Trilogia: créditos de PIS e Cofins sobre fretes – Parte 3 (transferência e outros)

Por Fabio Rodrigues de Oliveira

Co-Founder da Busca.Legal

Criado em 26/03/2020      Publicado em 01/04/2020

Acompanhe o Boletim:

Introdução

Com um pouco de demora, aproveitando o período de isolamento pelo qual estamos passando, aproveitamos para escrever a última parte da trilogia de créditos de PIS e Cofins sobre fretes.

No primeiro texto, tratamos dos créditos sobre fretes nas compras e no segundo sobre fretes nas vendas. Neste vamos abordar outras situações que têm gerado dúvidas nestes quase 20 anos de não cumulatividade das contribuições sociais.

1. O que diz a Lei?

Como já tratamos nos artigos anteriores, a legislação traz literalmente a possibilidade de aproveitamento de créditos sobre fretes nas operações de vendas.

Em relação às compras, não há um item específico, mas como o custo de aquisição de um produto é a soma deste com todos os demais gastos para tê-lo, também é possível aproveitar créditos sobre os fretes na aquisição de mercadorias para revenda ou de insumos para produção.

A seguir, vamos tratar de outros casos de fretes e sua possibilidade de aproveitamento de créditos.

2. Frete na transferência de produtos acabados

É muito comum, por questões logísticas, um produto ser remetido para um centro de distribuição e, deste, para o local onde ocorrerá a venda. Neste caso, temos o chamado frete “intercompany” e surge a dúvida se haveria a possibilidade de crédito sobre tais gastos.

A Receita Federal vem se posicionando de forma contrária sobre este crédito há anos, como é possível observar nas Soluções de Divergência nºs 11/2007, 12/2008, 26/2008 e 2/2011. Não obstante, há forte movimento por parte dos contribuintes em sentido contrário.

A tese mais utilizada é que o termo “operação de venda” não significa necessariamente uma venda já realizada, ou seja, “frete na operação de venda” é mais abrangente que “frete na venda”. Dessa forma, tendo em vista que essas transferências entre matriz e filiais objetivam, ao final, uma venda, estariam também ligadas ao conceito de “operação de venda”.

No âmbito do CARF, já temos relevantes decisões favoráveis ao contribuinte, a exemplo do Acórdão nº 9303-007.225, da Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF, cuja ementa é parcialmente transcrita a seguir:

Cabe a constituição de crédito de PIS/Pasep e da Cofins sobre os valores relativos a fretes de produtos acabados realizados entre estabelecimentos da mesma empresa, considerando sua essencialidade à atividade do sujeito passivo.
Não obstante à observância do critério da essencialidade, é de se considerar ainda tal possibilidade, invocando o art. 3º, inciso IX, da Lei 10.833/03 e art. 3º, inciso IX, da Lei 10.637/02 eis que a inteligência desses dispositivos considera para a r. constituição de crédito os serviços intermediários necessários para a efetivação da venda quais sejam, os fretes na “operação” de venda. O que, por conseguinte, cabe refletir que tal entendimento se harmoniza com a intenção do legislador ao trazer o termo “frete na operação de venda”, e não “frete de venda” quando impôs dispositivo tratando da constituição de crédito das r. contribuições.

Sobre esta decisão, concordo a segunda parte, enquadrando este gasto como “frete na operação de venda”, uma vez que, se o produto está acabado, não deveríamos, em regra, enquadrar tais gastos como insumos, como já analisado no artigo referente a fretes nas compras.


NOTA: Para saber mais sobre insumos, sugerimos a leitura de: A nova definição de insumos: qual o entendimento da Receita Federal?


E para reforçar a defesa deste crédito, ainda é possível citar o Acórdão nº 9303­007.719, também da CSRF:

As despesas com fretes para a transferência/transporte de produtos acabados entre estabelecimentos do contribuinte e/ ou para depósito fechado e armazém geral para venda posterior constituem despesas na operação de venda e geram créditos da contribuição, passíveis de desconto do valor apurado sobre o faturamento mensal.

