior e nem mesmo na presente definição de insumos.
Da mesma forma, muitas outras despesas da atividade comercial, como depreciação de equipamentos ou despesas administrativas, também ficariam de fora das possibilidades de aproveitamento de créditos por aqueles, que a exemplo do Fisco, seguem a corrente legalista.
Será possível o aproveitamento de crédito, no entanto, caso seja desenvolvida em paralelo alguma atividade produtiva, como é o caso dos supermercados que também fabricam pães, por exemplo. A aproveitamento do crédito, neste caso, será restrito àquilo que estiver vinculado à atividade produtiva.
O que diz o STJ?
Os comentários que fiz em meu livro, tendo em vista à época em que foram feitos, não levaram em consideração a decisão do STJ. E será que houve uma mudança com esta decisão? Muitas pessoas defendem que sim, tomando por base, em especial, a ementa desta decisão, que traz:
O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
De fato, por este trecho, podemos chegar à conclusão que a definição de insumos não estaria restrita à atividade produtiva ou à prestação de serviços. Mas quando vamos ler as 144 páginas desta decisão, é possível verificar que os julgadores mantiveram as limitações que, apesar de injustas, ao meu ver constam das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003.
No artigo O STJ e a nova definição de insumos: você leu a íntegra da decisão? detalho esse assunto. E no artigo Estudos Tributários e Aduaneiros do IV Seminário CARF também faço uma análise mais abrangente do tema, fazendo algumas críticas a esta decisão do STJ.
E o que pensa a Receita Federal?
E se a decisão do STJ ainda possa gerar dúvidas se a atividade comercial pode ou não aproveitar créditos sobre insumos, a posição do Fisco é muito clara. No Parecer Normativo nº 5/2018, onde é detalhado o entendimento da Receita Federal após a decisão do STJ, é previsto que “não há insumos na atividade de revenda de bens”. Em A nova definição de insumos: qual o entendimento da Receita Federal? abordo em detalhes o posicionamento fiscal.
E para não restarem dúvidas sobre o entendimento da Receita Federal, na Solução de Consulta nº 34/2021, publicada no Diário Oficial da União de 25/03/2021, é previsto:
ATIVIDADES COMERCIAIS. REVENDA DE BENS. IMPOSSIBILIDADE.
Somente há insumos geradores de créditos da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep nas atividades de produção de bens destinados à venda e de prestação de serviços a terceiros. Para fins de apuração de créditos da referida contribuição, não há insumos na atividade de revenda de bens, notadamente porque a esta atividade foi reservada a apuração de créditos em relação aos bens adquiridos para revenda.
E na linha do que coloquei em meu livro citado no início deste artigo, a Receita Federal também faz uma ressalva:
RESTAURANTES. VENDA DE REFEIÇÕES. POSSIBILIDADE.
Os restaurantes exercem atividade econômica mista, com preponderância da comercialização de bens, pois eventual prestação de serviços é acessória à venda de alimentos. Todavia, embora sua atividade seja predominantemente comercial e não seja considerada industrialização por expressa previsão normativa, no âmbito da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep, permite-se a apuração de créditos com fundamento no art. 3º, II, da Lei nº 10.637, de 2002, desde que atendidos os demais requisitos da legislação de regência.
Na integra da citada Solução de Consulta é possível verificar os argumentos do fisco para permitir o crédito no restaurante, pois neste caso temos uma atividade produtiva, que é o requisito das Leis quando tratam da questão de insumos.
E o CARF?
E a impossibilidade de créditos na atividade puramente comercial seria uma visão restritiva do Fisco? Na verdade, não. No âmbito do CARF podemos citar o Acórdão nº 9303-010.247, de 11/03/2002, da 3ª Turma da CSRF, fundamentado na decisão do STJ:
NÃO-CUMULATIVIDADE. CRÉDITO A TÍTULO DE INSUMOS. ART. 3º, II, DA LEI Nº 10.637/2002. ATIVIDADE COMERCIAL/VAREJISTA. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO.
Na atividade de comércio/varejista, não é possível a apuração de créditos da não-cumulatividade do PIS, com base no inciso II do art. 3º da Lei nº 10.637/2002, porquanto a hipótese normativa desse dispositivo é voltada especificamente às pessoas jurídicas industriais ou prestadoras de serviços. Por não produzir bens, tampouco prestar serviços, devem ser mantidas as glosas de todos os dispêndios sobre os quais a empresa comercial/varejista tenha tomado créditos do regime não-cumulativo como insumos.
É possível que você se lembre, no entanto, de decisões do CARF aparentemente mais amplas, a exemplo daquela que permitiu o aproveitamento de créditos sobre propaganda para uma empresa varejista móveis e eletrodomésticos. Trata-se do Acórdão 3302-008.120 e aqui fica um alerta: é preciso sempre se atentar aos detalhes da decisão e não limitar a leitura apenas à sua emente. Neste caso, um dos argumentos favoráveis à possibilidade do crédito foi o fato da empresa ter em seu objeto social a atividade secundária de prestação de serviços de publicidade e propaganda. Ou seja, suas receitas não decorriam apenas da revenda de bens.
Conclusões
A decisão do STJ pode até ter deixado dúvidas sobre a possibilidade de insumos na atividade comercial, mas a posição do fisco é muito clara em sentido contrário. No âmbito da CARF, também não podemos afirmar que a jurisprudência esteja favorável ao contribuinte.
Não obstante, a decisão do STJ ainda é recente e não temos uma jurisprudência consolidada, de forma que as empresas ainda podem buscar uma interpretação mais ampla de insumos, mas é preciso que estejam cientes dos riscos, pois não é possível afirmar que o STJ estendeu a possibilidade deste crédito às atividades puramente comerciais.