E sobre o CARF, lembramos que ele é um órgão administrativo de julgamento, que é acionado quando o contribuinte discorda da Receita Federal. Suas decisões não possuem efeito vinculante, ou seja, não garantem que outro contribuinte, ainda que na mesma situação, tenham uma decisão idêntica. De qualquer forma, são precedentes e podem ser usados pela empresa para definir os riscos e as estratégias a seguir.

3. Frete na transferência de produtos em elaboração

Este é outro caso de frete “intercompany” que tem gerado controvérsia ao longo dos anos. Pode ser o caso de uma matéria-prima recebida em uma determinada unidade que precisa ser transferida para outra onde ocorrerá o processo produtivo. Ou, então, o caso de um bem que começa a ser produzido em uma planta e depois é transferido para outra planta, onde ocorrerá a conclusão do processo.

Mesmo nesses casos a posição da Receita Federal, em regra, era restritiva, uma vez que estes gastos não estavam diretamente ligados ao processo produtivo, requisito exigido pelo fisco tendo em vista sua visão restritiva de insumos.

Todavia, o entendimento no âmbito da Receita Federal refere-se somente ao frete pago na aquisição do produto (ou insumo), que neste caso comporia seu custo de aquisição. Logo, os fretes, mesmo durante o processo de produção, não comporiam permitiriam a apropriação de créditos.

Neste sentido, a Solução de Divergência nº 2/2011, a seguir transcrita:

Por não integrarem o conceito de insumo utilizado na produção de bens destinados à venda e nem se referirem à operação de venda de mercadorias, as despesas efetuadas com fretes contratados para o transporte de produtos acabados ou em elaboração entre estabelecimentos industriais e destes para os estabelecimentos comerciais da mesma pessoa jurídica, não geram direito à apuração de créditos a serem descontados da Cofins.

Todavia, tendo em vista a nova definição de insumos decorrente da decisão do STJ, entendemos que estes gastos se encaixam perfeitamente como insumos.


NOTA: Para saber mais sobre a nova definição de insumos do STJ, acesse: https://busca.legal/o-stj-e-a-nova-definicao-de-insumos-voce-leu-a-integra-da-decisao/


Neste sentido, podemos destacar, inclusive, o Acordão 9303-010.086, da CSRF:

As despesas com fretes para a transferência/transporte de produtos em elaboração (inacabados) e de insumos entre estabelecimentos do contribuinte integram o custo de produção dos produtos fabricados/vendidos e, consequentemente, geram créditos da contribuição.

4. Outros casos

No quadro a seguir, trazemos outros casos que envolvem gastos relacionados a fretes:

ITEM:ATOCOMENTÁRIO
Carregamento e descarregamentoSC COSIT 212/2019Estes gastos não se inseriram no conceito de frete na operação de venda. Entendemos, no entanto, que se encaixam na mesma situação dos fretes sobre compras para aproveitamento de créditos
Frete contratado por pessoa jurídica preponderantemente exportadoraSC COSIT 585/2018Não sendo aplicável o benefício da suspensão, serão possível o aproveitamento de crédito
Frete no transporte de bem devolvidoAcórdão 3302-004.824 da 3ª Câmara / 2ª Turma OrdináriaNeste caso, não é só a Receita Federal que é contrária. Também temos um precedente desfavorável no CARF. Seria possível discutir, no entanto, seu enquadramento como insumo, tendo em vista a nova definição já citada

Conclusões

Neste artigo foi possível observar que, apesar da Receita Federal ser contrária ao crédito sobre os demais tipos de fretes, temos tido decisões favoráveis no âmbito do CARF.

E tendo em vista a nova definição de insumos, que ainda terá muitos desdobramentos, muitos gastos, que não eram considerados como insumos pelo Fisco, passam a se encaixar na nova definição, quando demonstrado que são essenciais ou relevantes ao processo produtivo ou à prestação de um serviço.

Trilogia: créditos de PIS e Cofins sobre fretes – Parte 3 (transferência e outros)